PUBLICADO EM 19 de jun de 2020
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A classe trabalhadora precisa respirar, sem beijar o pé do patrão

O que Luísa Sobral, Bom Jovi, Luiz Gonzaga, Belchior e Marcelo D2 têm em comum?  Além da música e do talento, a vontade de viver em liberdade e cantar o desejo de transformar o mundo num lugar para todos.

Por Marcos Aurélio Ruy

Há muitos anos, um professor de literatura mostrou a importância da pontuação na escrita na língua portuguesa do Brasil. Usou um antigo ditado como exemplo. Escreveu na lousa que “quem canta seus males, espanta”. Espantados ficamos, os seus alunos, ao perceber como apenas uma vírgula pode ressignificar tudo.

Em tempos onde a frase “Eu não consigo respirar”, dita por George Floyd antes de ser assassinado por um policial branco nos Estados Unidos. Quase a mesma cantada por Luiz Gonzaga (1912-1989) na música “Xote Ecológico”, em 1989, sobre a falta de ar com tamanho descaso com o meio ambiente e com a vida, e nem tinha o coronavírus.

Bon Jovi

Desde 1983, a banda norte-americana Bon Jovi encanta o mundo com seu rock por vezes mais pesado e outras mais melódico, mantendo, contudo, o mesmo talento.

Nesta canção conta a história de um casal de trabalhadores ávidos por respirar o amor e uma vida sem carências econômicas. Difícil tarefa para quem vive apenas de sua força de trabalho, duramente explorada pelos patrões.

“Tommy costumava trabalhar no porto

O sindicato está fazendo greve

Ele só tem sua sorte

É difícil, tão difícil

Gina trabalha no restaurante o dia todo

Trabalhando por seu homem, ela traz pra casa o pagamento

Por amor, por amor”

 

Livin’ On A Prayer (Vivendo de Preces/1986), de Jon Bon Jovi, Richie Sambora e Desmond Child

Luísa Sobral

“O Engraxador” é a primeira música cantada em português pela cantora e compositora Luísa Sobral, uma das mais respeitadas da nova geração de músicos portugueses. Mistura sons e temáticas, abarcando praticamente tudo em sua obra, que começou profissionalmente em 2011. Engraxador no Brasil é engraxate, desses que ainda existem no centro de São Paulo.

“E sentado na cadeira gasta

De gente e de restos de graxa

Imagina-se num teatro inglês

A recitar Shakespeare em Português

Com a camisa e gravata de cerimônia”

 

O Engraxador (2011), de Luísa Sobral

Marcelo D2

Marcelo Maldonado Gomes Peixoto, Marcelo D2 foi um dos fundadores e o vocalista da banda Planet Hemp, em 1993, no Rio de Janeiro. Partiu para a carreira solo se transformando num dos grandes nomes da música popular brasileira. Fortemente influenciado pelo rap, ele mistura o gênero musical norte-americano com o samba, axé e outros ritmos nacionais e estrangeiros.

“Não beijo pé do patrão

Não quero o que é dos outros

Me ame, te estendo a mão

E a raiva fica pros outros

Se eu tô na febre do rato

Agora vocês vão ver

Se é guerra o que nego quer

É guerra que eles vão ter”

 

Febre do Rato (2018), de Marcelo D2

Belchior

Impossível ouvir Antonio Carlos Belchior (1946-2017) e ficar impassível. Impossível não querer mudar as coisas. Mesmo quando se deixa de ser como os nossos pais e passe a ser como os nossos tataravós. Usando as velhas roupas coloridas para colorir o mundo e transformar a vida em justiça e direitos.

Poucos interpretaram como ele a juventude dos anos 1970 e 1980. Principalmente na vontade de transgredir a ordem patriarcal vigente. Cantando o social e o individual, o amor e a revolução, a utopia e a vida, tudo ao mesmo tempo e uma coisa de cada vez.

“Como o Diabo Gosta” apresenta a sua marca registrada de contestação ao status quo e ao establishment porque:

“O que transforma o velho no novo

bendito fruto do povo será

E a única forma que pode ser norma

é nenhuma regra ter

é nunca fazer nada que o mestre mandar

Sempre desobedecer

Nunca reverenciar”

 

Como o Diabo Gosta (1976), de Belchior

Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga (1912-1989) é o principal nome do forró, que nomeia os gêneros musicais xote, baião, arrasta-pé e xaxado. Trouxe esse som para o “Sul Maravilha” como diria o cartunista Henfil (1944-1988).

Influenciou tudo o que veio depois. De Raul Seixas a Chico Science, nenhum cantor e compositor nordestino tem como ignorar o “rei do baião”, como foi nomeado pela mídia. Neste xote bem ecológico ele canta que não pode respirar porque “a terra está morrendo”.

“Não posso respirar, não posso mais nadar

A terra está morrendo, não dá mais pra plantar

E se plantar não nasce, se nascer não dá

Até pinga da boa é difícil de encontrar”

 

Xote Ecológico, de Luiz Gonzaga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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