PUBLICADO EM 23 de maio de 2018
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Mortalidade infantil impõe queda de braço com ajuste fiscal de Temer

Estudo da Fiocruz aponta que limite de gastos que afetam Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família podem ter impacto direto na mortalidade de milhares de menores de até 5 anos até 2030

Foto: Alex Almeida

O congelamento de gastos planejado pelo Governo de Michel Temer como resposta à crise econômica poderá ter um impacto direto na mortalidade de crianças, aponta um estudo feito por analistas ligados à Fiocruz e divulgado nesta terça-feira pela revista científica norte-americana PLoS Medicine. Os pesquisadores fizeram uma simulação de quantas mortes de menores de cinco anos poderiam ser evitadas até 2030 caso os programas Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família tenham seus orçamentos aumentados de forma proporcional ao acréscimo no número de pobres no país. Seriam 19.732 mortes a menos até 2030 em comparação com o cenário mais provável, o de que os orçamentos aumentem apenas segundo a inflação do ano anterior, como prevê, de forma global para todas as pastas do Governo, a Emenda Constitucional 95 (antiga PEC 241). A extrema pobreza no Brasil aumentou 11% entre 2016 e 2017, mas o orçamento do Bolsa Família previsto para este ano é menor do que o do ano passado.

“Quando você congela os gastos, ou seja, os ajusta de acordo com a inflação, você não consegue manter o nível de proteção social que você tinha antes”, diz Davide Rasella, do Instituto de Saúde de Coletiva da Universidade Federal da Bahia e principal autor do estudo. Segundo ele, a matemática não fecha porque há três dinâmicas sociais que não estão sendo ajustadas: primeiro, o crescimento populacional que faz com que se tenha menos dinheiro por pessoa. Depois, o envelhecimento populacional, dinâmica importante tanto para a assistência social como para a saúde. E, ainda, a inflação da tecnologia da saúde, que faz com que os custos da área aumentem a cada ano.

O estudo se apoia em duas notas técnicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgadas em 2016, logo após a aprovação da Emenda Constitucional que congela os gastos do Governo. A primeira delas afirmava que em 20 anos de aplicação da PEC a política de assistência social brasileira, que comporta o Bolsa Família, contaria com menos da metade dos recursos necessários para garantir a manutenção da cobertura nos padrões atuais. A segunda nota apontava que, até 2036, o Sistema Único Brasileiro (SUS), responsável pelo Saúde da Família, perderia cerca de 400 bilhões de reais —número similar ao achado por outro estudo, do Conselho Nacional de Saúde.

Os pesquisadores também se basearam em outra nota, do Banco Mundial, que recomendou um aumento no orçamento do Bolsa Família em 2017 para 30,41 bilhões de reais para fazer frente aos brasileiros que entraram na faixa da pobreza pela severa crise econômica. “A distribuição do orçamento adicional do Bolsa Família para as famílias recém elegíveis entre os novos pobres pode evitar que a taxa de pobreza extrema no Brasil aumente para além do nível de 2015”, afirma este estudo. Em 2017, o Governo gastou 28,9 bilhões para 13,8 milhões de famílias, aponta o site Poder 360. Para 2018, o orçamento previsto para o programa é menor: 28,2 bilhões, para 13,9 milhões de beneficiários. O Governo, entretanto, anunciou um reajuste no valor repassado às famílias no último dia primeiro.

Com base nos dados apresentados nesses três estudos, os pesquisadores consideraram três cenários distintos de crise econômica e seus efeitos no aumento da pobreza entre 2015 e 2030, um período de 15 anos. No primeiro cenário, mais moderado, se considerou que a taxa de pobreza aumentaria até 2017 e depois voltaria a cair até 2030. No segundo, considerado por eles o mais provável, a pobreza deixaria de aumentar após 2019. E no terceiro, mais agudo, o aumento da pobreza só pararia após 2021. Para cada um dos três cenários se estipulou duas possibilidades: a de o orçamento do Bolsa Família e do Saúde da Família aumentarem de acordo com o crescimento da pobreza; e a de os dois programas sofrem o efeito da Emenda Constitucional, ou seja, seus orçamentos só aumentarem pelo reajuste da inflação. A partir daí, eles calcularam em quanto seria impactada a taxa de mortalidade infantil.

