PUBLICADO EM 06 de maio de 2020
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Descontrole do coronavírus faz países vizinhos verem Brasil como ameaça

O governo do Uruguai anunciou na terça-feira que, por “preocupação” com a pandemia de Covid-19 no Brasil, aumentará ainda mais o controle de fronteiras com o país, já fechadas desde março, e criará um protocolo para o fluxo de pessoas nas cidades binacionais. Segundo o secretário da Presidência uruguaia, Álvaro Delgado, o governo “está preocupado com a situação em algumas cidades fronteiriças, principalmente do lado brasileiro”.

A medida foi só o mais recente sinal de preocupação de nações vizinhas com o descontrole do vírus no Brasil. Na semana passada, o presidente argentino, Alberto Fernández, se disse “muito preocupado”, porque “não parece que o governo brasileiro esteja enfrentando o problema com a seriedade que o caso requer”.

Fronteiras vastas e porosas, os insistentes atos de despreocupação do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores em relação à pandemia, comunidades transfronteiriças, um fluxo comercial que não foi interrompido, atividades migratórias irregulares e sinais de que os casos proliferam sem controle em grandes capitais acenderam o sinal de alerta em vários governos regionais, disseram observadores ouvidos pelo GLOBO.

Após terem visto as duras medidas de contenção adotadas contra a Covid-19 trazerem resultados por vezes muito positivos, agora esses governos percebem um perigo na situação da pandemia no seu maior vizinho. Isto os tem levado a tornar ainda mais rigoroso o controle do fluxo de pessoas que vêm do Brasil, o que pode vir a ter graves consequências econômicas.

— As percepções são extremamente importantes. Se a percepção for de que o Brasil não está tomando medidas suficientes para controlar a disseminação do vírus, então é extremamente provável que vejamos medidas adicionais para quarentenar e criar um cordão sanitário em torno do país — afirmou Ivan Briscoe, chefe na América Latina do International Crisis Group, organização de análise de conflitos.

A preocupação é maior na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, países em que o isolamento trouxe bons resultados e que têm fronteiras povoadas. Há temores também na Venezuela e na Colômbia, onde o controle migratório é baixo. A Bolívia tem uma fronteira onde o trânsito é menor, e o Peru, onde ainda é mais reduzido.

Neste momento, todos estes países estudam planos de saída da quarentena. O Peru, o Paraguai e o Uruguai já começaram a fazê-lo, e o Chile— quatro países governados pela direita — caminha nessa direção. A Argentina deve seguir estes passos nas próximas semanas, assim como possivelmente também a Colômbia e a Bolívia, enquanto a Venezuela permanece uma incógnita.

Os relaxamentos buscam conter danos econômicos, após semanas de paralisação. Porém, o descontrole no Brasil pode atrasar a retomada das atividades nos vizinhos e causar ainda mais prejuízos, afirmou Carina Vance, ex-diretora do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, da hoje moribunda União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

— Os países que mantiveram baixo nível de transmissão poderiam relaxar e adotar medidas mais leves. Porém, se aqueles ao redor têm um nível tão alto de contágio e transmissão descontrolada, isso representa um problema — disse Vance, hoje pesquisadora na Universidade Tulane.

Ela cita como exemplo o Uruguai, que não tem transmissão comunitária. Apesar disso, o país é “pequeno, com muitas fronteiras”. A situação é parecida com a do Paraguai, que, mantém cidadãos vindos do Brasil parados na Ponte da Amizade — na segunda-feira havia cerca de 50 deles à espera de liberação. Com poucas mortes, o país teme que, como escreveu no Twitter o seu diretor de Vigilância em Saúde, Guillermo Sequera, “se o Brasil espirra, nós pegamos pneumonia”.

Comércio preocupa
A manutenção do tráfego comercial também inquieta governos. Embora viagens turísticas e o transporte público e privado tenham sido suspensos, o transporte de mercadorias permanece ativo e deve exigir cada vez mais atenção. Na Argentina, a primeira morte na província de Misiones foi a do caminhoneiro Héctor Vidotto, que se contaminou em viagem a São Paulo para buscar frutas, e também infectou a mulher.

O Brasil é a principal força econômica da região, e a noção de que está desgovernado gera o temor de que os efeitos serão prolongados, afirmou Mônica Hirst, professora visitante no Iesp-Uerj.

— Há uma reversão de expectativa do que se esperaria do Brasil, um país que tem um peso muito grande na região. Isolar-se de um país pequeno, com quem se mantêm relações comerciais irrelevantes, é uma coisa. Isolar-se do Brasil por causa de uma ameaça é muito mais difícil e custoso.

Entre os dez vizinhos, quem mais deve sofrer é a Argentina, que tem no Brasil seu principal parceiro. A sensação em Buenos Aires é de que o vizinho está à deriva, afirmou Oliver Stuenkel, da FGV-SP.

— Esta é uma velha regra nas últimas décadas: sem uma participação pró-ativa do Brasil, a região não consegue se recuperar bem — afirmou Stuenkel. — Um país menor não vê muita chance de recuperação, porque vê o Brasil em estado de negação. Além disso, veem também a crise política, que preocupa muito.

Apesar do combate à pandemia ser relativamente descentralizado no Brasil, disse Stuenkel, a postura de Bolsonaro “é crucial para essa percepção, porque ele é o cartão de visitas do país” e “totalmente diferente dos demais líderes, o que impacta muito a reputação brasileira”.

Para Ivan Briscoe, do International Crisis Group, é inevitável que os vizinhos comecem a flexibilizar suas quarentenas, mas, “se houver uma sensação de que o Brasil permanece uma séria fonte de contaminação, certamente o fechamento destas fronteiras e do tráfego nacional se tornará a última parte da quarentena a ser suspensa”.

Procuradas, a única chancelaria de um país vizinho a responder foi a do Uruguai. Ela disse que habitantes de cidades-limítrofes podem circular “livremente dentro das cidades” e que “o que o Uruguai fará é aumentar os controles internos em locais próximos à fronteira para garantir que as regras sejam cumpridas, conforme estabelecido pelo decreto que tem sua contrapartida em um decreto-espelho no Brasil coordenado bilateralmente com a chancelaria brasileira”.

Fonte: Jornal Extra

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