PUBLICADO EM 28 de mar de 2022
COMPARTILHAR COM:

Artigo revela pressões dos EUA sobre a Rússia antes do conflito com a Ucrânia

O presente artigo, publicado no de esquerda americano site People´s World no dia 3 de fevereiro de 2022, três semanas antes do início da entrada das tropas russas na Ucrânia (em 24/002/22), e traduzido para o Rádio Peão Brasil, revela o clima de tensão que se desenhava e a pressão que os EUA exercia acirrando o conflito iminente. Segundo o artigo: “o que realmente preocupa os russos é o que os EUA e a OTAN têm feito desde o desaparecimento da União Soviética. Eles têm movido tropas e armamentos ocidentais em um País do Leste Europeu após o outro até agora, que tropas e até mísseis ofensivos são apontados para a Rússia de lugares bem junto das fronteiras desses países”.

Marcha de tochas em homenagem ao aniversário de nascimento de S. Bandera. Kiev, 1º de janeiro de 2015

Por Ben Chacko e John Wojcik (People´s World)

Há um ar cada vez mais surreal em relação ao medo da guerra sobre a Ucrânia.

Os papéis originais no drama parecem estar revertidos. De volta em dezembro, o Ministro das Relações Exteriores ucraniano, Oleksii Reznikov, estava advertindo que “não provocar a Rússia – essa estratégia não funciona e não vai funcionar,” alegando que a Rússia invadiu a Geórgia, em 2008, porque a OTAN não tinha deixado ela se juntar. De fato, a Geórgia começou essa guerra atacando a Ossétia do Sul, levando dezenas de milhares de residentes falantes de russo lá a fugir através da fronteira para a Rússia, criando uma crise de refugiados sem precedentes para esse País. Esses detalhes, contudo, raramente incomodam políticos ou jornalistas ocidentais.

Em dezembro, os EUA pareciam muito mais relutantes em escalar os assuntos. O Presidente Joe Biden disse que não iria mandar tropas para a Ucrânia e descartou uma resposta militar para qualquer incursão russa. A mesma toada emanava de Westminster, onde o Secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, disse que as tropas britânicas não iriam lutar contra a Rússia pela Ucrânia, porque a última não era um membro da OTAN. Se a Rússia agisse contra a Ucrânia (e nós devemos lembrar que isso não foi em qualquer ponto ameaçado), a resposta dos EUA e da UE seriam sanções.

Reznikov estava assegurando aos membros do Parlamento Ucraniano que na verdade não haviam sido observadas manobras militares russas, que não havia nada mais ameaçador acontecendo do que há um ano, e que não havia razão para temer um ataque iminente.

O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, deu uma coletiva de imprensa ainda mais direta, seguida por um telefonema com Joe Biden, chamando os EUA e a Grã-Bretanha para diminuir o tom de sua retórica sobre uma invasão, uma vez que isso poderia criar pânico e era mau para os negócios.

Perguntado sobre a alegação dos EUA de que a Rússia poderia invadir no mês seguinte, ele retrucou que, como chefe do governo da Ucrânia, sabia da situação melhor que Biden. Ele até lançou dúvidas sobre a ideia de que a construção militar da Rússia necessariamente tinha qualquer coisa a ver com a Ucrânia, dizendo que nós não tínhamos como saber se isso não era um rodízio de tropas de rotina.

Nós sabemos, é claro, que o que realmente preocupa os russos é o que os EUA e a OTAN têm feito desde o desaparecimento da União Soviética. Eles têm movido tropas e armamentos ocidentais em um País do Leste Europeu após o outro até agora, que tropas e até mísseis ofensivos são apontados para a Rússia de lugares bem junto das fronteiras desses países.

Mas Washington e Londres atenderam os apelos de Zelensky? Eles nem mesmo os reconheceram.

Biden ordenou o envio de 3.000 tropas extra para a Europa (onde os EUA já têm dezenas de milhares de tropas e a OTAN tem bases avançadas na Polônia e em todos os três Estados Bálticos). Tudo isso é violação da promessa feita pelos EUA no fim da Guerra Fria, que a OTAN não faria qualquer movimento para o Leste. Entre as tropas que Biden está mandando estão 1.000 para a Romênia, onde os EUA têm mísseis de cruzeiro ofensivos apontados para a Rússia. Os controles sobre a colocação de tais armas ofensivas pelos EUA foram suspensos em 2019, quando a administração Trump unilateralmente cancelou o Tratado de Mísseis INF com a Rússia.

