Por Marcos Aurélio Ruy
A série, desde maio no catálogo, é a mais assistida da Netflix e conta a história dos “cinco do Central Park”, como foram denominados os jovens condenados por estupro, num dos mais conhecidos episódios da (in)justiça de Nova York, nos Estados Unidos, em 1989. Nesse caso, a arte realmente imita a vida ou ao menos tenta se aproximar o mais possível dos fatos que aterrorizaram a vida desses meninos de 14 a 16 anos. Em comum, eram todos negros e davam um “rolezinho” no Central Park, o Ibirapuera de Nova York.
Muito parecido com os “rolezinhos” de jovens pobres da periferia, em shoppings na capital paulista em 2014. Apavorou as pessoas habituadas a convívio nessas galerias comerciais. Não faltou segurança, muitas vezes negro também, agredindo jovens. Policiais e mídia trataram de aumentar a dose de tensão e o passeio de jovens pobres nos shoppings de elite cessou.
Ava consegue transmitir o sofrimento dos cinco garotos presos, torturados para confessarem o brutal estupro sofrido na mesma noite, no mesmo parque, por Trish Meili, de 28 anos na época. A brutalidade foi tamanha que Trish ficou com sequelas e não conseguiu se lembrar do fato. Ao saber do estupro, a promotora Linda Fairstein, responsável pela divisão de crimes sexuais da polícia de Nova York, mobilizou a sua equipe para incriminar os jovens. Queria uma resposta rápida para os sucessivos estupros que ocorriam na metrópole naquele ano.
Os cinco meninos são levados a julgamentos e a única prova que a polícia conseguiu foi a confissão deles arrancada sob tortura. Nenhum dado batia. Não havia nada que comprovasse a presença deles no local do crime no exato momento da violência. Mesmo assim os olhos da hipocrisia, do preconceito e da mentira condenaram os cinco. A injustiça foi desfeita apenas anos depois quando o verdadeiro criminoso confessou mais esse estupro para a sua lista de crimes hediondos.
A maioria deles já estava em liberdade, após anos na prisão e tentavam refazer suas vidas. Apenas Korey Wise ainda estava preso, porque era o único que tinha 16 anos em 1989 e foi para a prisão de adultos. A própria Ava afirmou em entrevista que fez a série pensando em como ajudar a mudar essa triste realidade de olhos racistas que condenam negros sem pestanejar, sem provas e montagem de indícios para forjarem a condenação. Parece que conseguiu.
A estratégia da diretora em sensibilizar pelo impacto funciona. Ninguém consegue assistir a essa série sem se incomodar com a injustiça cometida. Dividido em quatro longos episódios, Olhos que Condenam leva a profundas reflexões sobre os fatos. O racismo, o lugar dos brancos e o lugar dos negros na sociedade, o porquê dessa distinção e o papel da Justiça e da polícia numa sociedade capitalista.
Muitas injustiças foram cometidas na história do Judiciário norte-americano. Algumas delas foram para o cinema e esse episódio dos cinco meninos para a televisão do mundo inteiro. Força que tem a Netflix nesse caso.
O elenco da série contou com Jhanel Jerome, Caleil Harris, Asante Black, Ethan Herisse, Marquis Rodirguez, Felicity Huffman, Kyllie Bunburry, Vera Farmiga, NiecyNash, entre muitos outros talentos. A atuação brilhante de todos entrará para a história.
O cinema dos Estados Unidos retrata muito bem os “erros” judiciais quase sempre cometidos contra negros e pobres. O filme Hurricane – O Furacão (1999), dirigido por Norman Jewison, por exemplo, conta a história real do boxeador Rubin “Hurricane” Carter condenado a prisão perpétua pelo assassinato de três pessoas num bar de Nova Jersey, em 1966, com base no depoimento dos policiais que o prenderam. Sua inocência foi provada 20 anos depois.
História muito parecida com a do jovem carioca Rafael Braga Vieira, condenado por porte ilegal de artefato incendiário por sua suposta participação nas manifestações de junho de 2013, no Rio de Janeiro. E, em prisão domiciliar, é preso e condenado, novamente com base no testemunho dos policiais que o prenderam sob a acusação de tráfico de drogas, associação ao tráfico e colaboração com o tráfico. Ele é negro e favelado.
A série joga luz sobre a função da polícia em investigar e se ater aos fatos, assim como a promotoria e os juízes. Também joga os holofotes para a discussão sobre a maioridade penal ao mostrar a degradação de um menino de 16 anos preso com adultos, ainda mais condenado por estupro. Fica perceptível a iniquidade de se baixar a maioridade penal como grupos reacionários ainda pretendem no Brasil, com o impacto da emoção de crimes hediondos – tudo com o objetivo de privatizar presídios e faturar com a desgraça dos mais pobres.
A série Olhos que Condenam nos leva a empatia com os meninos condenados nos Estados Unidos e nos remete às inúmeras injustiças que ocorrem no Brasil, principalmente contra a juventude negra, pobre e da periferia. Ao final, há uma entrevista com a diretora, o elenco e os verdadeiros presos injustamente com Oprah Winfrey. Vale conferir;
Marcos Aurélio Ruy é jornalista.
https://youtu.be/InMokMK3ji4