PUBLICADO EM 09 de jun de 2025

Cacau Show: uma doce fachada que esconde abusos

Cacau Show: empresa é alvo de denúncias por parte de franqueados e de trabalhadores. Rituais, abusos e até exploração na produção do cacau.

Loja da Cacau Showno Botafogo Praia Shopping, Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil. Foto Eduardo P. (Wikipedia)

Loja da Cacau Showno Botafogo Praia Shopping, Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil. Foto Eduardo P. (Wikipedia)

Com milhares de lojas espalhadas pelo país, propagandas constantes em horários nobres e uma imagem de empresa moderna e acolhedora, a Cacau Show conseguiu se firmar como sinônimo de chocolate acessível e presenteável. Mas, por trás da vitrine colorida e das mensagens motivacionais, existe uma realidade amarga que precisa ser exposta.

A empresa, comandada pelo fundador e CEO Alexandre Costa, alcançou um faturamento bilionário nos últimos anos. Apenas em 2023, a marca ultrapassou os R$ 5 bilhões em receita. Em 2024, a expansão continua com promessas de abertura de novas unidades e aumento de produção. Esse crescimento acelerado, no entanto, tem sido acompanhado de denúncias graves de abusos, práticas de controle excessivo, violação de direitos humanos e exploração na cadeia produtiva.

O que antes era vendido como um “sonho de empreendedorismo” está se revelando um verdadeiro pesadelo para muitos trabalhadores e franqueados.

Pressão e insanidade

Matérias publicadas por grandes veículos de imprensa e relatos de quem vive essa realidade mostram que a empresa tem adotado práticas que ultrapassam os limites da ética empresarial. O ambiente dentro da rede é descrito como coercitivo, com imposições ideológicas, punições e métodos de gestão que beiram o fanatismo.

Funcionários da sede relataram a realização de rituais com elementos de forte carga simbólica, nos quais são forçados a participar de encenações e encarar os próprios medos como parte de “exercícios de liderança”. Tudo isso sob a supervisão direta do CEO. Relatos apontam que os participantes são pressionados psicologicamente em reuniões com discursos inflamados, onde quem questiona ou se recusa a participar dos rituais é isolado ou afastado.

Franqueados da rede também têm denunciado o que chamam de “ambiente de seita”, em que qualquer crítica ao modelo de negócios é rechaçada com punições, bloqueio de pedidos e sanções contratuais. Muitos afirmam que entraram no negócio acreditando nas promessas de retorno financeiro e apoio constante, mas se viram presos a um sistema rígido, onde a autonomia é quase nula e a dependência da central é absoluta.

Práticas herdadas da escravidão

Além disso, a Cacau Show tem seu nome ligado, direta ou indiretamente, a casos de trabalho análogo à escravidão em sua cadeia de produção. Diversas denúncias apontam que o cacau utilizado por grandes empresas do setor — incluindo fornecedoras da Cacau Show — vem de plantações onde crianças e adultos são submetidos a jornadas exaustivas, sem condições mínimas de segurança, alimentação ou remuneração justa.

O problema é estrutural: o Brasil, sendo um dos principais produtores de cacau do mundo, ainda convive com práticas herdadas da escravidão colonial em diversas lavouras no sul da Bahia e no Pará. Trabalhadores vivem em barracos de lona, sem água potável, sem banheiro, submetidos a cobranças abusivas por alimentação e equipamentos. Em muitos casos, crianças são forçadas a trabalhar em meio a venenos agrícolas e facões, sem qualquer proteção.

E enquanto isso acontece longe dos holofotes, a imagem institucional da Cacau Show segue sendo cuidadosamente construída com campanhas emocionantes e programas de fidelização. A empresa investe pesado em marketing e comunicação, promove eventos com celebridades e reforça a figura do seu fundador como um “exemplo de superação”. Mas o contraste entre o discurso e a prática é gritante.

Não se trata apenas de denunciar um ou outro abuso isolado. A Cacau Show representa um modelo de negócio que lucra com a exploração e impõe uma lógica empresarial desumana. Uma lógica que transforma trabalhadores em peças descartáveis, franqueados em reféns e fornecedores em elos invisíveis de uma cadeia de sofrimento.

O papel dos sindicatos

Enquanto muitos consumidores continuam comprando chocolates embalados em frases de amor, afeto e gratidão, é preciso lembrar que esse doce pode ter um gosto amargo para quem o produz. E é por isso que sindicatos, movimentos sociais e toda a sociedade precisam se mobilizar.

A Federação Independente dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo (Fitiasp), ao lado de outras entidades comprometidas com a justiça social, repudia veementemente qualquer forma de abuso, coerção, escravidão contemporânea e práticas empresariais que violem a dignidade humana. Vamos seguir denunciando, pressionando e exigindo que empresas como a Cacau Show sejam responsabilizadas por tudo aquilo que escondem atrás das vitrines.

O crescimento econômico não pode ser feito às custas da saúde mental, do sofrimento e da exploração de trabalhadores. Chega de naturalizar abusos em nome da produtividade. É hora de colocar as pessoas no centro — e isso começa com verdade, dignidade e respeito.

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