PUBLICADO EM 22 de jul de 2020
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Florestan Fernandes, um intelectual do povo

Florestan Fernandes, cujo centenário se comemora hoje, 22 de julho (ele nasceu em (22/07/1920), foi um intelectual raro – de origem muito humilde, chegou aos mais altos postos na universidade, e foi reconhecido como cientista social renovador no Brasil e no exterior.

Por José Carlos Ruy

Certa vez ele escreveu que “nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado”, sem “as duras lições da vida”. Ele tem razão, sobretudo quando disse que seu aprendizado “sociológico” começou aos seis anos de idade, “quando precisei ganhar a vida como se fosse um adulto”. Ele tinha razão – filho de uma empregada doméstica, mãe solteira, logo cedo foi forçado a tomar contato com as dificuldades da vida. Uma experiência que o marcou para sempre e, certamente, foi decisiva nas escolhas intelectuais que fez quando adulto – sempre tentando compreender as complexidades da  vida do povo. Foi professor que, armado com sua ciência, nunca abandonou o esforço de entender o Brasil, suas complexidades e as condições da existência da democracia em nosso país.

Estudante de mente aberta e leitor voraz, chamou a atenção do professor Roger Bastide – o francês fundador dos estudos sociais na Universidade de São Paulo, intrigado com aquele rapaz que sempre viajava, no bonde, com a cara enfiada num livro. Bastide aproximou-se dele, e o incentivou a entrar na universidade, o que ocorreu em 1941, quando Florestan ingressou na USP.

Foi o começo de uma carreira marcada pelo olhar renovador a uma série de questões – estudou a função da guerra entre os tupinambá e, principalmente, as condições da escravidão no Brasil, a luta pela abolição, as condições do trabalho livre no Brasil, atividade em que ajudou a desmascarar o mito da democracia racial no Brasil; renovou o conjunto da história, como se deu a Independência e como ela se ligou à dinâmica das classes sociais no Brasil. Estudou também, em profundidade, a dominação externa – dos EUA, particularmente – no Brasil e na América Latina. E, ultimamente, a situação da revolução democrática no Brasil e o papel da classe operária como sua protagonista principal.

Intelectual, Florestan foi um homem de luta. Na década de 1950 foi participante ativo da Campanha de Defesa da Escola Pública, em defesa do ensino público, laico e gratuito como direito fundamental do cidadão. Nos anos 60, professor de sociologia na USP, favoreceu o estudo da obra de Karl Marx, como um clássico do pensamento social ao lado de Max Weber e Emile Durkheim. No regime dos generais de 1964, foi aposentado compulsoriamente, em 1969, com base no AI5, juntamente com um conjunto de professores progressistas e avançados. Teve início então sua carreira, exitosa, de professor de ciências sociais, nas universidades de Columbia e Yale (nos EUA) e Universidade de Toronto (no Canadá). Voltou ao Basil em 1979, depois da lei de Anistia, lecionando então na PUC/SP.

Ao longo de sua carreira, e principalmente depois de ter sido cassado pelo AI-5 e afastado da universidade pela violência da ditadura de 1964, Florestan Fernandes uniu de forma crescente, e cada vez mais coerente, militância política e atividade científica, afastando-se da tradição de neutralidade científica típica da ciência social dominante – e da qual se tornou crítico severo. As marcas de seu compromisso com a luta popular se manifestaram então com força em sua produção intelectual e teórica. Deputado federal pelo PT, eleito em 1986, defendeu o maior protagonismo dos trabalhadores na luta política – trabalhadores que, crescentemente, encarou como  força decisiva  na luta pelo progresso social. Em seus últimos escritos defendeu, com clareza, a conquista do socialismo como alternativa avançada para a crise contemporânea do capitalismo.

Era o menino pobre falando pela voz do intelectual conhecido e influente.

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