PUBLICADO EM 26 de jan de 2021
COMPARTILHAR COM:

Retomar a produção nos parques industriais com ou sem a Ford

Sérgio Nobre, Vagner Freitas e Paulo Cayres 

Um país com as dimensões e a importância estratégica do Brasil não pode assistir impassível sua industrialização tardia, mas pujante, se desmanchar por falta de uma política nacional de desenvolvimento.

A industrialização do país evoluiu e se desenvolveu com os investimentos do Estado nas indústrias do aço e do petróleo. A destruição do  parque produtivo industrial nacional, portanto, além de jogar fora todo esse investimento e esforço, representa graves consequências para a população e é um verdadeiro desastre para o país.

O governo federal, os governos estaduais e o Congresso Nacional precisam reagir e assumir uma postura ativa em prol da retomada de nosso processo de industrialização.

Podemos ser um celeiro na produção de alimentos, soja, minérios, água e fonte de energia, mas não podemos nos limitar a ser um país exportador de commodities, sob o risco de nos tornarmos uma nação pequena e pobre, apesar de nossas dimensões, riquezas e disposição de trabalho do povo brasileiro.

O maior país da América do Sul não pode ter um governo que fala grosso com seus vizinhos,  mas que se cala diante de uma decisão extemporânea da Ford, que foi aqui recepcionada e sempre contou com o efetivo apoio, financiamento e concessões do Estado brasileiro.

A empresa que adquiriu uma indústria nacional de veículos – a Troller – que produzia Jipes com designer próprio em Horizonte (CE), quer cerrar suas portas e deixar seus trabalhadores abandonados.

A Ford, que até 2019 produzia em São Bernardo do Campo, produz em Taubaté (SP) e em Camaçari (BA), foi beneficiada por incentivos fiscais e assumiu o compromisso de permanecer até 2025 no país, porém, quatro anos antes, abandona o Brasil e seus trabalhadores, segura que manterá suas vendas de veículos inalteradas para nosso pujante mercado consumidor.

Segundo a Folha de S. Paulo, o Ministério da Economia teria montado um grupo de trabalho para avaliar o fechamento das fábricas da Ford no País e estaria entrando em contato com outras montadoras sobre a possibilidade de elas assumirem as unidades da marca.

Para que este caminho seja efetivo é preciso adotar uma postura firme no diálogo com a Ford, como apontado acima, e assumir uma postura condizente com o tamanho do Brasil e de seu mercado consumidor.

A Associação Americana de Juristas (AAJ), entidade fundada, em 1975, com status consultivo ante o Conselho Econômico e Social da ONU, lançou uma nota na qual afirma que “a Ford não é vítima do Brasil, do governo, ou do dito ‘custo Brasil’; durante seus mais de 100 anos de instalação no país, desde 1919, foi extremamente favorecida por inúmeras políticas públicas voltadas ao incentivo da produção; foram anos e anos de uma atividade altamente lucrativa, com relação à qual o tal ‘custo Brasil’ nunca constituiu empecilho.

Antes de partir, a Ford deve, no mínimo, levando em conta os pressupostos jurídicos constitucionais da função social da propriedade, entender que todo o seu patrimônio, situado no Brasil, não pode ser levado embora, devendo ser revertido aos trabalhadores e trabalhadoras que integraram suas unidades produtivas, para, caso queiram, desenvolvam nelas uma produção em modelo de autogestão ou, simplesmente, os leiloem.

Alertamos à sociedade brasileira para a necessária prestação de contas da multinacional que em nenhuma hipótese pode fechar suas fábricas e abandonar o país, deixando milhares de trabalhadores e trabalhadoras no desemprego e contribuindo de forma contundente para o caos social em nosso país”.

Neste sentido, o Ministério Público do Trabalho (MPT) criou um Grupo Especial de Atuação Finalística (Geaf) para monitorar os impactos do fechamento de três fábricas da companhia norte-americana, que podem afetar até 5 mil trabalhadores.

O Congresso Nacional precisa assumir suas responsabilidades e exigir que o governo tome as medidas necessárias para que o processo de desindustrialização do país não se intensifique ainda mais com a desativação destes parques industriais.

O governo deve se esforçar para manter a Ford e assegurar os empregos dos trabalhadores diretos e indiretos, explicitando que sua saída do Brasil implicará em grandes perdas neste imenso mercado consumidor.

Caso a Ford mantenha sua decisão, os governos federal e os estaduais devem encampar suas plantas industriais, com máquinas e equipamentos, como contrapartida dos bilhões de reais que deixaram de arrecadar em face dos incentivos fiscais e benefícios que recebeu no Brasil.

Garantida a permanência dos parques industriais, máquinas e equipamentos no país, as autoridades brasileiras devem buscar empresários dispostos a investirem na produção, adaptação e modernização, para que seja possível a produção de veículos e a manutenção dos empregos em cada planta industrial. Segundo cálculos da Receita Federal, quando da elaboração do orçamento, os incentivos tributários previstos para o setor automotivo foram R$ 5,9 bilhões para 2021.

Um país que desenvolveu o moderno parque industrial de aviões, por meio da Embraer, pode construir as parcerias necessárias para a produção de veículos competitivos, assegurando os empregos diretos e indiretos e o rendimento das famílias abandonadas pela Ford.

Setores do governo federal alegam que se trata de um reposicionamento global das marcas provocado pela tendência dos carros elétricos e que a baixa qualificação dos trabalhadores exige investimentos pagos pela empresa. Retoma os argumentos da carga tributária, deficiências na infraestrutura e insegurança jurídica. Todos argumentos discutíveis e de fácil superação, caso sejam estabelecidos diálogos efetivos com as entidades sindicais e com o Sistema S.

Em carta escrita para o presidente da Ford, o secretário-geral da Industriall Global Union, Valter Sanches, em nome de mais de cinquenta milhões de trabalhadores nos setores de mineração, energia e manufatura em todo o mundo, pediu para a Ford reconsiderar sua decisão e envolver os sindicatos na discussão de alternativas. Expressou sua indignação com a extrema decisão de deixar o Brasil após 102 anos de história de fabricação e vendas no país, com o fechamento das três fábricas restantes e levando a demissão de 5.000 trabalhadores, o que afetará cerca de 70.000 empregos adicionais no país.

As 11 Centrais Sindicais brasileiras atuam de forma unitária, realizam articulações com os governadores e parlamentares, governo federal e convocam manifestações em frente das concessionárias de revenda da Ford para o próximo dia 21 de janeiro, enfim, buscam compromissos efetivos para assegurar a retomada da produção nas plantas industriais e a manutenção dos empregos, com ou sem a Ford.

A vocação do Brasil, desde 1930, tem sido por se tornar um país industrializado. É preciso retomar e impulsionar nosso potencial industrial, transformando nosso aço, nossos minérios, e nossa produção agrícola e de proteína animal em produtos industrializados. Frente às adversidades é preciso coragem, senso de brasilidade e acreditar no potencial do Brasil e de sua classe trabalhadora.

Sérgio Nobre é presidente da CUT

Vagner Freitas é vice-presidente da CUT

Paulo Cayres é presidente da CNM (Confederação nacional dos Metalúrgicos)

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

QUENTINHAS