PUBLICADO EM 30 de ago de 2021
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Livro: Trabalhadoras de lavanderias americanas finalmente reconhecidas como organizadoras e líderes

“A Matter of Moral Justice, Black Women Laundry Workers and the Fight for Justice”, de Jenny Carson, é um importante novo livro. Embora ele ainda não tenha tradução para o português, conta a história de trabalhadoras de lavanderias e sua luta de 108 anos por justiça, de 1912 a 2020. Seria importante em qualquer época, mas a publicação em 2021, outro ano de pandemia em andamento que continua a redefinir o conceito de “trabalhadores essenciais”, faz esse livro especialmente relevante. Os trabalhadores de lavanderias são trabalhadores essenciais; hospitais e hotéis não poderiam operar sem eles.

Greve do Sindicato dos Trabalhadores em Lavanderias. A foto está na capa de ‘A Matter of Moral Justice’ de Jenny Carson. Foto: People´s World

Por Beatrice Lumpkin

O direito de organização foi essencial para trabalhadores de lavanderias sindicalizados pela primeira vez em 1937. Esse direito foi garantido pela Lei Wagner, que passou dois anos antes, em 1935. Em 2021, o direito de organização é novamente uma questão essencial para os trabalhadores e para a AFL-CIO, o principal órgão sindical do País. Eles estão reivindicando que o Congresso passe a Lei PRO – a lei que protege o direito de se organizar. Enquanto apenas 11% da força de trabalho dos EUA pertence a sindicatos, pesquisas mostraram que 65% entrariam em um sindicato se tivessem a chance. Há lições em “Moral Justice” para o próximo grande esforço de organização que a AFL-CIO com certeza vai lançar assim que a Lei PRO passe.

Essa resenhista tem uma razão pessoal para dar boas-vindas ao livro de Carson. Em 1937, eu estava no time de organizadores da CIO, trabalhando com trabalhadores de lavanderias. Então, eu trabalhei em lavanderias até 1941.

Antes de “Moral Justice” ser publicado, pouco foi escrito sobre trabalhadores de lavanderias. Carson faz um bom trabalho expondo a extrema exploração dos trabalhadores das lavanderias por seus empregadores, com baixos salários, trabalho físico pesado, más condições de trabalho, racismo e desigualdade de gênero, tudo definindo a indústria. Mulheres negras e outras mulheres de cor são a maioria dos trabalhadores de lavanderias pelos últimos 100 anos. Então é apropriado que “Moral Justice” centre na luta pela igualdade para mulheres e para mulheres negras no trabalho e por total representação como líderes do sindicato.

Cobrindo as lutas dos trabalhadores de lavanderias através das histórias de duas mulheres negras líderes, Carson escolheu sujeitos inspiradores. Dolly Robinson cresceu na Carolina do Norte, se mudou para a cidade de Nova York aos 13 anos e se tornou uma trabalhadora de lavanderia e ativista sindical aos 15 anos. Apesar dos dias difíceis de trabalho na lavanderia, Robinson continuou a estudar à noite. Aos 24 anos, ela foi nomeada para o Departamento de Educação da Junta de Trabalhadores de Lavanderia (LWJB, na sigla em inglês), se tornando diretora com 26 anos.

Charlotte Adelmond cresceu em Trinidad, então parte das Índias Ocidentais Britânicas. Em 1924, ela se juntou a sua irmã no Harlem e achou trabalho em uma lavanderia. O movimento Garveyite estava naquela época forte no Harlem, e Adelmond se juntou, comovida pela mensagem militante Nacionalista Negra. Logo, ela se acomodou em Brownsville, Brooklyn, e de novo achou trabalho em uma lavanderia. Ela era uma destemida defensora dos direitos dos trabalhadores e uma voz forte por direitos iguais para as mulheres, assim como uma lutadora contra o racismo. Depois que os recém organizados trabalhadores das lavanderias da CIO foram assumidos pelo Trabalhadores de Roupas Amalgamadas da América (ACWA, na sigla em inglês), Adelmond foi eleita agente de negócios do Local 327. Ela foi reeleita de novo e de novo, um tributo a sua liderança efetiva.

Adelmond e Robinson estavam no coração do que Carson descreve como “o extraordinário ativismo de um grupo de trabalhadores que, em face de desigualdades incríveis, tentou construir um sindicato democrático, comprometido com justiça racial, dignidade econômica e igualdade de gênero.”

