PUBLICADO EM 24 de set de 2020
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Volks reconhece colaboração com a ditadura e ex-trabalhadores perseguidos serão reparados

“Esse acordo vira referência. Vamos cobrar outras empresas, não foi só a Volks, o Golpe de 64 foi dado em conluio com o setor patronal”

Foto: Adonis Guerra

Em atividade histórica realizada ontem na Sede, ex-trabalhadores na Volks e representantes legais tomaram conhecimento dos detalhes do acordo inédito assinado pela montadora que assumiu o compromisso de destinar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores da empresa presos, perseguidos ou torturados durante o regime militar (1964-1985) e a iniciativas de promoção de direitos humanos.

O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) foi firmado entre a Volks e os Ministérios Públicos Federal (MPF), do Estado de São Paulo (MPSP) e do Trabalho (MPT). O acordo encerra três inquéritos que tramitam desde 2015. O processo se originou a partir de pedido feito por várias entidades, centrais sindicais, IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas) e a Comissão Nacional da Verdade.

Ao longo das apurações, os Ministérios Públicos identificaram a colaboração da Volks com o aparato repressivo do governo militar a partir de milhares de documentos reunidos, informações de testemunhas e relatórios de pesquisadores, um contratado pelo MPF e outro pela própria empresa.

“Esse é um dia histórico para a classe trabalhadora. É o maior acordo que ajudei a produzir, ele tem um significado político muito grande. Era preciso fazer com que aqueles que contribuíram para esse momento tão ruim da nossa história reconhecessem o papel perverso que tiveram contra a democracia. Essa vitória é consequência da luta de cada um de vocês”, comemorou o presidente do Sindicato Wagner Santana, o Wagnão.

Wagnão lembrou que em duas ocasiões a Volks desistiu do acordo e que nesses momentos a intervenção do Sindicato foi fundamental e ressaltou que o acordo vira referência para outras empresas.

“Através do Comitê Mundial de Trabalhadores na Volks conseguimos reverter as decisões negativas da empresa. Entendemos que a reparação tem que ser a mais justa possível, não dá pra botar preço nisso, mas é uma reparação necessária para que se construam pontes e condições para que companheiros em outras empresas possam ter a mesma conquista. Esse acordo vira referência, vamos cobrar outras empresas, não foi só a Volks, o Golpe de 64 foi dado em conluio com o setor patronal”.

Acordo de Memória e Justiça

O presidente da Associação Heinrich Plagge, que reúne ex-trabalhadores perseguidos na montadora, Tarcísio Tadeu Garcia Pereira destacou que o acordo vai muito além da questão econômica.

Foto: Adonis Guerra

“A importância maior disso é que estamos vivendo um mundo de trevas no Brasil, num momento tão grave, termos um acordo desses, é muito mais do que um acordo econômico, muito mais que um acordo de indenização e reparação individual é um acordo de memória de justiça”.

“É um grande acordo, não só pra categoria metalúrgica do ABC, mas para o Brasil inteiro, porque acima de tudo dá a demonstração clara para aqueles que vivem dizendo que a ditadura civil militar não existiu, fica muito bem provado que essas coisas aconteceram”, afirmou o tesoureiro da Associação, Vilmo Oliver Franchi.

Homenagens

Durante a atividade, houve assinatura de um TAC que servirá como documento histórico e contará com assinaturas de diversos nomes envolvidos neste processo. Em memória de um dos personagens mais atuantes dessa luta, Lúcio Bellentani, trabalhador preso na fábrica em 1972, que faleceu antes de ver o processo concluído, seu neto de 10 anos, Gustavo Bellentani, assinou o documento.

“O Lúcio sempre acreditou na vitória, ele sabia, porque as provas eram muitas e a Volks também sabia disso. Se o Lúcio estivesse aqui, ia fazer um escarcéu, ia até a Alemanha para mostrar pra eles que ele não pode entrar num país no qual o governo está oprimindo o povo e ganhar dinheiro em cima disso. O Gustavo tem a preocupação que o vô tenha orgulho dele, eles eram muito grudados”, afirmou a esposa de Lúcio, Maria Sérgia de Almeida Bellentani.

Destinação dos recursos

Do montante total, R$ 16,8 milhões serão pagos à Associação Henrich Plagge e repartidos entre os ex-trabalhadores, seguindo critérios definidos por um árbitro independente e sob a supervisão do MPT. Outros R$ 10,5 milhões “reforçarão políticas de Justiça de Transição”. Mais R$ 4,5 milhões serão destinados à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) para financiar pesquisas sobre a colaboração de empresas com a ditadura e continuidade da identificação de ossadas em uma vala clandestina no Cemitério de Perus. Está previsto ainda o pagamento de R$ 9 milhões aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos.

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