PUBLICADO EM 20 de ago de 2020
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EUA – a primeira candidata negra à presidência: Charlene Mitchell

Charlene Mitchell foi candidata, pelo Partido Comunista dos EUA, a presidente em 4 de julho de 1968. F foi a primeira mulher negra a ser indicada para a presidência nos EUA.| Arquivos do People’s World.

Charlene Mitchell foi candidata, pelo Partido Comunista dos EUA, a presidente em 4 de julho de 1968.

A escolha da senadora Kamala Harris como candidata a vice-presidente do Partido Democrata fez história, pois ela foi a primeira mulher negra a ser indicada para esse cargo numa chapa de partido importante. Mas a história também foi feita em 4 de julho de 1968, quando Charlene Alexander Mitchell foi indicada para concorrer à presidência dos EUA pelo Partido Comunista dos EUA. Ela foi a primeira mulher negra a ser indicada para o cargo mais alto do país por qualquer partido. O texto a seguir é de um discurso feito por ela durante a campanha eleitoral em 1968, mas parece que poderia ser feito hoje, em uma manifestação do Black Lives Matter. Trechos do discurso foram publicados no “Daily World”, antecessor do “People’s World”. O discurso completo também foi publicado como um panfleto com o título “Candidato comunista fala sobre libertação negra”.

Por Charlene Mitchell (*)

Fui comunista durante a maior parte da minha vida adulta. Entrei para o partido quando decidi que o sistema econômico que controla este país não só não pode resolver os problemas dos negros, como na verdade ajuda a evitar essa solução.

O sistema econômico do capitalismo e as instituições políticas que o servem falharam com o povo porque é incapaz de destruir de uma vez por todas o racismo que infesta esta nação.

É incapaz porque fazê-lo significaria acabar com os lucros adicionais obtidos com a manutenção da discriminação no emprego e de um padrão salarial desigual. Significaria acabar com uma situação em que muitos negros são mantidos como um pool de desempregados e subempregados. Significaria acabar com a vantagem dos patrões aos quais serve a divisão em linhas raciais.

Além disso, esse ataque ao racismo removeria a base ideológica da conduta das relações exteriores que permite travar uma guerra genocida racista no Vietnã.

Este sistema econômico não funciona para atender às necessidades do povo. Garante apenas o necessário para os trabalhadores; mantém um grande número de pobres; e os ricos ficam cada vez mais ricos – ganhando mais dinheiro do que podem como gastar.

Enquanto uma mãe negra é escravizada para pagar as contas de seus filhos com um magro cheque da previdência e uma trabalhadora negra é orientada a trabalhar mais e mais rápido para produzir mais e mais em cada vez menos tempo, o número de bilionários aumenta e os ricos gastam mais com seus cães e gatos do que a maioria de nós com nossos filhos.

Tenho um filho de 17 anos e, como todas as outras mães negras deste país, me preocupo constantemente com o futuro dele. As escolas do gueto pioram cada vez mais, a qualidade da educação para nossos filhos fica cada vez mais pobre. O mundo está abrindo grandes coisas para as pessoas fazerem com suas mãos e mentes. Mas na maioria das vezes, as crianças negras não são preparadas para tirar vantagem deles.

O capitalismo também nos reprime. Os homens que detêm o poder neste país temem os negros e o poder potencial que reside nas comunidades negras. Agora os negros se moveram para afirmar esse poder e a repressão continua. Cada vez mais a polícia é enviada para reprimir o protesto dos negros. Nossos líderes militantes estão sendo incriminados e presos. Outros estão sujeitos a tentativas de intimidação para que aceitem a atual situação.

Os negros devem se reunir se quisermos resistir a esse ataque. Deve haver unidade entre nosso povo, sejam socialistas, liberais, conservadores, comunistas ou independentes. Devemos exigir que todas as barreiras de discriminação que nos impedem de aproveitar tudo o que existe para outras pessoas sejam destruídas de uma vez.

Devemos exigir poder para determinar as condições em nossas próprias comunidades. Devemos exigir o controle da polícia que patrulha a comunidade, das escolas que educam nossos filhos. Nós – as pessoas afetadas – devemos dirigir a comissão de bem-estar, a comissão da biblioteca, o conselho de recrutamento e o conselho de saúde pública.

No país, essas demandas são pelo poder do povo. Em nossas comunidades, essas demandas são pelo povo negro.

Essas são coisas que podem ser feitas em nosso país, mesmo enquanto o capitalismo está por aí. Há muitos negócios dos quais podemos cuidar agora. Mas, como comunista, decidi que, com o tempo, teremos de enfrentar o objetivo final – inaugurar um sistema em que o povo tenha e controle a riqueza em seu conjunto – e disso resultará o socialismo.

Os homens que governam este país… sabem o que queremos. Sabem do que precisamos. Sabem o que estamos dispostos e somos capazes de fazer para obtê-lo. E então eles procuram nos manter divididos – um longe do outro e dos aliados, à parte de nossa própria comunidade.

Outra coisa que me tornou comunista foi perceber que nossos únicos aliados possíveis nessa luta são os trabalhadores. Apesar de todos os seus problemas, formam o único grupo que não se beneficia de nossa opressão, e também são oprimidos pelo sistema. Os governantes do país querem manter separados os trabalhadores negros e brancos. O Partido Comunista se dedica à ideia de que – sejam quais forem as dificuldades – eles devem se unir, ou nenhum deles pode avançar.

Apelo aos meus irmãos e irmãs negros para considerarem a alternativa que o meu partido oferece. Se você concorda com todos ou a maioria dos nossos programas … se você deseja entrar nisso, inscreva-se.

(*) Charlene Alexander Mitchell nasceu em 1930 em Cincinnati, mudou-se ainda criança para Chicago, onde cresceu no conjunto habitacional Cabrini-Green. Quando adolescente, fez piquetes em lugares segregados em Chicago. Sua longa carreira de ativismo implacável e persistência é ilustrada de forma mais famosa no sucesso da campanha para libertar Angela Davis. Em suas visitas de solidariedade, ela se encontrou com a líder do Partido Comunista dos EUA, Claudia Jones, que havia sido deportada para a Inglaterra, Joseph Dadoo do ANC e outros líderes internacionais. Em 1994, ela serviu como observadora oficial das primeiras eleições democráticas na África do Sul pós-apartheid e foi observadora no congresso do Partido Comunista da África do Sul naquele ano. Nos últimos anos, ela voltou a Cuba para tratamento médico de reabilitação após um derrame sofrido em 2007. Charlene Mitchell ingressou no Partido Comunista dos EUA aos 16 anos – emergindo como uma das líderes mais influentes do partido do final dos anos 1950 aos 1980. Ela agora atua nos Comitês de Correspondência para a Democracia e o Socialismo, ligados ao PC-EUA.

Fonte: People’s World; tradução: José Carlos Ruy

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