PUBLICADO EM 16 de ago de 2021
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Relato de testemunha ocular: os protestos antigovernamentais em Cuba

Políticos nos EUA imediatamente chamaram por intervenção “humanitária” ou militar em Cuba – incluindo ataques aéreos. A mídia nos Estados Unidos, Canadá e outros países ocidentais enganosamente publicou uma foto do Dia de Maio Cubano, em 2018, e afirmou que era uma instantânea dos protestos antigoverno. O Facebook determinou que seus “padrões de comunidade” não foram violados pelos incontáveis comentários chamando por invasão armada e derramamento de sangue, assassinato dos oficiais eleitos do governo cubano, guerra nuclear contra Cuba e corrida de armas de Miami para Havana.

Milhares de cubanos em direção ao Malecon em defesa da revolução. Havana, 17 de julho de 2021. Foto: Cubadebate

Por Kathryn Guerrera (People´s World)

Como alguém com membros da família que vivem em Cuba, que estava em Cuba durante os protestos antigovernamentais que ocorreram em 11 de julho, eu me achei em uma posição única e perturbadora, onde eu podia ver e sentir a desconexão entre o que estava sendo reportado pela grande mídia de volta em casa e o que estava realmente acontecendo no solo em Cuba.

Aproximadamente duas semanas depois do Dia dos Pais, a variante Delta da COVID-19 começou a tomar conta, particularmente na província de Matanzas. O Dia das Mães e o Dia dos Pais são importantes celebrações sociais na cultura de Cuba e acompanhado do nível de contágio da variante Delta, isso levou a uma escalada rápida nos novos casos de COVID-19.

Cuba tinha recentemente vacinado uma grande porção da população na província de Havana com sua primeira vacina candidata aprovada, a Abdala. De lá, o Ministro da Saúde Cubano (MINSAP, na sigla) começou a focar em Matanzas, porque é a província mais popular para o turismo e isso põe a população de lá mais em risco. A Abdala tem uma taxa de eficácia de 92%, o que a coloca na mesma associação das vacinas mais efetivas, como a Pfizer-BioNTech e a Moderna.

Ao mesmo tempo que o número de novos casos de COVID-19 diariamente reportados estava aumentando, nós começamos a ouvir de muitos amigos na cidade de Cárdenas, Matanzas (um ponto quente atual para a COVID-19) que seus compromissos de vacinação estavam sendo cancelados devido à falta de seringas e agulhas. O governo respondeu rapidamente com um lockdown, permitindo as lojas abrirem apenas pela manhã, assim as pessoas ficariam em casa pelo resto do dia.

O número de internações hospitalares estava crescendo e profissionais de saúde e a própria infraestrutura hospitalar estavam ficando sobrecarregados. Uma grande usina de energia elétrica em Matanzas estava operando em capacidade reduzida, devido a manutenção excepcional (o bloqueio dos EUA afeta a capacidade de Cuba de importar peças e suprimentos) e o governo teve que recorrer a racionar eletricidade para as famílias, para manter as pessoas nos hospitais vivas.

Isso significou apenas poucas horas por dia para cozinhar ou ligar seu ventilador ou ar-condicionado, no calor de julho. As piscinas públicas não foram abertas e ir para a praia não estava permitido devido ao lockdown.

Então, quase um ano e meio na pandemia e crise econômica, você pode imaginar o nível elevado de frustração, fadiga e desespero.

Desde o início da pandemia, o PIB de Cuba rapidamente caiu mais de 11%. A economia já estava com dificuldades antes da pandemia. Desde que a administração de Trump apertou as sanções, de 2017 a 2020, as exportações de Cuba caíram em 82% e as importações, em 85%. Trump atacou as fontes de moeda de Cuba, cortando de novo voos comerciais e eventualmente até proibindo voos fretados, no verão de 2020. Os EUA também impuseram sanções em empresas petroleiras que entregavam petróleo da Venezuela para Cuba, afetando o movimento e a logística na ilha.

Com as grandes perdas para o setor do turismo em 2020 por causa da pandemia, a ilha perdeu uma de suas fontes mais importantes de moeda forte, mergulhando na pior escassez de alimentos desde o Período Especial, na década de 1990. Produtos básicos se tornaram cada vez mais difíceis para os cubanos encontrarem nas lojas – assim como os medicamentos de venda livre, como Tylenol, Advil, e pomadas antibióticas. As farmácias agora têm falta de medicamentos de prescrição vitais para condições gerenciáveis, como hipertensão, diabetes, câncer, assim como infecções tratáveis, mas potencialmente danosas. Um frasco de 250 comprimidos de Paracetamol custa $50 dólares americanos, ou mais, no mercado subterrâneo.

Com muitas medicações atualmente indisponíveis, escassos e caros produtos de higiene pessoal e filas de duas a três horas nos supermercados, com uma chance de 50/50 de que a loja vai acabar naquele dia antes de você entrar, o povo cubano está sofrendo, exasperado e miserável sob as condições atuais. Isso é exatamente o que o bloqueio dos EUA é projetado para fazer.

