PUBLICADO EM 24 de fev de 2025

Bill Gates está jogando dos dois lados da crise climática

Bill Gates e sua imagem como defensor do clima: explore a realidade por trás de seus investimentos financeiros controversos.

Bill Gates, Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, e Werner Hoyer, ex-Presidente do Banco Europeu de Investimento, na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26) em Glasgow, novembro de 2021

Bill Gates, Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, e Werner Hoyer, ex-Presidente do Banco Europeu de Investimento, na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26) em Glasgow, novembro de 2021. Foto: Comissão Europeia

Por Alex Park 

Bill Gates se apresenta como um campeão do clima, mas seu fundo na verdade aumentou seus investimentos em combustíveis fósseis desde sua promessa de desinvestimento. É apenas o exemplo mais recente do bilionário se nomeando para resolver problemas que ele ajuda a perpetuar.

Quando Bill Gates subiu ao palco em Berlim no início de fevereiro, ele planejava falar sobre sua infância. A ocasião nominal da noite era o lançamento da nova autobiografia do bilionário. Mas, em vez disso, Gates foi recebido por uma onda de manifestantes que o denunciavam sua hipocrisia. “Bill Gates não é um herói climático”, disse um dos manifestantes, enquanto o autoproclamado salvador da humanidade observava. “Suas ações significam mais do que palavras vazias.”

Palavras vazias

Em 2021, Bill Gates anunciou que a fundação que leva seu nome havia se desfeito de todas as suas “participações diretas em empresas de petróleo e gás”. Mas registros recentes do IRS mostram que, quatro anos depois, o Gates Foundation Trust, a entidade que gerencia os US$ 75,5 bilhões do endowment da Fundação Gates, parece ter feito muito pouco para se afastar dos combustíveis fósseis. Na verdade, sua participação em combustíveis fósseis parece ter aumentado.

De 2019 a 2023, o valor das ações e títulos mantidos pelo fundo aumentou mais de 30%, de US$ 216 milhões para US$ 287 milhões, segundo uma análise do Jacobin dos mais recentes registros disponíveis do IRS. Esse valor inclui algumas apostas em grandes empresas de petróleo, como a BP (US$ 23 milhões em ações e US$ 4,6 milhões em títulos) e a Occidental Petroleum (US$ 8,4 milhões em títulos), além de empresas menores que atuam principalmente, se não exclusivamente, na exploração, transporte, refino e distribuição de petróleo e gás.

Além disso, alguns desses investimentos parecem ter aumentado não porque um investimento de longo prazo deu retorno, mas porque o fundo fiduciário comprou mais desses papéis.

O Desinvestimento que nunca aconteceu

A promessa de desinvestimento de Gates, feita em seu livro best-seller do New York Times de 2021, Como Evitar um Desastre Climático: As Soluções Que Temos e as Inovações Necessárias, foi mais do que uma decisão financeira. Também marcou a estreia do bilionário como líder no combate às mudanças climáticas.

Quando foi confrontado pela primeira vez com essa ideia, Gates escreveu que questionava a utilidade do desinvestimento como uma forma de conduzir a economia global dependente do carbono para o caminho certo. Ele citou o regime de apartheid da África do Sul como um exemplo de onde a pressão econômica funcionou, levando à sua eventual queda, em parte devido a uma campanha global de desinvestimento.

Mas no setor de energia, “uma indústria avaliada em cerca de US$ 5 trilhões por ano e a base da economia moderna”, não era realista esperar que mudanças ocorressem simplesmente “vendendo ações de empresas de combustíveis fósseis”.

Ainda assim, Gates afirmou que não queria lucrar com um setor energético que apostava na continuidade da economia baseada em carbono.

“Eu me sentiria mal se lucrasse com um atraso na transição para o carbono zero. Então, em 2019, me desfiz de todas as minhas participações diretas em empresas de petróleo e gás, assim como o fundo que gerencia o endowment da Fundação Gates”, escreveu ele.

Porém, quando Como Evitar um Desastre Climático foi publicado, dois anos depois de Gates supostamente ter ordenado o desinvestimento, o fundo ainda mantinha centenas de milhões de dólares em ações e títulos de empresas de petróleo e gás. E nos anos seguintes, esses investimentos só cresceram.

Um exemplo disso é a participação do fundo na empresa japonesa de petróleo e gás Inpex Corp. Entre o final de 2022 e o final de 2023, esse investimento aumentou 32%, chegando a mais de US$ 122 milhões, apesar de as ações da Inpex terem subido menos de 2% no mesmo período. Isso sugere que o fundo fiduciário comprou mais ações da empresa.