Carson começa a história com um olhar na greve de 1912 de trabalhadores de lavanderias internos. Desde os primeiros dias da indústria de lavanderia elétrica, os proprietários tinham estabelecido barreiras racistas e baseadas em gênero para os empregos mais bem pagos. Os motoristas que pegavam a lavagem suja e entregavam os lençóis e roupas lavados e limpos eram os que recebiam os salários mais altos. No início do século XX, a AFL organizava cada negócio separadamente. Em 1912, eram os trabalhadores de lavanderias internos que lavavam, passavam e empacotavam estavam organizados em Locais da AFL que eram separados dos motoristas da lavanderia e engenheiros. As mulheres negras eram a maioria entre os trabalhadores internos.

A greve dos trabalhadores de lavanderias internos em 1912 é chamada de uma “revolta” por Carson. Ela explica que ela foi parte da mesma explosão exigindo “Pão e Rosas” que formou os sindicatos de agulhas. As grevistas das lavanderias ganharam o apoio da Liga Sindical Feminina (WTUL, na sigla em inglês), uma organização de classes média e alta que era bem financiada. Em uma data mais tarde, a WTUL também apoiou a luta de Aldemond e Robinson por liderança negra e igualdade feminina. Contudo, a greve das lavanderias de 1912 foi perdida, principalmente porque os motoristas continuaram a trabalhar.

A necessidade de unir todos os negócios dentro de uma fábrica no mesmo sindicato foi uma lição aprendida por aqueles que formaram o CIO, em 1935. Essa estratégia foi chamada de “sindicalismo industrial”.

“Organização Comunista de Lavanderia” é o título do capítulo 5 do livro de Carson. Começando no Bronx, uma equipe de 30 organizadores do CIO filiou dezenas de milhares de trabalhadores de lavanderias no Sindicato de Trabalhadores de Lavanderia Industrial-CIO. Como uma das organizadoras, eu me lembro do número em 20.000 e que metade dos organizadores eram comunistas.

Como apoiadores do sindicalismo industrial, membros do Partido Comunista tinham mais cedo assumido a liderança para organizar um Sindicato de Trabalhadores de Lavanderia Industrial. De certa forma, isso deu a eles uma vantagem quando o CIO começou seu movimento de organização entre trabalhadores de lavanderias em 1937. Mas, do lado da empresa, os proprietários não queriam negociar contratos com um sindicato de trabalhadores de lavanderias lutador.

Nesta altura, a liderança toda branca do sindicato de trabalhadores do vestuário ACWA usou sua influência com o CIO nacional para “assumir” o recém organizado sindicato de trabalhadores de lavanderias e seus 20.000 membros. Logo, a cultura democrática do Sindicato de Trabalhadores de Lavanderia Industrial – uma cultura que empoderava a adesão – foi substituída por tomada de decisões de cima para baixo por oficiais do ACWA. Naturalmente, os trabalhadores lutaram de volta para defender a democracia sindical, mas eles não eram unidos.

Outro obstáculo era o fato de que o País inteiro estava nas garras de uma histeria anticomunista, em 1939. Ataques anticomunistas não acabaram até que o bombardeio japonês de Pearl Harbor forçou os EUA se aliarem a União Soviética na Segunda Guerra Mundial. Na atmosfera envenenada daqueles dias pré-Pearl Harbor, os oficiais e agentes de negócios do Local 328 foram colocados em julgamento – incluindo eu.

A acusação contra nós não dizia nada sobre o nosso trabalho no sindicato. A única “acusação” era que nós éramos comunistas. Alguns de nós eram, e outros, não; isso era uma questão falsa. Nós tínhamos sido eleitos porque nós lutávamos pelos direitos dos trabalhadores de lavandarias. Todos nós fomos considerados “culpados” pelos dois juízes, oficiais nacionais principais do ACWA. Nós fomos então expulsos do sindicato e nosso Local foi colocado em liquidação.

