A televisão ligada no canal do bispo Edir Macedo na barbearia. Estou preso à cadeira com espuma na cara, me resta ouvir o noticiário que mostra a visita de Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas à Jerusalém. Consigo ouvir poucas palavras, mas os repórteres falam do terrorismo associado a palavra Hamas, e mostram os dois governadores brasileiros muito comovidos e solidários a ofensiva de Netanyahu.

A matéria termina e é hora da propaganda da nova série da TV dirigida pela Igreja Universal do Reino de Deus. Uma série sobre o Rei Salomão. Um rei muito rico e sábio, filho de Davi, herdeiro do trono de Israel. A descrição cita várias vezes a palavra riqueza como o principal atributo do Rei Salomão, junto à sabedoria. O homem mais rico que existiu era o Rei Salomão, e ele era filho do pecado. E ele se redimiu e ficou muito rico graças a Deus. Imagina a pessoa mais rica que você conhece? Salomão era mais. Graças a Deus.

Mas tudo acaba, tudo decai. A decadência de Salomão se deve às mulheres. Ah, essas pérfidas, que trouxeram o paganismo e a doutrina de outros deuses a Israel. Foram a perdição do homem mais rico que existiu. Lembro que Edir Macedo batizou um templo suntuoso que ele construiu em homenagem a Salomão e ele levou o Silvio Santos, o homem mais rico da televisão, para conhecer. Sim, eu assisti isso. 

Como numa iluminação, tudo ficou nítido para mim. A fascinação dos evangélicos por Israel se deve a esse símbolo de riqueza. Se Salomão era filho do pecado e ficou muito rico seguindo a Deus, assim seus filhos humildes no Brasil ficarão. A promessa da riqueza pela fé une ao menos no imaginário o povo da Igreja Evangélica ao Estado de Israel. É alimentando essa ilusão fundamentalista que políticos de extrema direita como Caiado e Tarcísio sonham ocupar o Planalto. O sonho desses políticos é liderar uma teocracia sustentada pela ambição de riqueza de uma multidão de trabalhadores precarizados. 

Isso me lembra uma história antiga que se passou em Alexandria numa época de decadência do Império Romano. A instabilidade política levava cristãos e judeus a culpar o paganismo dos neoplatônicos pelas desgraças sociais da época. A situação chega em um nível tal de intolerância e ódio que o templo da Escola Neoplatônica é invadido e destruído. Em um ápice de brutalidade, a Diretora da Escola neoplatônica de Alexandria, a filósofa matemática Hipátia, é barbaramente esquartejada no dia 08 de março de 415 por uma horda de cristãos fanatizados. O episódio marca a queda da vida intelectual em Alexandria na medida em que evidencia a cristianização do Império Romano, a  sua decadência e por conseguinte o início da Era Medieval, também chamado de Idade das Trevas. 

Hoje também vivemos a decadência de um Império Ocidental. Os Estados Unidos, junto com Israel, são a Roma da atualidade, também apodrecendo em guerras sangrentas e propagação de crises civilizacionais. Também hoje, assim como na Roma decadente, assistimos ao fanatismo religioso se impôr como uma forma de governo pela força, baseado na coerção e mesmo na eliminação física de tudo aquilo que não comunga com suas doutrinas. A misoginia e o obscurantismo se exibem cada vez mais estridentes e orgulhosos, enquanto que são os valores da ciência, da democracia e do pensamento filosófico que passam a ter medo de se manifestar.

Edir Macedo e seus devaneios televisionados de riqueza revive o esquartejamento de Hipátias em guerras santas fundamentalistas. O horror de Gaza massacra palestinos e políticos brasileiros se solidarizam a esse extermínio promovido pelo Estado de Israel. Não temem e acreditam agir abençoados por Deus. Buscam apoio de multidões motivadas por uma fé que se confunde com a cobiça e a ganância, a aspiração da riqueza de um mítico Salomão de Israel. Sinais de que o Ocidente ruma a um novo período de trevas.

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestre em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.