No começo de julho, em resposta ao crescente número de casos de COVID-19 na província de Matanzas, nós começamos a ver a hashtag #SOSCuba vindo de celebridades cubano-americanas que vivem no Sul da Flórida. Isso foi menos de três semanas depois que se descobriu que a vacina Abdala contendia com as melhores vacinas do mundo (com a Soberana, a segunda vacina candidata cubana não muito atrás) e logo depois que 184 países votaram nas Nações Unidas para os EUA acabarem com o bloqueio.

A hashtag #SOSCuba era uma óbvia campanha de difamação e com a finalidade de espalhar a ideia de que o governo de Cuba “gerenciou mal” a pandemia.

Miami é a casa de 1,2 milhões de pessoas de herança cubana – muitos dos quais são descendentes de exilados que fugiram de Revolução. Eles têm fortes visões contrarrevolucionárias e anticomunistas e constituem uma comunidade rica e politicamente poderosa. Há uma indústria contrarrevolucionária multimilionária, baseada no Sul da Flórida, com políticos, YouTubers, atores e artistas, cujas carreiras inteiras são sustentadas por contar mentiras sobre o governo de Cuba e fazer lobby em Washington para manter e apertar seu bloqueio.

Dezenas de milhões de dólares são gastos todo ano pelo National Endowment for Democracy (NED, na sigla) e USAID para financiar projetos “democráticos” em Cuba. Este é o código para financiar interferência política, jornalismo fake, dissidentes e manifestantes – tudo para promover mudança de regime.

Depois dos protestos antigoverno, o especialista espanhol em mídia social, Julian Macias Tovar, falou no programa de notícias da televisão cubana, Mesa Redonda, e explicou que os números ao redor da hashtag #SOSCuba são mais do que um pouco estranhos. Macias Tovar afirmou que entre 5 de julho, quando a hashtag foi usada pela primeira vez, e 8 de julho havia apenas 5.000 Tweets. Esse número explodiu exponencialmente, com 100.000 Tweets, em 9 de julho, cerca de 500.000, em 10 de julho, então, 1,5 milhões no dia seguinte, e dois milhões, em 12 de julho.

Os jornalistas da TV cubana fizeram um excelente trabalho desmascarando as mentiras e fotos e vídeos fake em torno dos protestos como eles estavam sendo criados e disseminados, para manter os cubanos corretamente informados. Infelizmente, é claro, isso não foi visto por ninguém fora de Cuba. Nós agora sabemos que milhares de contas de mídias sociais fake foram criadas nos dias que antecederam os protestos e que robôs foram usados para enviar milhares de Tweets por dia e centenas de Retweets por minuto, em 10 e 11 de julho. O propósito era manchar a reputação do governo cubano e preparar e encorajar manifestações antigoverno.

Em 11 de julho, não havia milhares de manifestantes antigoverno em qualquer cidade cubana, a qualquer momento. Havia apenas centenas, em um País de mais de 11 milhões de pessoas.

Em Cárdenas, onde eu estava, os participantes não eram profissionais de trabalho, como médicos, enfermeiros, professores, engenheiros, advogados, proprietários de negócios licenciados, ou trabalhadores em fábricas ou do setor de turismo. A maioria dos manifestantes eram aqueles que escolheram estar desempregados e viver de remessas de família vivendo no exterior. Muitos são bem conhecidos delinquentes e não são contribuidores positivos para a comunidade.

Nós conhecemos pessoalmente da mulher e seu marido que criaram um vídeo inteiramente fake, que circulou amplamente – usando sangue de porco e molho de tomate – de um policial cubano atirando em seu filho. O casal confessou que foi oferecido a eles “Moneda Libremente Convertible” (MLC, significando dinheiro livremente conversível, ao invés dos pesos cubanos) por alguém nos EUA para fazer isso. Outro indivíduo, a quem também foi oferecido dinheiro para participar nos protestos de Cárdenas, criou um vídeo encenado e tem uma história na cidade de administrar um negócio ilegal não licenciado e não pagar impostos.

Os participantes dos protestos são geralmente não respeitados na comunidade e não são conhecidos por seu engajamento civil. Nem eles parecem ser interessados em um diálogo pacífico com o governo. Compensação parece ser seu principal fator motivacional. Esses protestos antigoverno também não estão continuando, como a grande mídia afirmou nos dias que seguiram.

Eu quero observar que a maioria dos policiais cubanos não tem armas com balas. Eles usualmente têm armas brancas, similares a pistolas de partida, que meramente emitem fumaça e barulho. Houve múltiplas falsas alegações, nas mídias sociais e na grande mídia ocidental, da polícia assassinando adultos e jovens – especialmente pessoas de cor. Muitas dessas pessoas “falecidas” mais tarde foram à televisão cubana para provar que elas estavam de fato vivas e bem.

