PUBLICADO EM 23 de ago de 2019
COMPARTILHAR COM:

Qual reforma sindical queremos?

Talvez a unicidade sindical não mais atenda as exigências de um contemporâneo mercado de trabalho em profunda transformação. A atual forma de representação sindical não consegue abranger com qualidade as novas formas de contratação

Certamente não há uma fórmula mágica ou uma reforma ideal, mas podemos e devemos discutir quais devem ser os princípios norteadores da representação trabalhista. Apesar do amplo debate acumulado pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT), perdemos a oportunidade de avançar na reforma sindical durante um governo progressista de frente popular. Infelizmente, na ocasião do FNT, o debate e resultado final se resumiram na manutenção do imposto sindical, incluído as Centrais Sindicais com seu positivo reconhecimento. Agora nos vemos obrigados a construir uma reforma sindical em um governo de direita e ultraliberal, que declaradamente abomina sindicatos.

Talvez a unicidade sindical não mais atenda as exigências de um contemporâneo mercado de trabalho em profunda transformação. A atual forma de representação sindical não consegue abranger com qualidade as novas formas de contratação, tais como, teletrabalhadores, intermitentes, terceirizados, temporários, tempo parcial, “pejotizados”, “uberizados”, dentre outros. Entretanto, estas mutações – em regra precarizantes – suscitam também questões sobre o futuro da estrutura sindical brasileira. Uma nova ordem nas relações de trabalho parece impor um novo modelo de organização sindical e de sistema negocial.

Por um lado, a liberdade sindical pressupõe a existência de organizações trabalhistas e patronais livres do reconhecimento e da tutela estatal. Por outro lado, a liberdade sindical requer regras e critérios que prezem pela representatividade e exclusividade. Portanto, deveria competir aos próprios interessados, através de um órgão autônomo, bipartite e paritário, a definição dos critérios de representação, as regras gerais de democracia e transparência sindical, as fontes de custeio, dentre outras questões. Se historicamente buscamos a liberdade sindical, que ela seja ampla nos novos tempos que se avizinham.

A liberdade sindical com regras e critérios poderia assim conceber a existência de mais de um sindicato representando determinado conjunto de trabalhadores, mas poderia também, na ausência de múltiplas entidades, autorizar o sindicato existente respaldado pela categoria a estabelecer negociações coletivas custeadas por todos os beneficiários. Chegamos então a um ponto delicado. O que seria um sindicato representativo? Um determinado percentual de sindicalização caracterizaria de fato tal representatividade? Deveria a sindicalização ser um critério único? As conquistas e os direitos já convencionados não seriam outro importante critério de representatividade?

A taxa de sindicalização média no Brasil foi de 14,4% em 2017, variando substancialmente conforme o setor de atividade econômica considerado. A rotina de trabalho na indústria favorece a sindicalização, enquanto a pulverização dos postos de trabalho no comércio a dificultam. Contudo, observando os índices de outros países do mundo, notamos que a taxa de sindicalização caiu significativamente durante as últimas décadas. Em 2016, a sindicalização na Alemanha, onde rege a pluralidade sindical, chegou a 17%, na Holanda e no Japão esta taxa foi de 17,3%. Mesmo os países nórdicos que possuem historicamente altas taxas de sindicalização, em grande parte decorrente do grau de formalização do mercado de trabalho, apresentaram quedas superiores a 10 pontos percentuais.

Neste contexto, cabe o questionamento: por que no Brasil seria diferente? Qual mágica teríamos para sindicalizar tanto? A definição de níveis de sindicalização determinando o “grau de representatividade” das entidades sindicais desconsidera o cenário mundial e a realidade do mercado de trabalho brasileiro – profundamente marcado pela rotatividade de mão de obra. Precisamos encontrar critérios que caracterizem a representatividade para além das taxas de sindicalização, como por exemplo, os direitos e as conquistas convencionadas pelas respectivas categorias. Portanto, o mencionado órgão autônomo, bipartite e paritário, livre da influência estatal, teria de regulamentar os critérios de representação com base na realidade brasileira, bem como considerar um projeto de transição para os sindicatos atuantes e combativos já existentes.

Além disso, baseado nos princípios fundamentais de justiça e razoabilidade, faz-se fundamental que o custeio sindical alcance todos os trabalhadores beneficiados pelos acordos. O discurso de que o movimento sindical deva representar somente seus associados é uma armadilha! Verdadeiro tiro no pé. Se considerarmos simultaneamente os baixos índices de sindicalização mundial, a ausência de mecanismos efetivos para combate às práticas antissindicais e as especulações retrógradas de instalação do “sindicato por empresa”, a representação limitada aos filiados poderá significar o começo do fim da luta sindical no Brasil.

Fato é que novos tempos chegaram e mudanças estão ocorrendo em diversos setores e instituições, o movimento sindical precisa se adaptar ao novo mundo pós-indústria 4.0 para que consiga representar os trabalhadores de forma a corresponder às necessidades que o momento apresenta. Independente de uma reforma sindical, devemos adotar como estratégia de curto prazo a organização dos representantes sindicais nas empresas, potencializando suas atuações, solucionando conflitos e realizando negociações locais junto ao sindicato. Trata-se de compartilhar responsabilidades e “dividir poderes”, ou melhor dizendo, significa empoderar lideranças para enfrentar os novos desafios postos à classe trabalhadora.

Sergio Luiz Leite, Serginho é Presidente da FEQUIMFAR e 1º secretário da Força Sindical

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

QUENTINHAS