PUBLICADO EM 03 de jun de 2020
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Relaxar o isolamento social neste momento pode custar ainda mais vidas

Contra orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), vários governadores flexibilizam a quarentena para satisfazer exigências do mercado, com pressa para reabrir seus negócios e obter lucros.

Enterro de mortos pelo coronavírus em Manaus, abril de 2020. REUTERS/Bruno Kelly

Por Marcos Aurélio Ruy

“É lamentável a retomada das atividades sem antes termos um controle maior da pandemia”, afirma Luciene de Aguiar Dias, enfermeira e doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz.

Além do número de contágios continuar crescente, falta “testagem em massa da população e ainda não conseguimos monitorar as rotas de transmissão desse vírus”, acentua. O Brasil chegou a 31.309 óbitos e 558.237 casos registrados até a segunda-feira (2).

“O grande número de desempregados (cerca de 13 milhões) não serve como argumento para a flexibilização porque a crise e o desemprego já vinham numa onda crescente antes da pandemia”, alega Francisca Pereira da Rocha Seixas, secretária de Saúde da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE).

“Precisamos de políticas públicas para dar condições de isolamento total para superarmos a grave crise sanitária o quanto antes” e para isso, “somente tirando Jair Bolsonaro da Presidência”.

Um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo prevê um aumento de 150% de pessoas infectadas pela Covid-19, com a redução do isolamento social por muitos estados e município, informa Domingo Alves, do portal Covid-19 Brasil, ao jornal Extra, do Rio de Janeiro.

O estudo se baseia nos resultados apresentados em Milão, na Itália, em fevereiro, causando uma explosão de casos de Covid-19 no país europeu, após o afrouxamento da quarentena. Assim como Blumenau, em Santa Catarina, viu o número de infectados crescer 160% ao flexibilizar o isolamento.

Pelo estudo, em São Paulo, se o percentual de distanciamento social, hoje em torno de 50%, cair para 25%, haverá dentro de dez dias mais 11 mil casos excedentes e 56 mil internações. É o caos para o SUS.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aponta que o continente americano já registra quase 3 milhões de casos da Covid-19, e as curvas de contágios seguem aumentando. Por isso, “relaxar o isolamento social num momento em que a curva de contaminação está crescente é mais que um absurdo, é um crime”, diz Francisca.

O Brasil é o segundo país em número de casos, atrás apenas dos Estados Unidos, e o quarto em mortes, só perde para os EUA, Reino Unido e Itália. Especialistas, no entanto, apontam para uma grande subnotificação causada pela falta de testes. O número de infectados pode ser 16 vezes maior do que o notificado.

Inclusive os três estados com maior número de contaminados e de óbitos por Covid-19 adotaram medidas de relaxamento da quarentena, por pressão do empresariado. São Paulo lidera o número de casos e de óbitos (111.296 casos e 7.667 mortos), seguido por Rio de Janeiro (54.530 casos e 5.426 mortos) e Ceará (50.504 casos e 3.188 mortos). Os três estados adotaram medidas de relaxamento da quarentena no início de junho.

Ronald Ferreira dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), também é contrário à flexibilização. “Vivemos num país com uma das maiores concentrações de renda do mundo e estão relaxando o isolamento quando a pandemia se estende aos bairros mais pobres”, afirma.

Ele chama atenção para a criação a Frente pela Vida, com a participação de inúmeras entidades da sociedade civil, para defender a “democracia, a ciência e o Sistema Único de Saúde (SUS)”. O primeiro ato nacional da frente ocorre na terça-feira (9).

Luciene teme pelos profissionais de serviços essenciais como as trabalhadoras e trabalhadores em saúde, porque “com mais pessoas nas ruas, no transporte público, em locais fechados, o risco de contaminação certamente cresce e nós que estamos na linha de frente e mal equipados corremos riscos ainda maiores”.

Estudo revela que o Brasil é o país com maior número de mortes de enfermeiras e enfermeiros por Covid-19. Levantamento feito pela ONG Internacional de Serviços Públicos (ISP-Brasil) mostra que 64% dos profissionais de saúde informaram não possuir Equipamento de Proteção Individual (EPI) suficiente em seu local de trabalho e 11% afirmaram não contar com nenhum equipamento de proteção.

