PUBLICADO EM 21 de nov de 2018
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Economia global dá sinais de desaceleração sincronizada

Depois do forte ritmo de crescimento dos últimos dois anos, a economia mundial começa a dar sinais de enfraquecimento, diante da ameaça cada vez maior de uma desaceleração simultânea nos EUA, China e na Europa.

Poucos economistas preveem uma recessão mundial propriamente dita no próximo ano. Mas o crescimento sincronizado que vinha impulsionando a maioria das principais economias do mundo desde 2017 parece estar perdendo força. Os riscos têm sido amplificados pela guerra comercial travada entre EUA e China, pela disputa que divide o Reino Unido sobre sua saída da União Europeia (UE) e pela continuidade do ciclo de alta de juros do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

A combinação desses fatores foi suficiente para desencadear o recente movimento de queda nos mercados de ações globais. Contando a queda de ontem, os principais índices em Nova York, que chegaram a acumular valorização ao redor de 10% no ano, agora mostram estagnação em 2018.

A expectativa geral de analistas e investidores é que o Fed vai subir sua taxa básica de juros pela quarta vez este ano em dezembro. Juros mais altos ajudam a controlar a inflação, mas também elevam os custos de financiamento para consumidores e empresas. E para países endividados em dólar, o aperto monetário do Fed torna mais pesado o fardo da dívida. A Argentina, por exemplo, caiu em recessão ao se deparar com o aumento do custo para honrar suas dívidas.

“Não podemos continuar crescendo com esta rapidez por muito mais tempo sem correr o risco de inflação”, disse o executivo-chefe da Oxford Economics, Adrian Cooper, sobre a ainda sólida economia dos EUA. “Basicamente, é isso o que o Fed vem tentando conseguir com a elevação gradual das taxas de juros. A destreza é fazer isso sem criar uma grande desaceleração.”

A preocupação cresceu a ponto de obrigar o principal assessor econômico de Trump, Larry Kudlow, a minimizar os receios que vêm abalando os mercados. “A recessão está tão distante que não consigo vê-la”, disse Kudlow a um grupo de repórteres do lado de fora da Casa Branca. “Mantenham a fé. É uma economia muito forte.”

O crescimento combinado das principais economias do mundo nos últimos dois anos foi celebrado depois da pálida recuperação na sequência da crise financeira de 2008. Poucos economistas acreditavam que esse crescimento acelerado seria sustentável – ou mesmo desejável – ao longo de muitos anos.

O temor é que uma expansão mundial demasiado prolongada possa desencadear inflação ou os investimentos especulativos que, inevitavelmente, poderiam levar as economias mais vulneráveis a uma recessão. Para piorar, as economias estão cada vez mais interconectadas em suas finanças, comércio exterior e investimentos – a ponto de rupturas em qualquer grande país ter potencial para se disseminar pelo mundo.

A Oxford Economics prevê que o crescimento da economia mundial, em termos do Produto Interno Bruto (PIB), vai diminuir de 3,1% neste ano para 2,8% em 2019. Uma desaceleração como essa é suficiente para afetar os lucros e investimentos das empresas, segundo Cooper. Mas a maioria dos trabalhadores americanos e europeus provavelmente não vai sentir esse impacto, em parte graças à resiliência dos mercados de trabalho e à queda nos preços do petróleo, de acordo com Cooper.

“2019 ainda vai ser muito bom – seu emprego estará seguro e seu salário vai subir”, previu Cooper, acrescentando, porém, que, em sua opinião, a desaceleração vai piorar em 2020.

Mas os mercados de ações já vêm sofrendo com ondas de pressão de venda, à medida que os investidores tentam precificar a desaceleração econômica e seu possível impacto no crescimento dos lucros das empresas.

