PUBLICADO EM 29 de out de 2020
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Eleições 2020: o movimento antirracista deve ter ações permanentes

Para além dos números, a secretária da Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Mônica Custódio defende a necessidade de haver mais negros na política e nas instâncias de decisão do país.

Belo Horizonte, 2020. Fotos: Luiz Rocha / Midia NINJA

Por Marcos Aurélio Ruy

Pela primeira vez na história o número de candidaturas identificadas como negros supera o número de candidaturas de pessoas com identidade de branco. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 49,9% dos candidatos se autodeclararam negros ou pardos e 48,1% brancos.

Para além dos números, a secretária da Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Mônica Custódio defende a necessidade de haver mais negros na política e nas instâncias de decisão do país.

“Precisamos fazer parte do sistema par podermos mudar o sistema, ser incluídos”, alega Mônica. “O racismo estrutural tem impedido a real representação da população negra, que corresponde a mais da metade da população brasileira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística”), acentua.

Mas ela destaca que não basta ser negro. “Como Solano Trindade (1908-1974) – multiartista, ativista antirracista e comunista – já nos dizia, nem todo negro é meu irmão, como é o caso do presidente da Fundação Palmares, cujo o nome nem dizemos”. Por isso, “é preciso ter compromisso com a luta antirracista”. Para ela, “esse número de candidaturas é a expressão da vontade e da consciência de cidadania e de nós por nós. Uma classe em si e para si”.

Assim como Mônica, a secretária de Igualdade Racial da CTB-SP, Lidiane Gomes acredita na importância irreversível desse avanço da população negra nesta eleição. Porque “a luta de classes atingiu um estágio que não dá mais para fugir da luta antirracista e todo mundo está sendo obrigado a tocar nesse assunto”. Para ela, “o momento histórico brasileiro e mundial exige engajamento no combate ao racismo e às desigualdades”.

Para Lidiane, é “muito gratificante ver tanta gente preta se candidatando para quem faz parte do movimento negro há muito tempo”. Mas ela reforça a necessidade de “elegermos pessoas que tenham qualidade e compromisso com a promoção da igualdade racial”.

Afirma também que “as eleições municipais deste ano podem entrar para a história” porque “a proibição de coligações para cargos proporcionais – nestas eleições a disputa pelas câmaras de vereadores – levou os partidos a lançarem candidaturas próprias e as negras e negros passaram a ocupar o seu devido espaço, o seu devido lugar”.

Mercado de trabalho

As duas sindicalistas defendem que a presença de mais negros em cargos políticos pode começar a mudar muita coisa. A começar pelo mercado de trabalho. O site Vagas.com “mostra um quadro desolador que precisa ser alterado com ações propositivas”, acentua Mônica. Pelo levantamento, feito em setembro deste ano, 47,6% dos negros tinham ocupações operacionais e 11,4% técnicas. Já em cargos de alta e média gestão, apenas 0,7% são ocupados por negros.

Para as mulheres negras a situação continua degradante como mostra a pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho”, da consultora Indique Uma Preta em parceria com a empresa Box1824, divulgada nesta quarta-feira (28).

Entre as negras, 54% estão sem trabalho remunerado e 39% buscando emprego. Entre as 46% que estão trabalhando, 20% trabalham como autônomas, em situação de precariedade.  Entre as que estão no mercado de trabalho formal, apenas 2% ocupam cargos de diretora, 3% de sócia proprietária e 3% de gerente.

“Esse mercado de trabalho só muda com políticas de Estado e povo na rua”, argumenta Mônica. Porque “a representação patronal é extremamente atrasada, não entende a necessidade de mudanças, não consegue pensar um país livre das amarras de todo tipo de preconceito e do racismo”.

Lidiane destaca ainda os dados do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre os quais 6.357 pessoas foram assassinadas pela polícia, sendo 79,1% de negros e 74,3% de jovens até 29 anos.

“Essa tragédia pode começar a mudar com o engajamento de algumas pessoas influentes da mídia, cada vez mais levantando a bandeira contra o racismo”, diz. “O que obriga outros setores da sociedade a refletirem sobre o tema”.

Ela também assinala “as enormes dificuldades principalmente financeiras de candidaturas de negras e negros perante a campanhas milionárias que tendem a jogar sujo à caça de votos”. Mas destaca a aprovação pelo TSE de obrigar a utilização de verbas iguais para negros e brancos.

Porém, “o importante é que pauta está aí e, nestas eleições em especial, estamos dando um passo tão largo que vai ser difícil regredir nas próximas eleições”.

Mas para não haver retrocesso, ela defende ações antirracistas permanentes. “É muito importante que nós negras e negros possamos aproveitar este momento para fazer política e campanha de qualidade para que definitivamente a capacidade das pessoas deixe de ser medida pela cor da pele”, conclui Lidiane.

CTB

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