A representante da ISP-Brasil, Denise Mota Dau assegura ter recebido “muitos relatos de pessoas que estão utilizando máscaras, luvas, aventais, porque não estão recebendo EPIs suficientes. Portanto, não estão fazendo a troca higienizada como recomendam os organismos mundiais de saúde”.

Para Alves, “o relaxamento social só tem motivação política. Não existe ciência nisso. Os estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas terão um massacre”.  Ronald lembra que o Brasil é o único país onde após dois meses de ter aparecido a primeira vítima, o contágio continua em crescimento. “Isso se deve às dificuldades de isolamento nas áreas mais carentes, além de ser o país com maior número de contágios no momento”.

A OMS orienta a possibilidade de flexibilização do isolamento social quando a taxa de reprodução da doença seja inferior a 1. Quando foi anunciado o Plano São Paulo, na capital o índice era 1, segundo o prefeito Bruno Covas (PSDB). No estado o nível de contágio no estado estava em 1,3 e n o interior 1,7. Em todos os casos com curva ascendente na periferia.

“Sem o apoio da Presidência e com estados e municípios pressionados pela iniciativa privada para reabrir mesmo sem leitos, o que vai acontecer é um massacre. Quem está morrendo? Pretos e pobres”, afirma Júlio Croda, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Isso porque “o vírus circula mais intensamente (nas regiões mais pobres), já que a população de baixa renda não consegue cumprir o distanciamento social. Nas classes altas, o vírus circula menos e há mais leitos no setor privado. Em compensação, nas classes pobres, há mais circulação e faltam leitos”, assinala.

O Rio de Janeiro também adotou a flexibilização mesmo com baixíssima testagem e o prefeito da capital fluminense, Marcelo Crivella (Republicanos) passou a contar apenas os sepultamentos cujos atestados de óbito deixam claro que o coronavírus foi a causa da morte com isso a cidade apresenta queda na contaminação, mas essa metodologia é questionada por cientistas por esconder a real situação.

“É um grande erro, um verdadeiro crime relaxar a quarentena quando o índice de contágio ainda está fora de controle”, sinaliza Elgiane Lago, secretária de Saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Principalmente quando “a doença avança nas camadas mais vulneráveis da população. A defesa da vida deve estar em primeiro lugar, porque essa flexibilização pode significar uma explosão de casos, principalmente nas áreas mais pobres das cidades e do campo”, reforça Elgiane. “Precisamos exigir mais investimentos no SUS, na educação pública e melhorar as relações de trabalho com criação de empregos”.

Levantamento do G1 mostra um quadro preocupante sob re a ocupação de leitos do SUS, por estado. Apenas Roraima não divulgou o número de leitos disponíveis:

Acre – 78,2% em todo o estado em 1º/6

Alagoas – 78% em todo o estado 1º/6

Amapá – 97,98% em todo o estado em 1º/6

Amazonas – 71% em todo o estado em 31/5

Bahia – 68% em todo o estado em 1º/6

Ceará – 89% em todo o estado em 17/5

Distrito Federal – 69,5% na rede privada e 42,24% na rede pública em 29/5

Espírito Santo – 77,55% em todo o estado em 25/5

Goiás – 66,15% dos leitos de gestão estadual, em todo o estado em 1º/6

Maranhão – 97,5% na Grande São Luís, 84,4% no interior e 90% em Imperatriz em 1°/6

Mato Grosso – 14,6% em todo o estado em 27/5

Mato Grosso do Sul – 2,8% em todo o estado em 1°/6

Minas Gerais – 70% em todo o estado em 1º/6

Pará – 84,36% em todo o estado em 27/5

Paraíba – 73% em todo o estado em 1º/6

Paraná – 44% em todo o estado em 29/5

Pernambuco – 98% em todo o estado em 28/5

Piauí – 61% em todo o estado em 24/5

Rio de Janeiro – 86% em todo o estado em 24/5

Rio Grande do Norte – 93% em 1º/6

Rio Grande do Sul – 72% em todo o estado em 29/5

Rondônia – 62% em todo o estado em 25/5

Santa Catarina – 59,1% do sistema público em todo o estado em 29/5

São Paulo – 69,3% em todo o estado em 1º/6

Sergipe – 89,6% do sistema público em todo o estado em 29/5

Tocantins – 50% dos leitos ocupados em 25/5

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