PUBLICADO EM 21 de nov de 2018
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Partido sem Escola

Muito mais do que escola sem partidos, o Brasil precisa de partidos e políticos que tenham passado pela escola, que conheçam história e saibam que houve tempo de “escola sem partido”, na Rússia Soviética, na Alemanha nazista, no Portugal salazarista, na Itália fascista, na Espanha franquista, no Brasil da ditadura.

Uma das artimanhas das forças políticas conservadoras é esconder os problemas da sociedade para desviar a atenção da população. Um exemplo é a obsessão com que muitos defendem a ideia de “escola sem partido”, para esconder a realidade de que nossos partidos e nossos políticos não passaram pela Escola. Para esconderem a falta de escolas com qualidade para todos, defendem que é preciso impedir que elas debatam livremente nossos problemas e soluções.

Querem evitar o despertar dos alunos para a necessidade do ensino com qualidade para todos, garantindo que o Brasil não desperdiçará seus cérebros; colocando os filhos dos pobres em escola com a qualidade daquelas onde os filhos dos ricos estudam. Além de esconder que no Brasil os pobres não têm escola com qualidade e os ricos têm escolas com qualidade medíocre, a “escola sem partido” levará professores e alunos a um campeonato de denúncias contra ideias dentro de sala de aula, onde será implantado o terror: a “escola sem partido” será “escola aterrorizada”.

Muito mais do que escola sem partidos, o Brasil precisa de partidos e políticos que tenham passado pela escola, que conheçam história e saibam que houve tempo de “escola sem partido”, na Rússia Soviética, na Alemanha nazista, no Portugal salazarista, na Itália fascista, na Espanha franquista, no Brasil da ditadura. Não sabem e não percebem os danos decorridos na formação da juventude durante aqueles períodos; ou sabem e desejam aqueles tempos de volta. Na verdade, eram tempos de escola com partido único: o partido no poder, com ideia única para explicar a realidade social, política e mesmo científica. Uma escola precisa de todos os lados do mundo das ideias, não de nenhum partido ou um partido único.

É certo que devemos impedir a dominação política por partidos, com narrativas que não respeitam outras opiniões e que tentam doutrinar, no lugar de ensinar. Isso tem ocorrido nos últimos anos, na Universidade de Brasília, por exemplo, onde é proibido debater a diferença entre golpe e impeachment e comparar 2016, no caso de Dilma, com 1992, no caso Collor. Ainda na UnB, filha da liberdade e da democracia, há hoje impeachment para manifestações de apoio ao Bolsonaro.

O caminho não é proibir o debate, denunciar o professor que manifesta uma opinião, o caminho é abrir o debate para todas as opiniões. Se na universidade prevalece uma única narrativa, a falha não é do partidarismo de alguns professores doutrinadores sem capacidade de diálogo. De fato, grande parte de nossos alunos universitários sofrem lavagem cerebral, acreditam em fantasmas históricos que seus partidos lhes ensinam, são intolerantes com ideias diferentes das que receberam como doutrina. A solução não é proibir o partido dominante, nem substituí-lo por uma nova dominação.

A solução não virá mais para os atuais universitários, já são geração perdida. A saída é investir na educação de base, com total liberdade para o debate de todas as ideias, todos os partidos — uma “escola sem censura” que defenda a necessidade de professores bem remunerados, bem preparados, bem dedicados, em escolas bem equipadas, todas públicas e com compromisso em horário integral para formar uma nova geração. Manter escolas nas atuais condições de penúria intelectual, e ainda mais sob censura, com os alunos transformados em denunciadores e não em participantes dos debates, será cair no desastre dos países que passaram por isso no passado. Precisamos de “partidos com escola”, e não de “escola sem partido”.

Quando olho os próximos anos, a sensação de alívio por não ter os compromissos da agenda do mandato (agora mesmo que escrevo da China onde participo de seminário sobre economia dos BRICS) é substituída pela sensação de frustração, por não poder votar contra “escola sem partido”, nem poder continuar a luta por um “país com escola” de qualidade para todos, criando eleitores e dirigentes educados. Fica a frustação de saber que meus substitutos provavelmente votarão pela “escola sem partido”.

Mesmo longe do parlamento, continuarei defendendo que a saída não é proibir partidos nas pobres escolas que temos, mas construir escolas de qualidade, onde todas as ideias e todos os partidos possam participar do debate, inclusive sobre “escola sem partido”, como atualmente. Isso não será permitido se a proposta de censura for aprovada, porque “partido sem escola” constitui um partido que deseja negar o direito de “partidos na escola”.

Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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