Viola Enluarada
Marcos Valle/Paulo Sergio Valle/1967
Intérprete: Marcos Valle (Participação especial de Milton Nascimento)
A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra,
Mata o mundo, fere a terra.
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino,
Louva à morte.
Viola em noite enluarada
No sertão é como espada,
Esperança de vingança.
O mesmo pé que dança um samba
Se preciso vai à luta,
Capoeira.
Quem tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira,
Prá defendê-la se levanta
E grita: Eu vou!
Mão, violão, canção e espada
E viola enluarada
Pelo campo e cidade,
Porta bandeira, capoeira,
Desfilando vão cantando
Liberdade.
Quem tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira,
Prá defendê-la se levanta
E grita: Eu vou!
Porta bandeira, capoeira,
Desfilando vão cantando
Liberdade.
Liberdade, liberdade, liberdade
Fonte: https://memoriasindical.com.br/
Jose Cerqueira
Vejo nessa na letra dessa música uma clara influência do poema “Aos Estudantes Voluntários”, de Castro Alves, conforme trecho transcrito abaixo”:
“(…)Assim sois vós!… Nem se pense
Que o livro enfraquece a mão.
Troca-se a pena com o sabre,
Ontem — Numa… Hoje — Catão…
É o mesmo… Se a pena é espada
Por mão de Homero vibrada,
Com o gládio — epopéia ousada
Traça mundos — Napoleão…
Que importa os raios trovejem
Nas florestas do existir
Parti, pois! Homens do livro!
Podeis ousados partir!”.
Dalton de Barros Santos
Manias de Gado da imprensa.
Quem viveu na época em que tal música foi composta, sabe muito bem que ela nasceu num programa ao vivo, do Blota Jr. (TV Record-São Paulo); em que sorteava palavras e as entregava para os compositores convidados se recolherem por um certo tempo e comporem algum fragmento musical que contivesse a palavra sorteada.
Foi o que aconteceu com os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle naquela ocasião. Confesso não lembrar da palavra sorteada para eles, mas lembro bem que o fragmento musical, posteriormente complementado por uma letra mais longa, que o transformaria em canção gravada, mas lembro muito bem que o trecho original era idêntico ao da primeira parte da posterior canção:
A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra,
Mata o mundo, fere a terra.
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino,
Louva à morte.
Viola em noite enluarada
No sertão é como espada,
Esperança de vingança.
O mesmo pé que dança um samba
Se preciso vai à luta,
Capoeira.
Em 1967, os artistas viviam encurralados entre duas filosofias opostas. Uma, nacionalista obrigatória, vinda do governo militar; e outra, do comércio das gravadoras e da imprensa, tentando confrontar os militares com um anti-nacionalismo, cujo apelido é socialismo até hoje; pouco importando os fundamentos de ambos.
Os artistas já haviam percebido o beco social que os encurralava: Queriam compor e cantar suas músicas livremente (Liberdade), mas eram pressionados pelos dois lados engajantes que os reprimiam nas coisas que escreviam. Chico Buarque até escreveu uma peça teatral, Roda Viva, denunciando esse outro lado da moeda que os assolava, mesmo porque todos os artistas já não conseguiam dormir sossegados depois do Vandré dizer, no ano anterior, coisas como esta:
E no sonho que fui sonhando
As visões se clareando
Até que um dia acordei
Então não pude seguir
Valente, lugar-tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, berra, engorda e mata
Mas com gente é diferente.
A maioria dos compositores, daquela época de ouro da MPB, seguiram carreira, fizeram sucesso e, hoje, se exibem em shows cujos preços de ingresso são inaccessíveis aos bolsos do mesmo povo que os consagrou. Estão tranquilos, assessorados por multinacionais estrangeiras das gravadoras, que guardam seus dividendos, conseguidos por aqui, seguramente em bancos do exterior.
Como Marcos e Paulo Sérgio Valle queriam apenas continuar compondo músicas populares em liberdade dos dois lados, acabaram indo ganhar dinheiro com propagandas comerciais, para não se sujeitarem àquela pressão artificial “ideológica” da imprensa. A exemplo de Vandré, sumiram do cenário da MPB, mas com a firme convicção dos versos seguintes aos que Vandré apresentou acima:
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar…
U]Com uma Viola Enluarada, diga-se de passagem.