PUBLICADO EM 02 de dez de 2020
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Plano de vacinação contra a covid-19 prevê imunizar primeiro profissionais da saúde, idosos e indígenas no Brasil

Perfil de vacina desejado pelo Brasil excluiria o imunizante da Pfizer, que exige depósito a menos de 70°C negativos. Capacidade no país é para armazenamento entre 2°C e 8°C

Foto: Reprodução

O plano de vacinação contra a covid-19 no Brasil deverá ter quatro fases e, num primeiro momento, prevê vacinas para pouco mais da metade da população, anunciou o Ministério da Saúde nesta terça-feira. Segundo a pasta, os primeiros a serem vacinados devem ser trabalhadores da saúde, idosos com mais de 75 anos ou pessoas acima de 60 que vivam em asilos e população indígena. Depois, a prioridade será de pessoas entre 60 a 74 anos. O terceiro grupo é o de portadores de comorbidades (doenças renais crônicas e cardiovasculares). A última fase inclui professores, forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e população privada de liberdade.

Um plano final de vacinação contra a covid-19 no Brasil só deverá ser oficialmente apresentado quando houver um medicamento imunizante devidamente registrado pela Anvisa, mas o Ministério da Saúde começou enfim a desenhar a estratégia brasileira. As quatro fases previstas para a campanha preveem 109,5 milhões de pessoas imunizadas em duas doses, o que representa cerca de metade da população brasileira. O cálculo, segundo a pasta, está de acordo com os “esquemas vacinais dos imunizantes já garantidos pelo Ministério da Saúde – Fiocruz/AstraZeneca e por meio da aliança Covax Facility”. O ministério ainda não especificou quais das vacinas promissoras poderão ser incluídas no plano nem se comprará imunizantes que estão fora do consórcio global mencionado, como a Coronavac, já adquirida pelo Governo de São Paulo.

Por enquanto, as autoridades de saúde sinalizam que, para entrarem no plano nacional, as vacinas devem poder ser armazenadas em temperaturas de 2°C a 8°C ―a capacidade dos sistemas de câmaras de frios já existentes no país. Na manhã desta terça-feira, o secretário de Vigilância, Arnaldo Medeiros, definiu o perfil de vacina desejado pelo Governo: um imunizante com elevada eficácia, possível de ser usada em diversas faixas etárias e grupos populacionais, idealmente de dose única e “fundamentalmente termoestável por longos períodos em temperaturas de 2°C a 8°C”. Apesar de nenhum laboratório ter sido citado, a descrição excluiria, por exemplo, o imunizante da Pfeizer, que pediu já registro nos Estados Unidos e na União Europeia, mas que precisa de equipamentos capazes de armazená-las abaixo de -70°C. “Por quê? Porque a nossa rede de frios é montada e estabelecida com uma rede de frios de aproximadamente 2°C e 8°C”, justificou o secretário.

A declaração foi dada no mesmo dia em que se reuniram integrantes da câmara técnica criada em setembro pelo Ministério para discutir um plano preliminar de vacinação. O encontro aconteceu a portas fechadas e durou mais de duas horas. E dele saiu novas informações, repassadas à imprensa apenas por um comunicado, sem margem para questionamentos às autoridades. O planejamento de população vacinada e fases ainda pode sofrer alterações, caso haja novos acordos de aquisição de vacinas com outras farmacêuticas. Neste momento, o Ministério da Saúde também negocia novas aquisições de seringas e agulhas para atender à demanda para vacinação contra o coronavírus.

“Este plano de operacionalização só definitivamente ficará pronto quanto tivermos uma vacina ou mais de uma vacina que esteja registrada na Anvisa”, disse Medeiros, antes da reunião. Por enquanto, ainda paira no país pouca transparência sobre a estratégia nacional de vacinação, empurrada ao centro da disputa política travada pelo presidente Jair Bolsonaro e o governador João Dória. O presidente já rejeitou publicamente a Coronavac, uma vacina promissora adquirida pelo Governo paulista.