Uma de palavras muito cuidadosa

O que devemos pensar da promessa de desinvestimento de Gates?

A linguagem que ele usa merece atenção. Se formos extremamente generosos, podemos dizer que ele fez uma promessa restrita que não era tão difícil para o fundo cumprir. “Investimentos diretos” é um termo técnico que se refere a investir nos ativos físicos de uma empresa ou deter tantas ações que se pode influenciar sua gestão. Possuir um poço de petróleo conta; ter uma pequena participação em uma empresa petrolífera — mesmo que valha dezenas de milhões de dólares — não.

Mas, se a Fundação Gates fez essa distinção entre “investimentos diretos” e outros tipos de investimentos, não insistiu em esclarecer isso na cobertura da mídia. A Bloomberg, por exemplo, publicou um artigo em 2021 com a manchete: “O desinvestimento prometido por Gates mostra como pode ser difícil se livrar dos combustíveis fósseis”, afirmando que Gates havia decidido se desfazer de “todos os seus ativos de petróleo e gás”.

Se suas palavras sobre petróleo e gás deixaram espaço para interpretação, suas afirmações sobre carvão foram diretas.

Junto com sua alegação de vender todos os “investimentos diretos” em petróleo e gás em 2019, Gates afirmou que “não tinha dinheiro em empresas de carvão há vários anos.”

No entanto, em 2019, o fundo registrou um investimento de US$ 5,6 milhões em ações da Glencore, uma gigante suíça de commodities que está envolvida no comércio global de petróleo e carvão. Em 2023, esse investimento aumentou para US$ 16,2 milhões em ações — quase três vezes mais — além de US$ 2,7 milhões em títulos.

Padrão repetitivo

Não é incomum que bilionários mantenham ativos em petróleo e gás. Se você tem um fundo de aposentadoria, provavelmente também está investido nesse setor. Mas Gates se destaca — não apenas por afirmar que estava saindo do negócio, mas por tentar se posicionar como líder na luta contra as mudanças climáticas.

Durante toda sua carreira filantrópica, Gates adotou causas populares para “salvar o mundo”, como controle populacional, erradicação da pólio e reforma educacional, sempre usando sua fortuna e influência para se nomear líder, apesar da falta de qualificação.

As mudanças climáticas são apenas a mais recente dessas causas. Para Gates, a luta pelo clima serviu como uma oportunidade para se reconectar com o público após o colapso de seu casamento com Melinda French Gates, em meio a revelações sobre sua relação com Jeffrey Epstein.

O jornalista Tim Schwab, autor do livro The Bill Gates Problem, argumenta:

“Assim como Gates tenta se posicionar como líder na luta contra as mudanças climáticas com promessas de desinvestimento falsas, contradições semelhantes marcam toda a sua carreira filantrópica.”

Um histórico de silêncio

Com raras exceções, a Fundação Gates não responde perguntas sobre a filosofia de investimento de seu fundo.

Em 2007, uma investigação do Los Angeles Times revelou que a fundação investia em uma empresa de petróleo italiana enquanto crianças próximas às suas operações sofriam problemas respiratórios.

Em 2013, foi revelado que o fundo investia US$ 2,2 milhões na empresa privada de prisões GEO Group, o que gerou protestos em frente à sede da fundação.

A fundação não falou comigo para essa matéria, mas falou com a mídia local, em uma rara tentativa de justificar seus investimentos. Em entrevista a Ansel Herz, do The Stranger, um porta-voz da fundação disse que os retornos do fundo haviam financiado uma série de esforços para salvar vidas, como “garantir que pessoas vivendo com AIDS na África tenham menos chances de morrer.”

“O fundo investe em muitas coisas para garantir que tenhamos o máximo de dinheiro possível para fazer esse trabalho”, acrescentou o porta-voz.

Herz cunhou um termo para essa justificativa de uma fundação que sustenta danos enquanto cita os benefícios que gera com os lucros: “philanthro-splaining” (uma junção de philanthropy – filantropia – e explaining – explicação). Na maioria das vezes, quando confrontada com sua hipocrisia, a fundação simplesmente não diz nada.

Alex Park é escritor e pesquisador em Oakland, Califórnia, e atualmente trabalha em um livro sobre a ascensão global da indústria de fast food.

Texto traduzido do Jacobin por Luciana Cristina Ruy

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