PUBLICADO EM 07 de jun de 2020
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As lágrimas causadas pelo mal secreto que os ratos da sociedade trazem ao mundo

O cantor e compositor Jards Macalé

Por Marcos Aurélio Ruy

Seis canções da música popular brasileira para ajudar a compreensão da vida presente. De Ismael Silva (1905-1978) a Pabllo Vittar, um panorama da história da vida brasileira e das mudanças, muitas vezes quase invisíveis pelas quais o país passou e vem passando. A resistência a uma elite perversa, rude e contra os interesses nacionais expostas na poesia cantada de diferentes autores de uma diversidade inigualável.

A começar por Jards Macalé, um dos mais importantes “malditos” da MPB, com uma produção que mescla foxtrote, suingue, jazz, samba, marchinha carnavalesca, valsa, modinha, batuque dos morros, rock e música erudita.

Em parceria com Waly Saomão (1943-2003), respeitado poeta baiano que atuou na Secretária Nacional do Livro, na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, no início de seu mandato, tinha como projeto incluir um livro na cesta básica.

A parceria dos dois só poderia gerar obras importantes como “Mal Secreto”, de 1983, musicada por Macalé em 1972. Canta em seus versos:

“Não choro,

Meu segredo é que sou rapaz esforçado,

Fico parado, calado, quieto,

Não corro, não choro, não converso,

Massacro meu medo,

Mascaro minha dor,

Já sei sofrer.

Não preciso de gente que me oriente”

 

Mal Secreto (1972), de Jards Macalé e Waly Salomão

Dead Fish

Dead Fish é uma banda de hardcore que se formou em 1991, em Vitória, capital do Espírito Santo. Hardcore é uma designação de um tipo de rock que surgiu nos anos 1970 nos Estados Unidos e na Europa como expressão musical do movimento punk.

O grupo capixaba canta as tensões sociais de seu estado e do país com letras fortes e som pesado. Em “Proprietários do Terceiro Mundo”, a banda denuncia o imperialismo de forma marcante:

“Promessas eternas por cumprir e mortos demais a esperar

Sobre uma terra fértil à espera de mãos pra plantar

Mas os punhos fechados e amargos dos proprietários do terceiro mundo

Beberam sangue demais pra perdoar

Mentalidade tacanha e assassina nas favelas do terceiro mundo

Mortos, suicídios, chacinas somados é o que se vê”

 

Proprietários do Terceiro Mundo (2002), de Dead Fish

Jorge Mautner

Os pais de Jorge Mautner fugiram do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial para escapar do holocausto. Mautner, nascido no Rio de Janeiro, se transformou num dos grandes nomes do movimento tropicalista. Com seu violino mágico encanta plateias pelo mundo afora. Além de cantor e compositor é também escritor respeitado.

Na canção “Lágrimas Negras” divide a autoria com o seu companheiro de vida, o músico Nelson Jacobina (1953-2012). Aprecie sem moderação os versos dessa linda canção:

“Por entre flores e estrelas

Você usa uma delas como brinco

Pendurada na orelha

Astronauta da saudade

Com a boca toda vermelha

Lágrimas negras caem, saem, doem

São como pedras de moinhos

Que moem, roem, moem”

 

Lágrimas Negras (1988), de Jorge Mautner e Nelson Jacobina

Pabllo Vitar

O maranhense Pabllo Vittar se constitui em uma das principais vozes LGBT da música popular brasileira. Se assume como drag queen e canta as dores, os amores e os desejos por respeito e uma vida sem sobressaltos para essa parcela da população brasileira, tão maltratada

Suas músicas falam dos sentimentos e da vontade de se ter uma sociedade sem preconceitos, sem violência, traduzida em amor e respeito.

“Indestrutível” canta essa vontade de superação:

“Tudo vai ficar bem

E as minhas lágrimas vão secar

Tudo vai ficar bem

E essas feridas vão se curar

 

Se recebo dor, te devolvo amor

Se recebo dor, te devolvo amor

E quanto mais dor recebo

Mais percebo que sou

Indestrutível”

 

Indestrutível (2017), de Rodrigo Gorky, Maffalda e Pablo Bispo

Ismael Silva

O compositor niteroiense, Ismael Silva (1905-1978) se constituiu em um dos mais importantes nomes do samba. Junto com amigos fundou a primeira escola de samba do Brasil em 1928, a Deixa Falar. Inclusive é imputada a ele a designação “escola de samba” porque se reuniam nas proximidades de uma escola que formava professoras, na época chamada de curso Normal. Então raciocinou se lá era uma escola de professoras, ali seria a escola de samba.

O grande sambista influenciou as gerações posteriores de compositores da música popular brasileira. Deixou um repertório de centenas de belas canções. Aqui a destacada “Contrastes” é um recado direto à soberba, à falta de ética e à hipocrisia.

“Existe muita tristeza

Na rua da alegria

Existe muita desordem

Na rua da harmonia

 

Analisando essa estória

Cada vez mais me embaraço

Quanto mais longe do circo

Mais eu encontro palhaço”

 

Contrastes, de Ismael Silva

Chico Buarque e Edu Lobo

Sem palavras para descrever os trabalhos desses autores cariocas, mas que pertencem ao Brasil e ao mundo tamanha a projeção de suas obras. Juntos já produziram grandes clássicos da MPB.

“Ode aos Ratos” traduz o momento vivenciado com maestria e vai além ao transpor o tempo com a clara disseminação da esperança em superar o velho.

“Rato de rua

Irrequieta criatura

Tribo em frenética proliferação

Lúbrico, libidinoso transeunte

Boca de estômago

Atrás do seu quinhão

 

Vão aos magotes

A dar com um pau

Levando o terror

Do parking ao living”

 

Ode aos ratos (2001), de Chico Buarque e Edu Lobo

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