PUBLICADO EM 07 de jan de 2021
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O método de Trump e o de Mussolini e Hitler

Reprodução CNN

O ataque da extrema direita contra o Capitólio, nos EUA, reflete mudanças sociais profundas nos EUA, que podem por a democracia em risco.

Por José Carlos Ruy

A tentativa, nesta quarta-feira (6) de um golpe fascista nos EUA destoou completamente dos caminhos para a tomada do poder no fascismo clássico, na Itália e na Alemanha, no início do século 20. Na Itália, houve antes a Marcha sobre Roma, no fim de outubro de 1922, que precedeu a nomeação de Benito Mussolini como primeiro ministro pelo rei Vitor Emanuel III – o discurso inicial de Mussolini como primeiro-ministro é de poucas semanas depois, 16 de novembro.

Na Alemanha, depois do bom desempenho do Partido Nazista na eleição de 1932, Adolf Hitler foi nomeado chanceler (chefe do governo) pelo presidente Paul von Hindenburg em 30 de janeiro de 1933.

Isto é, ambos os ditadores chegaram ao poder pela via institucional, legal, e não por algum golpe.

Trump tentou outro caminho, claramente golpista.

Na manhã da quarta-feira (6) repetiu suas mentiras sobre fraude eleitoral e roubo da eleição, num discurso, em Washington, a apoiadores – supremacistas brancos e milicianos armados da extrema-direita, de organizações como “Three Percenters”, “Proud Boys” ou “Oath Keepers” – repetindo sua arenga deslegitimadora da eleição e da democracia, praticamente incitando-os contra o Capitólio (a sede do Congresso dos EUA), onde ocorreria, à tarde, o reconhecimento formal da eleição e da vitória do democrata Joe Biden como novo presidente dos EUA.

Não deu outra – a ação terrorista incitada por Trump, o ataque e a invasão do prédio do Capitólio – cenas típicas de países onde a frágil democracia quase sempre leva a golpes de Estado – provocou a interrupção daquela sessão, com atos de vandalismo e violência mal contidos pelas forças da segurança do Congresso (que, ao contrário da ação policial contra manifestações democráticas e antirracistas, foi, no mínimo, leniente em relação ao ataque contra o parlamento). A sessão foi retomada à noite, horas mais tarde, e aprovou a legalidade da eleição de Joe Biden.

O confronto em torno do controle da presidência da República nos EUA reflete as condições da luta de classes naquela nação, mas isso não é simples. Sabe-se que, numa explicação superficial, os democratas representariam mais o capital financeiro, e os republicanos o capital industrial. Trata-se de contradições dentro da própria classe dominante nos EUA. Mas vai muito além disso. Ambos os setores se beneficiam do neoliberalismo e da globalização neoliberal que o imperialismo dos EUA comanda. Mas o país e os trabalhadores – grande parte deles negros e latino-americanos – são gravemente prejudicados pela perda de empregos e renda, que são consequência do neoliberalismo. Nas últimas décadas – desde pelo menos o governo de Ronald Reagan que, no começo dos anos 80 promoveu fortes ataques contra os trabalhadores e os sindicatos – o empobrecimento dos trabalhadores e a precariedade do trabalho cresceram como nunca, ao lado do enriquecimento cada vez maior da pequena parcela de ricos na sociedade dos EUA.

Ao lado disso, ocorre também forte mudança demográfica no país, com o declínio da parcela branca da população, ao lado do aumento dos negros, latino-americanos e outros “não brancos”, cuja maior natalidade faz com que a população, principalmente a das grandes metrópoles, fique cada vez mais “morena”.

São mudanças econômicas, de renda e cor da pele que ajudam a entender a reação raivosa de setores da direita, supremacistas brancos, contra aquilo que é verbalizado por Trump como uma ameaça aos “verdadeiros” EUA – aquele dominado pelos wasp (white, anglo-saxon, protestants).

A vergonhosa (desonrosa, disse Barack Obama) cena assistida ontem, em Washington, que o mundo assistiu perplexo e temeroso, reflete mudanças profundas na sociedade dos EUA. Podem ser as dores do parto de uma sociedade nova – ou, pior, do fortalecimento da barbárie antidemocrática. Mesmo porque aquele terrorismo contra o Congresso – que já foi comparado, por um comentarista ao ataque de 11 de Setembro de 2001 em Nova York – pode ter o claro significado da tentativa de Donald Trump, derrotado, se manter à tona como o líder da extrema-direita nos EUA. Pode ser; depende da força dos democratas em dar novo rumo ao país e conter a extrema direita, uma tarefa que não será fácil.

José Carlos Ruy é jornalista, é autor de Biografia da Nação – História e Luta de Classes (2018)

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