PUBLICADO EM 27 de jul de 2022
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Povos do Xingu unem forças para confrontar a pior destruição já registrada

Nos últimos quatro anos, ameaças em diferentes frentes se intensificaram no Baixo Xingu. Só em 2021, mais de 1.753.700 acres foram desflorestados na região. Isso é mais do que 194 árvores derrubadas a cada minuto. No último ano, o desflorestamento nos territórios protegidos aumentou 30%, em relação ao ano anterior.

Foto: Marcello Casal Jr. – Agência Brasil

Sandra Silva (People’s World)

Esse dado alarmante vem do Sirad X, o sistema de monitoramento remoto do Xingu+ Network. O desflorestamento é principalmente o resultado de diferentes atividades ilegais, como a falsificação de escrituras de propriedade, o roubo de madeira e a mineração não licenciada, que põem a integridade da floresta em risco, assim como das pessoas que a habitam.

A situação está se tornando cada vez mais terrível, com a iminente destruição do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, a última barreira de proteção na Amazônia Oriental.

“Nós, o povo Mebengokre, vivíamos no meio da riqueza. Nosso povo punha essa riqueza de comida para bom uso – pescar, caçar, plantar mandioca, plantar nossa comida – isso é o que nosso povo faz. Nosso povo não tinha esse costume que os kuben (brancos) têm de não olhar para os outros, não ajudar os outros. Muitos de vocês sabem sobre o que eu estou falando. Kuben muito, muito ricos e pobres, muito pobres kuben que vivem em favelas. Kuben são assim, pessoas que não têm boas casas vivem perto de pessoas que têm grandes casas, casas bonitas,” Megaron Txucarramãe, o chefe Caiapó, disse recentemente.

Megaron e líderes de 25 povos indígenas e comunidades tradicionais da região estavam no 5º Encontro do Xingu+ Network, na aldeia Khikatxi, no Território Indígena Xingu. Os Khisedje hospedaram seus parentes de 9 a 14 de maio de 2022.

Com suas famílias, comidas e culturas violadas, os povos do Xingu se veem ameaçados de agressão em várias frentes. Nesse contexto hostil, sua união é o caminho principal na luta por proteção territorial. Seu pacto pela vida é incorporado na conexão do Xingu+ Network entre os povos do Xingu e suas organizações civis parceiras. O Manifesto do Xingu+ Network pode ser lido aqui.

No encontro, uma prioridade foi apresentar jovens indígenas e ribeirinhos, que veem cheios de novos conhecimentos – prontos para se engajar e unir na luta ao lado dos mais velhos. Mitã Xipaia, comunicadora do Xingu+ Network, foi apresentada por sua primeira prima, a chefe tribal Juma Xipaia.

“Mitã é o fruto de uma nova geração, uma após a minha. Quando eu me tornei a primeira chefe tribal mulher do povo Xipaia e do Médio Xingu, eu disse ‘Eu quero os jovens ao meu lado, para que eles possam aprender’. Porque eu apenas fui escolhida para ser líder porque eu tinha estudado e tinha lido todos os manuais técnicos e análises da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). E Mitã é o produto de tudo isso. Se nós queremos líderes comprometidos com o futuro, nós temos que ensinar,” ela disse.

Ngrenhkarati Xikrin, da aldeia Pot-Kro, na Terra Indígena Trincheira Bacajá, fez um apelo emocionado para todos os presentes: “Meu pai pediu para eu vir aqui e pedir por ajuda. Porque nós não sabemos mais o que fazer. Os homens não querem que nós participemos. Hoje eu estou aqui porque o meu pai disse, ‘Você tem que ir e lutar por vocês mesmos, eu estou velho. O tempo chegou para você compartilhar com seus parentes fora e pedir ajuda para eles. Eles estão lá.’ Eles estão poluindo o nosso rio, nós estamos muito impactados lá. Por favor, nos ajude!” Ela exclamou.

Maial Paiakan Caiapó, uma jovem líder e pré-candidata a deputada federal pelo Estado do Pará, também é parte da jovem facção que está avançando para a frente de batalha, agora que seus anciãos precisam passar o bastão. “Desde a infância, nós sempre estivemos no mundo político. Por isso nós estamos aqui e vamos continuar essa luta, isso é um legado. Nós temos que honrar o nome de nosso pai. Infelizmente, a COVID levou meu pai e também muitos outros, quando o governo negou ajuda médica para vários povos indígenas. Isso foi muito doloroso para a nossa família e para o movimento indígena em geral. Sempre, quando eu viajo, e eu estou em um Território Indígena, eu olho para a floresta e penso na luta do meu pai. Meu pai sempre disse que não ia ser fácil, mas ‘Você tem que continuar,’” ela disse.

Trabalhos de infraestrutura ou de destruição?

Outro ponto tomado pelos presentes foram os sérios impactos de projetos de construção de infraestrutura no Xingu e sobre os seus povos. Doto Caiapó, líder do Território Indígena de Mekrãgnoti, falou sobre a BR-163 e sobre a Ferrogrão, uma estrada de ferro que pode trazer ainda mais devastação para a região.

“Eu lembro quando o governador do Mato Grosso me ligou e me disse sobre esse projeto de estrada de ferro. Eu disse ‘Eu não decido por mim mesmo, porque nós temos um protocolo de consulta. Esse protocolo diz que nenhuma pessoa indígena que trabalha na cidade pode decidir por nós. Se eu estou sozinho, eu sou nada,’” ele lembrou.