Adicionando ao anúncio provocativo de Biden sobre as 3.000 novas tropas, o Primeiro Ministro Britânico, Boris Johnson, prometeu que forças de “terra, mar e ar” seriam mandadas para o Leste Europeu, para ver fora a ameaça russa.

O mais que a Ucrânia insistiu semana passada que ela não está com medo que a guerra está chegando, o mais alto os EUA e Grã-Bretanha declararam sua prontidão para lutar uma.

A mesma construção de histeria de guerra pode ser vista em como os EUA e a OTAN lidaram com anúncios a respeito de supostas descobertas pela “inteligência” dos EUA e ocidental.

Primeiro nós ouvimos que os russos tinham aglomerado 100.000 tropas nas fronteiras com a Ucrânia, e por semanas fotos de satélite das mesmas linhas de tanques cobertos de neve foram alimentados com a mídia ocidental para “verificar” esses relatórios. Uma invasão é “iminente”, nos disseram. Logo alimentar a imprensa com as mesmas velhas fotos não era suficiente.

Quando a invasão não aconteceu, o jornal New York Times disse que tinha uma palavra de fontes no Pentágono que o número de tropas tinha alcançado 175.000 ou mais antes de uma invasão acontecer. Essa informação supostamente veio de fontes da “inteligência” ocidental. Anunciando os planos supostamente “secretos” dos russos de mandar mais tropas antes de qualquer invasão, mas nunca completamente vendo o nível de “175.000 ou mais” sendo verdadeiramente alcançado, havia espaço agora para esticar o tempo da alegada invasão “iminente”.

Várias semanas mais tarde, de novo para aumentar a expectativa de uma invasão iminente que ainda não tinha chegado (nós não estávamos à altura dos 175.000 ainda), nós ouvimos que podíamos esperar um “ataque de bandeira falsa”, através do qual a Rússia simularia um ataque a si própria para justificar uma invasão “iminente”.

Quando, de novo, o ataque de bandeira falsa desencadeando a invasão “iminente” também não aconteceu, uma nova história emergiu – que havia um “plano” para instalar um governo pró-Rússia no poder em Kiev. Esse relatório supostamente foi passado para o Pentágono pela inteligência britânica.

A única vez que um governo “pró-Rússia” assumiu o poder em Kiev, desde a queda da URSS, foi quando o próprio povo ucraniano elegeu tal governo e esse governo, em 2014, depois que ele rejeitou as exigências de austeridade do FMI que deviam ser impostas no povo ucraniano, foi derrubado em um golpe fascista apoiado pelos EUA. No entanto, nenhum governo “pró-Rússia” foi instalado em Kiev desde o anúncio, semanas atrás pelo Ocidente, que a Rússia tinha um enredo tão fantoche.

Agora, uma outra versão da história da bandeira falsa está circulando. “Notícias” chegaram que os EUA tinham adquirido informações de que a Rússia estava planejando simular e filmar um falso ataque pelas forças ucranianas ou em território russo, ou no povo que fala russo no Leste da Ucrânia. De acordo com a Times, seria uma produção digna de Hollywood:

“A intenção foi que o vídeo fosse elaborado, oficiais disseram, com planos para imagens gráficas da simulada, rescaldo de cadáveres de uma explosão e imagens de locais destruídos. Eles disseram que o vídeo também foi montado para incluir falsos equipamentos militares ucranianos, drones de fabricação turca e atores interpretando falantes de russo enlutados”.

Tornando o suposto esquema público, os EUA declararam que esperavam “estragar” os planos do Kremlin. Oficiais dos EUA, é claro, não divulgaram evidências diretas de sua alegação e declinaram dizer o nome da fonte de sua suposta descoberta.

Uma coisa sobre todos esses anúncios provocativos sobre descobertas de inteligência que exige muito pouca inteligência para entender, contudo, é que cada umas dessas assim chamadas revelações é parte de uma estratégia maior de parte do Ocidente.

Infelizmente, essa é exatamente a estratégia que alguém usaria para estimular os russos para executarem uma ação que justificaria impor fortes sanções. Na quarta-feira, o ex-embaixador dos EUA, William Taylor, pediu por tais sanções imediatamente, dizendo que os EUA não deviam esperar por qualquer real invasão. Ele disse que também apoiava Biden mandar tropas agora, ao invés de esperar por qualquer movimento russo.

Mais sinistro a respeito da formação de tropas de Biden, contudo, é o fato de que sua decisão seguiu um discurso de Putin no qual o líder russo, notavelmente, nem repetiu suas demandas prioritárias de que para acabar com a crise os EUA e a OTAN tinham que remover todas as suas tropas das antigas nações membros do Pacto de Varsóvia.