“Os mercados financeiros se tornaram um pouco mais voláteis e nervosos ultimamente, preocupados com a desaceleração do crescimento mundial, as tensões comerciais, os problemas no Reino Unido e o medo de que os EUA possam não ser capazes de manter seu atual bom momento cíclico”, disse Josh Feinman, economista-chefe da Deutsche Asset Management.

Nos próximos dois anos, a maioria dos especialistas prevê que o crescimento dos EUA, depois de ficar acima dos 3% neste ano – o melhor desempenho desde 2005 – vai se enfraquecer. O presidente do Fed, Jerome Powell, reconheceu em discurso na semana passada que o forte crescimento global observado em 2017 está agora perdendo força. “Veem-se sinais de desaceleração gradual.”

O Goldman Sachs prevê que o crescimento anual da economia dos EUA vai desacelerar para 1,75% no fim de 2019. O banco acredita que esse enfraquecimento se deve em parte ao esgotamento do estímulo do corte de impostos que Trump conseguiu aprovar no Congresso. Esse impulso da reforma fiscal deverá desaparecer até 2020.

Uma importante ameaça à economia dos EUA é a guerra comercial que Trump vem travando com a China. O presidente impôs uma sobretaxa de 10% aos produtos chineses avaliados em US$ 200 bilhões – uma tarifa que deverá subir para 25% em 2019. Ele também ameaçou sobretaxar mais US$ 250 bilhões em produtos chineses.

Uma crise comercial prolongada prejudicaria o comércio mundial e, deste modo, o crescimento econômico. Trump deverá se reunir com o presidente Xi Jinping na reunião do G-20 (grupo das maiores economias do mundo) na Argentina na semana que vem. Mas as perspectivas de progressos nas discussões parecem menores.

“Os dois países parecem divergir bastante na questão e não parecem dispostos a ceder a esta altura”, disse Scott Anderson, economista-chefe do Bank of the West.

De modo parecido, divisões políticas parecem ameaçar o lento ritmo de expansão da Europa que já dura cinco anos. O Reino Unido luta para finalizar sua saída da UE e as incertezas que cercam o governo da premiê Theresa May vêm perturbando os mercados.

Na Itália, as tensões são provocadas por um governo que quer aumentar seu endividamento, desafiando as regras de déficit para os 19 países do euro. O aumento da dívida pode levar as taxas de juros italianas a alcançar níveis que sufocariam o crescimento e prejudicaria a zona do euro.

Mesmo assim, o maior risco de todos pode ser a China, a segunda maior economia do mundo e principal motor do crescimento mundial há várias décadas. Sua economia já estava esfriando antes de Trump aumentar as tarifas para reduzir o déficit comercial dos EUA com Pequim e proteger a tecnologia americana.

Entre empresas e economistas, a questão não é se o crescimento chinês vai desacelerar, e sim de quanto será essa desaceleração. Em setembro, o crescimento anual foi de 6,5%, o ponto mais baixo após a crise financeira global. Isso seguiu-se à imposição de restrições aos empréstimos bancários para conter o crescente endividamento. Segundo economistas, essa desaceleração vai se aprofundar pelo menos até a metade de 2019.

O Partido Comunista quer um crescimento mais lento e autossustentado, movido mais pelos gastos do consumidor e menos pelo comércio e pelos investimentos. Mas a queda tem sido maior que o esperado. Em resposta, Pequim vem reduzindo as taxas de juros, amenizando os controles sobre os empréstimos e injetando dinheiro em projetos de construção.

“Medidas adicionais são necessárias para colocar um piso sob o crescimento econômico”, diz Julian Evans-Pritchard da Capital Economics. Encontrar esse piso poderá ser problemático se a guerra comercial com o governo Trump reduzir as exportações que levaram a economia da China a dominar o setor industrial. Analistas do UBS acreditam haver 20% de chances de a China sofrer uma desaceleração maior por causa da escalada da tensão com os EUA.

“Nesse cenário, não se pode evitar um contágio dos mercados globais”, escreveram analistas do UBS.

Fonte: Valor Econômico

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