Os protestos de Cárdenas não foram caracterizados pela brutalidade policial, e não há pessoas desaparecidas. Houve, contudo, lojas completamente destruídas por desordeiros, que jogaram pedras através das janelas e em policiais desarmados, viraram os veículos da polícia e roubaram coisas, como fogões de cozinha e eletrônicos. Para piorar as coisas, alguns indivíduos até entraram no hospital de Cárdenas e vandalizaram a enfermaria pediátrica. Profissionais de saúde reportaram terem precisado da polícia para fornecer segurança desses desordeiros que os estavam ameaçando.

Vários manifestantes, depois de demolir lojas e a enfermaria dos hospitais, se juntaram na baía de Cárdenas, onde eles esperavam barcos da Flórida que os levariam para os Estados Unidos. Eles próprios foram vítimas da manipulação e mentiras dos EUA – nenhum barco veio para os levar embora e a maioria foi presa por violações claras da lei. Muitos deles já foram a público com as comunicações que eles receberam do exterior que ofereciam transferir MLC para suas contas bancárias, se eles executassem tarefas destrutivas ou enganadoras, para criar agitação civil, provocar a aplicação da lei e fabricar vídeos ou fazer falsas acusações para a mídia estrangeira ou nas redes sociais. A grande mídia ocidental não reportou isso.

A mídia ocidental também não deu atenção suficiente para significativas violações de direitos humanos por governos e forças paramilitares de países como Colômbia, Chile e Haiti, onde massivos levantes antigoverno ocorreram e centenas de civis foram abusados, assassinados ou ficaram desaparecidos. Mas a mesma mídia ficou instantaneamente pronta para cobrir, exagerar e falar puras mentiras sobre o que aconteceu em Cuba.

Políticos nos EUA imediatamente chamaram por intervenção “humanitária” ou militar em Cuba – incluindo ataques aéreos. A mídia nos Estados Unidos, Canadá e outros países ocidentais enganosamente publicou uma foto do Dia de Maio Cubano, em 2018, e afirmou que era uma instantânea dos protestos antigoverno. O Facebook determinou que seus “padrões de comunidade” não foram violados pelos incontáveis comentários chamando por invasão armada e derramamento de sangue, assassinato dos oficiais eleitos do governo cubano, guerra nuclear contra Cuba e corrida de armas de Miami para Havana.

Em resposta aos protestos de 11 de julho, milhares – verdadeiramente milhares – de Cubanos saíram nas cidades através da ilha para apoiar seu governo e a Revolução. Em 17 de julho, manifestantes pró-revolucionários e pró-governo, estimados em centenas de milhares, se reuniram ao amanhecer em Havana. Houve zero cobertura disso na CNN e na CBC. A grande participação pró-governo em Camagüey foi descrita nas mídias sociais como sendo manifestantes antigoverno, que tinham “libertado” Camagüey da “ditadura”. Isso foi completamente falso.

Dias depois dos protestos, cyber ataques originados nos EUA tiveram como alvo os websites das instituições públicas de Cuba, como o MINSAP, assim como sites de notícias cubanos, como Cubadebate, através de ataques de negação de serviço. As forças estrangeiras aparentemente não queriam as pessoas sendo informadas pelo Ministério da Saúde Cubano durante uma crise de saúde, ou vendo nas notícias a desinformação que estava sendo exposta e pessoas cubanas descrevendo como tinha sido oferecido dinheiro a elas para causarem agitação civil.

A maioria dos cubanos – mesmo aqueles que podem estar infelizes com o atual governo – são veementemente contra a violência, vandalismo, saques e interferência estrangeira em seu País. Quase todos com quem nós falamos em Cárdenas estavam com raiva com a destruição de sua cidade e envergonhados com o comportamento daqueles que venderiam e difamariam sua terra natal e pediam por intervenção humanitária e militar dos Estados Unidos.

Muitos civis cubanos tomaram sobre si mesmos observar, gravar e reportar às autoridades aqueles envolvidos nos protestos destrutivos de 11 de julho. Os cubanos há muito tempo resistem ao imperialismo, e a maioria sabe que intervenção estrangeira e neoliberalismo os faria piorar, e não melhorar, suas condições materiais.

Eu não sei de qualquer cubano vivendo em Cuba que não quer acima de tudo um fim para o repressivo e ditatorial bloqueio dos EUA, que teria um impacto instantâneo em cada aspecto de seu bem-estar.

Essa situação tornou fácil para ver quem são os reais aliados do povo cubano. A maioria dos latino-americanos deu o seu apoio aos cubanos e seu governo, afirmando o seu direito à soberania e autodeterminação. Enquanto o presidente dos EUA, Jon Biden, chauvinisticamente ofereceu mandar vacinas para Cuba depois dos protestos, sabendo muito bem que Cuba tem suas próprias vacinas, o presidente do México mandou 800.000 seringas e agulhas para Cuba em um avião da Força Aérea Mexicana.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

Leia também:

Nota das Centrais Sindicais em solidariedade ao povo cubano

 

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