Putin também não repetiu demandas anteriores de que todas as armas nucleares dos EUA fossem removidas da Europa, incluindo e especialmente os mísseis nucleares que os EUA têm na Alemanha. A omissão dessas demandas por Putin deveria ter sido levada como um ponto no qual as negociações podiam proceder, não, como elas foram, como um ponto no qual os EUA escalam as tensões de guerra mais ainda.

Guerra – se alguém quer ou não

Isso tudo pode significar que nós talvez estamos lidando apenas com uma luta de boxe de sombra? A Rússia envia tropas para perto de sua fronteira ocidental e conduz exercícios com Belarus para emprestar peso às demandas de segurança que ela colocou para os EUA, como um compromisso mútuo de não posicionar ogivas nucleares fora de seu próprio território.

Os EUA, enquanto isso, aumentam o medo da Rússia para pressionar objetivos de longa data, como acabar com o gasoduto Nord Stream 2, o qual eles dizem colocaria um risco de segurança aumentando a dependência europeia do gás russo (e o cancelamento do que convenientemente forçaria a Europa a comprar gás em outro lugar – quando os EUA estão tentando aumentar as exportações de gás de xisto fraturado).

A Ucrânia também está ansiosa para parar o Nord Stream 2, uma vez que ela perderia as taxas de trânsito para o gás russo, atualmente canalizado através de seu território. A empresa de energia estatal ucraniana NAFTOGAZ estima perdas de $3 bilhões por ano se o novo gasoduto se torna operacional.

Isso pode explicar porque Zelensky, enquanto minimizando a ameaça de guerra, pediu por sanções no Nord Stream 2, independentemente de a Rússia atacar ou não.

Se isso é verdade, a volta da Ucrânia reflete seu medo de que a situação está ficando fora de controle: uma política inicial de falar sobre a ameaça de descarrilar o gasoduto e ter acesso a armamentos avançados virou uma bola de neve à extensão de que pode realmente começar uma guerra, que seria claramente catastrófica para toda a Europa, mas principalmente para a Ucrânia. Mas se nenhum lado na verdade quer guerra, o que há para temer?

A resposta é que essa postura militar é extremamente arriscada, e significativamente aumenta a chance de um conflito eclodir.

Isso é verdade por todas as razões tradicionais, movimentos lançados como dissuasão por um lado podem ser interpretados como beligerância pelo outro e o Ocidente tem o histórico comprovado de “incitar” a Rússia com implantações aéreas e marítimas ao longo de suas fronteiras. Como o colunista do Guardian, Simon Jenkins, observou poucas semanas atrás, “O convite para Moscou para chamar o blefe é gritante.”

Mais que uma vez na Guerra Fria original, mal-entendidos chegaram perto de desencadear um conflito nuclear, que foi evitado pela coragem e calma dos indivíduos na linha de frente. Poucos no Congresso dos EUA ou no Parlamento Britânico, por exemplo, parecem entender esse risco.

Mas, com a Ucrânia, os riscos são enormemente multiplicados. Isso porque a guerra no Donbass significa que a luta nem precisa “sair” da maneira comum: pode ser dito que ela já está acontecendo.

E a natureza dessa guerra significa que um novo surto pode nem ser sob o controle de Moscou, Kiev ou Washington.

Nazistas no Donbass

Batalhão de Azov

As autogovernadas separatistas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk são apoiadas pela Rússia, mas suas forças não são parte do Exército Russo.

Do outro lado das trincheiras a situação é ainda mais complexa. A mídia ocidental, particularmente na Europa, jorrou sobre os heroicos voluntários que comandam as linhas de batalha para a Ucrânia no Donbass, até executando entrevistas com ex-soldados do Ocidente contratados para lutar pela Ucrânia (isto é, mercenários).

As forças de Kiev na guerra do Donbass não são de forma alguma soldados regulares. Forças de extrema direita eram os soldados de infantaria do golpe Maidan de 2014, que provocou o conflito, e têm sido as linhas de frente desde então.

A mais notória é o Batalhão de Azov, uma unidade neonazista formada de ultras do clube de futebol Metalist Kharkiv, em 2014. Seu fundador, Andriy Biletsky, é um fascista nada sutil, tendo chamado a Ucrânia para liderar uma cruzada das “raças brancas” contra os “untermenschen (Nota: termo nazista para “povos inferiores”) liderados por semitas”.

O Ministro do Interior da Ucrânia autorizou a formação de batalhões paramilitares naquele ano, e o Azov foi um. Outro, o Batalhão de Aidar, formado no mesmo ano, também tinha associações ideológicas de extrema direita.