Enquanto isso, outra luta por democracia em sindicato de lavanderia estava acontecendo em outro lugar no sindicato, liderada por Charlotte Adelmond, agente de negócios do Local 327. O gerente nomeado pelo ACWA começou a nomear os oficiais locais, ao invés de permitir que os locais das lavanderias continuassem a elege-los. Frequentemente, oficiais negros eleitos eram substituídos por nomeados brancos. Em 1941, Adelmond acusou publicamente o gerente de racismo e foi punida com três meses de suspensão como agente de negócios. Ela ganhou seu emprego de volta, graças ao apoio de seus membros e amigos de influência.

Ambas Adelmond e Robinson continuaram a luta por representação negra e os direitos das mulheres até 1950. Então, ambas foram forçadas a sair do sindicato, acabando com os muitos anos de Aldemond lutando pelos trabalhadores de lavanderias. Felizmente, Robinson tinha continuado seus estudos, conquistando um diploma de advogada. Em 1956, ela se tornou a Comissária do Trabalho do Estado de Nova York. Ambas as mulheres ajudaram a estabelecer as bases para o renovado aumento dos direitos civis na década de 1960 e até a data.

Carson claramente expõe a contradição entre as declarações públicas e a prática da liderança social democrata da liderança do ACWA, agora renomeado Trabalhadores Unidos. Depois de 1937, eles controlaram a Junta de Diretoria de Trabalhadores de Lavanderias, seu afiliado. Em público, esses líderes sindicais, todos brancos, falavam contra o racismo e em defesa dos direitos das mulheres. Mas, na prática, eles ativamente evitavam líderes negros qualificados de subir ao topo do sindicato de trabalhadores de lavanderias, cujos membros eram majoritariamente negros e mulheres. Sem liderança representativa, sem empoderar os membros do sindicato, o sindicato não tinha a força necessária para parar a extrema exploração dos trabalhadores de lavanderia nas mãos da associação dos proprietários de lavanderias.

No capítulo 5 de Carson, ela apresentou o trabalho de Jessie Taft Smith em desenvolver a luta contra o racismo e gentilmente inclui meu trabalho também. Taft Smith tinha sido minha mentora no Sindicato de Trabalhadores de Lavanderia Industrial da CIO. Carson a cita através do livro por causa do conhecimento de Taft Smith da indústria de lavanderia e sindicato. Também, Taft Smith viveu até os 100 e estava disponível para entrevistas.

“Moral Justice” menciona, mas não explica, a campanha comunista contra remanescentes de racismo dentro do próprio Partido Comunista. Essa campanha educou membros brancos, assim como negros. Mark Naison, em seu “Communists in Harlem During the Depression”, resume isso bem: O drama do julgamento de Yokinen [August Yokinen, um membro do Partido Comunista acusado de fazer observações racialmente depreciativas] havia impressionado comunistas brancos, em termos inequívocos, que era o seu dever como comunistas ‘marchar na frente da luta pelos direitos dos negros.’”

A prioridade do Partido Comunista na luta por igualdade dos negros exerceu um papel principal em desenvolver o movimento dos direitos civis das décadas de 1930 e 1940. Esse movimento se centrou em torno da luta para salvar as vidas de Angelo Herndon e Scottsboro Nine. O livro de Carson mostra que os trabalhadores de lavanderias estavam profundamente envolvidos em todas aquelas lutas que pavimentaram o caminho para o movimento Black Lives Matter de hoje.

Eu acredito que as tentativas de construir um sindicato combativo e democrático de trabalhadores de lavanderias iria ter um resultado melhor em 1941, se tivesse havido unidade entre as forças lideranças comunistas e as forças de Adelmond-Robinson. Isso exigiria boa vontade da parte de ambos os grupos. Essa necessidade de unidade da esquerda, também unidade de centro-esquerda, continua um desafio importante para o trabalhismo até hoje.

Beatrice Lumpkin é uma ativista trabalhista de longa data com trabalhadores de lavanderias, metalúrgicos e professores. Como uma professora de matemática da Malcon X College, em Chicago, ela lutou para restaurar as contribuições das pessoas de cor ao currículo educacional. Ela serviu como uma consultora multicultural para editores de livros e para escolas públicas em Chicago, Detroit, Milwaukee e Portland, Ore. Ela é a autora de “Always Bring a Crowd, the story of Frank Lumpkin Steelworker” e “Joy in the Struggle, My Life and Love”. Beatrice Lumpkin é um membro ativo do Sindicato dos Professores e do SOAR.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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