O Governo Federal vem sofrendo há meses pressões para indicar mais informações sobre o plano. Na segunda-feira (31), o governador de São Paulo João Dória voltou a pedir que o Ministério de Saúde informe, por exemplo, quais as vacinas que está considerando para o seu plano. Ações neste sentido foram parar no Supremo Tribunal Federal, que deve começar a julgar na sexta-feira (4) várias questões sobre o plano. A corte vai decidir desde o pedido para que o Governo seja obrigado a apresentar seu cronograma para a campanha de vacinação a cada 30 dias à Justiça e ao Congresso para ser fiscalizado. Também será decidido se o Governo deve dizer quais vacinas pretende incluir no seu plano. O ministro Ricardo Lewandowski, que é relator de uma das ações, já declarou que, na iminência de aprovação de várias vacinas, “constitui dever incontornável da União considerar o emprego de todas elas no enfrentamento do surto da covid-19”. Na semana que vem, a Corte também julgará ações sobre a obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus, prevista em lei, mas que não tem a simpatia do presidente.

Alguns países já haviam começado a dividir as populações em grupos e estabelecer uma ordem de vacinação entre eles. No Brasil, o Ministério da Saúde tinha apenas adiantado que o objetivo da vacinação no país será contribuir para a redução da mortalidade e da mortalidade pela covid-19, bem como o controle de transmissão da doença.

O Plano Nacional de Imunizações do Brasil é referência mundial na vacinação. O país possui um exército de 114.000 pessoas aptas a aplicar vacinas distribuídas em 38.000 salas de vacinação, segundo o Ministério da Saúde. Mas as poucas informações publicizadas até agora e a guerra ideológica protagonizada pelo presidente Bolsonaro sobre a corrida por uma vacina já vinham preocupando especialistas. O receio de que a população futuramente rejeite a vacina do laboratório chinês Sinovac, adquirida por São Paulo, levou o Governo estadual a iniciar nesta terça (1º) uma campanha de TV para promover o Instituto Butantan, que atua no desenvolvimento do imunizante.

Ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda, defende a necessidade de dar mais transparência à construção do futuro plano de vacinação, tanto para ampliar o debate sobre as estratégias com a sociedade quanto para começar um processo de comunicação à população e evitar que usuários se aglomerem em postos e pressionem pela vacina quando não haverá disponibilidade para todos em um primeiro momento. Croda não vê problemas que o plano seja ajustado nas próximas semanas e que uma versão final seja apresentada oficialmente apenas após o registro das vacinas. “Se não comunica, poderá haver pressões internas e individuais da população querendo se vacinar de qualquer jeito. Esta é uma doença que todos temem, que já matou bastante gente.”

Uma questão sensível que ainda permeia as decisões sobre a estratégia nacional é quais vacinas são consideradas para serem incluídas na distribuição nacional. Vacinas da Moderna e da Pfizer já pediram registro nos Estados Unidos e podem tê-lo aprovado já em algumas semanas. Não há boa perspectiva para o Brasil adotá-las pelas dificuldades de logística que exigem e também pela ausência até agora de acordos de reserva de compra. O Brasil já tem um acordo para a transferência de tecnologia da vacina da AstraZeneca e participa de um consórcio global para ter prioridade na aquisição de outras nove vacinas, o Covax Facility. Alguns Estados já realizaram seus próprios acordos de aquisição de vacinas, como por exemplo São Paulo com a Coronavac e a Bahia com a Sputinik V.

“Se a vacina tiver à disposição do Estado de São Paulo antes do Governo Federal, como vai acontecer isso? A vacina do Butantan vai ter seus resultados parciais em breve. Se forem positivos, pode pedir o registro. Sem um plano nacional, São Paulo fará o seu próprio?”, questiona Croda. Por enquanto, o Governo de São Paulo não diz se trabalha com um plano próprio ou se esperará as diretrizes do Governo Federal. Afirma apenas que trabalha nas estratégias de vacinação e que elas serão divulgadas no momento oportuno. Mas o Governo do Piauí já anunciou nesta terça-feira que tem um plano estadual. O receio é que a falta de coordenação nacional que já prejudicou o enfrentamento da pandemia se estenda à estratégia de vacinação. “Sem coordenação, pode gerar muito tumulto na busca pela vacina e dessa forma faltar vacina pra quem precisa”, alerta Croda.

Fonte: El Pais Brasil

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