A essas unidades fascistas é permitido um manto de respeitabilidade pela reabilitação da Ucrânia do colaborador nazista Stepan Bandera e reescrever a história para retratar organizações genocidas como o seu Exército Insurgente Ucraniano, que teve um grande papel no Holocausto, como patriotas antissoviéticos.

O People’s World, nos EUA, o Morning Star, no Reino Unido, e outros jornais às vezes são acusados de exagerar o caráter fascista do golpe de 2014 na Ucrânia e suas consequências, uma vez que o próprio governo de Kiev não é abertamente fascista. Mas a virada da polícia e unidades militares para o controle fascista pelo governo regular ucraniano fala muito sobre o poder dos fascistas na Ucrânia. E o próprio governo atual glorifica reais fascistas como Bandera. Então, é claro, o governo atual é no mínimo culpado de ter o mau gosto de marchas através da capital comemorando regimentos do Waffen SS (Nota: organização militar do Partido Nazista).

No outono de 2014, a Anistia Internacional estava avisando o governo da Ucrânia que ela tinha crimes de guerra documentados, “incluindo sequestros, detenções ilegais, maus tratos, roubo, extorsão e possíveis execuções, cometidas pelo Batalhão de Aidar”, no Donbass.

A mãe de um lutador separatista reportou que a cabeça de seu filho foi mandada para ela pelo correio em uma caixa após sua captura por “paramilitares nacionalistas brancos.” Ainda naquele setembro, o Batalhão de Azov foi formalmente inscrito na Guarda Nacional da Ucrânia.

Entrar nos mercenários

São essas as forças que os “voluntários” ou mercenários ocidentais estão se inscrevendo? Certamente eles tentaram recrutar estrangeiros no passado. A Hope Not Hate avisou, em 2018, que o Batalhão de Azov estava trabalhando com um grupo Britânico chamado Divisão Misantrópica para recrutar ativistas britânicos de extrema direita para viajar para a Ucrânia para lutar.

O líder do Partido Comunista Ucraniano, Petro Symonenko diz que a mercenários estrangeiros é permitido se inscrever como militares ucranianos por rotina, e não são apenas unidades como o Azov que os recrutam.

“Depois do golpe de 2014, a Ucrânia se tornou um reservatório de neonazistas de todo o mundo. No Donbass, há mercenários de muitos países como parte dos batalhões de voluntários,” ele me diz, “incluindo o Reino Unido.”

“Em adição aos nazistas ideológicos, você tem a escória do “safári humano”, que vê a guerra no Donbass como um tipo de entretenimento extremo.”

“Então você tem as empresas militares privadas – lutadores e instrutores do Letera-43 da Itália, Halo Trust, Greystone, ‘Academi’ (conhecida como Blackwater antes de 2009) dos EUA e outros. E há muitos instrutores oficiais de países da OTAN – os EUA, Grã-Bretanha, Canadá e assim por diante.”

Deixando de lado os riscos paras as pessoas de volta em casa de permitir esses mercenários de viajar para zonas de guerra para lutar junto com conhecidos extremistas – nós vimos as potenciais consequências quando um lutador, retornando da guerra apoiada pela OTAN para derrubar Kadafi na Líbia, matou 22 pessoas no ataque terrorista na Arena de Manchester, em 2017 – o quadro é explosivo.

A fronteira militarizada do Donbass na Ucrânia está repleta de soldados profissionais, paramilitares neonazistas, aventureiros felizes no gatilho e “turistas de guerra”, mercenários, “conselheiros” da OTAN, e, graças ao recente susto de guerra, há uma crescente presença direta militar ocidental.

Não precisaria muito para acender essa caixa de fósforos e alguns dos personagens desagradáveis nessa mistura não seriam avessos a fazê-lo.

É por isso que a única abordagem sã para essa crise é não a escalar. Os governos dos países da OTAN devem ser pressionados a retirarem tropas da Ucrânia e pararem de carregar um exército cheio de “voluntários” com armamentos pesados.

As conversas entre a Rússia e a Ucrânia sobre reviver o processo de paz de Minsk tem que ser renascidas, como Putin pediu em Moscou essa semana. Os EUA e a OTAN devem cessar sua perigosa diplomacia arriscada.

Ben Chacko é editor do Morning Star, o jornal diário socialista publicado na Grã-Bretanha.

John Wojcik é editor chefe de People’s World. 

Fonte: People´s World

Tradução Luciana Cristina Ruy

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

  • Rita de Cassia Vianna Gava

    Esses mercenários são preocupantes…não tem moral parâmetro nada…só o prazer de matar é fazer o outro sofrer. Triste pelos soldados russos..s

QUENTINHAS