Em todos os três cenários de aumento da pobreza, o país mantém a queda da mortalidade infantil vivenciada nos últimos anos —entre 2000 e 2016 ela caiu 31% em números absolutos (de 56.786 para 39.305). Mas essa diminuição varia de acordo com o nível de proteção orçamentária dos dois programas. No segundo cenário de crise, considerado pelos pesquisadores como o mais provável, a manutenção da proteção social adequada traria uma quantidade de mortes infantis 8,57% menor até 2030. Em números brutos, isso representaria 19.732 mortes a menos. No cenário de crise mais branda, se evitaria até em 2030 13.954 mortes. E no de crise mais grave o congelamento de gastos deixaria de evitar 23.424 mortes. O Governo federal refuta a ideia de que o orçamento será congelado e afirma que a cobertura do Bolsa Família tem crescido e vem sendo reajustado.

Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores utilizaram a base de cálculo do impacto dos dois programas na taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos entre 2004 e 2009, observada por eles em outro estudo, publicado em 2013 na também revista científica The Lancet. Na ocasião, eles calcularam todas as causas de mortalidade infantil entre menores de cinco anos, incluindo, por exemplo, desnutrição, diarreia e infecções respiratórias agudas, e montaram modelos matemáticos que isolaram os efeitos do Bolsa Família nestas causas. Com isso, concluíram que o programa foi responsável pela redução de 17% das mortes de crianças menores de cinco anos.

Isso acontece porque o Bolsa Família, segundo os pesquisadores, melhora tanto a qualidade quanto a quantidade de comida das famílias pobres, impactando, especialmente, na diminuição de casos de diarreia e de desnutrição. O programa também aumenta as consultas pré-natal das gestantes e a cobertura vacinal das crianças, pré-requisito para o recebimento do benefício, assim como as consultas com pediatras. Já o Saúde da Família aumenta o número de visitas médicas, já que ele prevê que os profissionais de saúde visitem os domicílios pobres para atender e orientar as famílias. Tudo isso tem impacto no chamado grupo de mortes evitáveis, aquelas que poderiam ser prevenidas por ações efetivas do Governo, como vacinação, atenção adequada à gestante, ao parto e ao recém-nascido, e ações adequadas de promoção à saúde, o que inclui, por exemplo, anemias associadas à deficiências nutricionais.

“A mortalidade de menores de cinco anos tem caído ao longo do tempo. O que importa do ponto de vista de política pública é o que nós podemos fazer para acelerar esta queda. O Bolsa Família é um dos mais bem sucedidos programas de melhoria da situação nutricional das famílias no mundo. Precisa ser utilizado, sim, no controle dos efeitos da crise econômica”, ressalta Romulo Paes-Sousa, da Fiocruz Minas Gerais e outro dos autores do estudo.

Mortalidade infantil atual
O sistema de estatísticas do SUS (DataSus) já demonstra que diante do cenário atual de crise a mortalidade infantil está sendo impactada, segundo dados adiantados pelo jornal Valor Econômico no último dia 14 e confirmados por um levantamento feito pelo EL PAÍS no sistema. Os dados apontam que a mortalidade entre crianças de um a quatro anos cresceu 11% no país entre 2015 e 2016, últimos dados disponíveis. Apesar disso, os dados globais de mortes evitáveis de crianças caiu 1,2% no período, impulsionado pela queda ocorrida no grupo dos recém-nascidos que continua.

Quando os dados são analisados por cor ou raça, também percebe-se que o aumento nos dados das crianças entre um e quatro anos se deu especialmente entre brancos e pretos (14%) e indígenas (17%). Apenas Mato Grosso, Santa Catarina, Distrito Federal Sergipe e Tocantins diminuíram seus índices de mortes evitáveis nesta faixa etária. Em Roraima, o aumento chegou a 43% e, se olhados os dados referentes aos indígenas, o número de mortes se elevou em 106% — há anos os indígenas da etnia yanomami, que vivem no Estado, denunciam a precária situação da saúde indígena.

Fonte :  El País

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