De acordo com o líder, a rodovia BR-13, que liga Santarém, no Oeste do Pará, a Cuiabá, Mato Grosso, tem facilitado a entrada de bebidas alcoólicas nos territórios, assim como aumentando o número de acidentes veiculares envolvendo pedestres indígenas.

A abertura de rodovias perto de áreas protegidas também facilita o fluxo de atividades ilegais. “Como os extratores minerais ilegais entram nessas terras? Pelas rodovias. Como o gado é transportado? Pelas rodovias. As rodovias são os vetores desses problemas. O momento chegou de unir forças para proibir esses enormes projetos,” enfatiza Ianukula Kaiabi Suiá, presidente da Associação da Terra Indígena do Xingu (ATIX).

Estradas como a BR-163, BR-242, Ferrogrão, a Usina de Belo Monte (UHE) e o projeto de mineração Belo Sol, entre vários outros exemplos, são empreendimentos com a habilidade de permanentemente destruir o ecossistema inteiro das regiões afetadas.

O modo que os povos indígenas descobriram para resistir a grandes projetos de construção começa com a construção de seus Protocolos de Consulta. Nesses, eles definem as regras para consulta em cada território. Veja essa reportagem especial ilustrada sobre os protocolos de consulta do povo Arara.

Aliança contra a mineração ilegal

A mineração ilegal é uma das maiores ameaças para os povos indígenas hoje. Além de a presença de não-indígenas nos territórios, o que se tornou ainda mais sério na pandemia, os mineiros ilegais poluem o solo e contaminam as águas e os peixes com mercúrio.

Criada em dezembro de 2021, a aliança anti-mineração dos povos Caiapó, Mundukuru e Yanomami foi desenvolvida para unir as forças dos povos afetados pelas atividades da mineração ilegal. Apenas nos Territórios Indígenas, a área ocupada pela mineração ilegal cresceu 495%, entre 2010 e 2020. Os Territórios Caiapó (Estado do Pará), Mundukuru (Estado do Pará) e Yanomami (Estado de Roraima) são os mais impactados, nessa ordem, pela procura ilegal por ouro.

“No Território Indígena Caiapó, nós vimos uma intensificação da mineração ilegal,” confirma Thaise Rodrigues, uma analista de geoprocessamento para o Olho do Observatório do Xingu. De acordo com ela, nos últimos quatro anos, o desflorestamento devido a mineração ilegal foi maior do que a devastação registrada nos quarenta anos anteriores. “Mais de 21.600.000 acres quadrados de floresta foram destruídos para abrir espaço para operações de mineração ilegal,” ela exclamou.

“Muitos líderes pensam que esse tipo de mineração é normal. A mineração mata as pessoas, mata as crianças, derrama sangue. Nossos jovens estão sendo assassinados por mineiros ilegais,” denunciou Dario Kopenawa, vice-presidente da Associação Hutukara Yanomami.

“O Xingu+ Network prometeu o seu apoio a Aliança Contra a Mineração Ilegal dos povos Yanomami, Mundukuru e Caiapó. Eles estavam conosco (no encontro de maio na aldeia Khitatxi) e nós ouvimos deles sobre o sofrimento e os graves crimes que têm sido cometidos em seus territórios por causa da inércia do governo. Nós exigimos que os invasores sejam expulsos e que os financiadores das operações de mineração ilegal e os compradores de ouro ilegal sejam investigados e punidos,” assim diz o manifesto do Xingu+ Network.

Mercado de carbono e economia da floresta

O mercado de carbono também foi um tema do encontro do Xingu+ Network. Tem a ver com um sistema que pretende para compensar as emissões de carbono por nações ou negócios, e assim aliviar seu impacto ambiental.

Para os povos da floresta que procuram modos de fortalecer suas economias e preservar a natureza, isso pode ser uma alternativa possível. Ao mesmo tempo, o debate é complexo, com uma série de prós e contras. Membros do Xingu+ Network estão apostando em informação de qualidade como uma ferramenta que vai ajuda-los a encontrar seu lugar no debate.

Ivaneide Bandeira, ou Neidinha, como ela é conhecida, uma ativista socioambiental e diretora da Associação Kanindé para a Defesa Etno-Ambiental, explicou cada estágio do processo de vender créditos de carbono para o povo Paiter Suruí, no Estado de Rondônia.

“Pessoas não-indígenas nem sempre verdadeiramente apoiam o discurso sobre a autonomia indígena, e nós sofremos por consequência. Outro problema é que os mineiros ilegais e os cortadores de madeira não estão interessados no projeto de carbono, e vão influenciar seus empregados indígenas para ficar contra o projeto e contra os seus principais proponentes,” ela explicou.

Outro ponto abordado no encontro do Xingu+ Network foi o incentivo à economia florestal. Patrícia Cota Gomes, advogada e articuladora da rede Origens do Brasil, falou sobre a importância de uma melhor compreensão da legislação a respeito de extrair e exportar produtos da floresta e garantir que esses processos sejam transparentes, éticos e justamente remunerados.

“Nós estávamos em uma feira de sementes e um homem Caiapó disse que nós precisávamos desenvolver algo que abrisse as coroas das árvores, porque debaixo delas estavam as pessoas que dependiam, colheita e manter a floresta de pé. As pessoas da cidade pensam que há apenas a floresta e seus animais, e esquecem que pessoas vivem lá também. Foi aí que tivemos a ideia de criar tecnologia e informação, como um modo aproximar a floresta e a cidade,” disse Patrícia.

Sandra Silva é uma jornalista no ISA – Instituto Socioambiental. Sua missão é defender a diversidade socioambiental brasileira, seja nos corredores de Brasília ou no chão da floresta.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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