PUBLICADO EM 01 de fev de 2020
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Desemprego empobrece, adoece e paralisa milhões

O desemprego é um importante disciplinador da força de trabalho. Com medo de perder sua vaga, o trabalhador se mobiliza menos e protesta menos. No Brasil, a desocupação se acelera a partir de 2015. Ela teve a função de preparar o terreno para as reformas trabalhistas e previdenciária. Combater o desemprego é um dos principais caminhos para se mudar o país

Uma legião de espectros ronda o Brasil. Golpes, neofascismo, reformas neoliberais, privatizações, milícias, fake news, ameaças da volta do AI-5 etc. É extensa a lista das graves ameaças que espreitam a frágil democracia e a soberania do país, gerando enorme apreensão entre os setores progressistas e de esquerda.

A maioria da população, porém, está assombrada por outros “fantasmas” que já se fazem muito presentes no cotidiano de dificuldades e restrições. Elevação do desemprego, queda dos rendimentos, endividamento das famílias e dificuldades para fazer frente às despesas básicas, como alimentação, aluguel, água, luz e a piora do serviço público como saúde, educação, transporte e moradia popular em função dos sucessivos cortes orçamentários promovem o empobrecimento e o aumento das desigualdades sociais. O quadro se agrava com o recente pacote de Medidas Provisórias e PECs anunciado por Bolsonaro no momento em que finalizávamos este artigo.

A falta de emprego ou de uma ocupação remunerada é uma das maiores preocupações a causar angústia, desalento, paralisia, depressão e medo do futuro em muita gente. Segundo o Ipea, 52% dos lares brasileiros não dispõem de nenhuma renda proveniente do trabalho. Além de garantir a sobrevivência individual e familiar e de propiciar sociabilidade, o trabalho (formal) é a porta principal de entrada da proteção social no Brasil.

O desemprego se acelerou principalmente a partir de 2015, consequência da adoção de um ajuste fiscal que levou a economia à recessão e rápida escalada dos níveis de desocupação da força de trabalho. Segundo o IBGE, em novembro de 2014, a taxa de desemprego era da ordem de 6,5%. Um ano depois, ela havia escalado o patamar de 9% e em março de 2016, pouco antes do impeachment da presidenta Dilma, chegava a 11,5%! Após o golpe, o pico se deu no início de 2017, chegando a 13,7%. Desde então, a taxa vem declinando a passos de tartaruga, puxada pela subocupação, o famoso bico. Em setembro de 2018, a marca estava em 11,9%, percentual que se mantém praticamente inalterado (11,8%).

O aperto e o salve-se como puder
Os dados levantados pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD), ao final de setembro de 2019 são alarmantes. A taxa combinada de desocupação e subocupação atinge expressivos 18,7% da força de trabalho. Nada menos que 27,5 milhões de pessoas estão involuntariamente subutilizadas, somando 12,5 milhões de desempregados, 7 milhões de pessoas subocupadas por insuficiência de horas de trabalho e 4,7 milhões que se encontram no chamado desalento.

Essa última é a situação em que a pessoa desempregada não procurou emprego nos últimos dias anteriores à pesquisa, muitas vezes por não dispor de dinheiro para o transporte ou para se alimentar ou simplesmente pela desistência de bater de porta em porta das empresas e ouvir o desanimador “não há vagas”. No primeiro trimestre de 2019, nada menos que 3,3 milhões de pessoas estavam desempregadas há mais de dois anos, a maioria mulher.

“Emprego ou direitos”
O desejo manifesto de Jair Bolsonaro, pelo qual o trabalhador tem de escolher entre ter emprego ou ter direito está se realizando, infelizmente. O amigo do Queiroz afirmou após a posse que os empregos no Brasil têm de beirar a informalidade e tudo faz para generalizar essa condição de trabalho, agravando uma realidade já bastante conhecida pelos setores mais empobrecidos da classe trabalhadora, como a população negra, mulheres e LGBTs. O impacto da informalidade e da subocupação sobre a renda é brutal. Enquanto o rendimento médio da população ocupada é de R$ 2.298, o ganho médio auferido pela parcela subocupada é de apenas R$ 826.

Os assalariados sem carteira assinada chegam a 18,8 milhões de pessoas, sendo 11,8 milhões de empregados no setor privado sem vínculo formal, 4,5 milhões no trabalho doméstico sem carteira e 2,5 milhões de assalariados no setor público sem carteira assinada. Esses milhões de empregados sem vínculo formal não dispõem de várias garantias, como seguro-desemprego, fundo de garantia, férias ou abono salarial. Para completar esse quadro grave temos, ainda, 24,4 milhões de pessoas no trabalho por conta. É o salve-se quem e como puder. Outro dado a inspirar preocupações é o número de pessoas ocupadas e que não contribuem regularmente para a Previdência Social. Nada menos que 47,5 milhões de pessoas estão nessa situação de desproteção social e impossibilidade de acesso a benefícios como salário-maternidade, seguro-desemprego, auxílio-doença, acidente de trabalho, aposentadoria ou pensão.

Identidades crispadas pelo trabalho
O desemprego atinge de maneira diferente setores sociais distintos. Entre jovens de 18 a 24 anos o martírio do desemprego bate em 25,8%. A alta incidência nessa faixa etária ajuda a explicar o fato de três empresas de entregas por aplicativo, Rappi, iFood e Uber Eats explorarem, apenas na cidade de São Paulo, trinta mil jovens que pedalam as próprias bicicletas com uma caixa de 45 quilos nas costas por um salário médio mensal de R$ 936. Seis em cada dez trabalham 84 horas semanais, doze horas por dia, sete dias por semana

De maneira geral, o alto desemprego nos últimos cinco anos empurrou um exército de trabalhadoras e trabalhadores para as plataformas digitais por aplicativos. Estima-se que as plataformas de mobilidade e de entrega de produtos como Uber, 99, Cabify e iFood têm juntas 5,5 milhões de profissionais cadastrados. Na maioria, autônomos que trabalham longas jornadas, além de uns poucos que utilizam essas plataformas como complemento da renda do trabalho formal.

O desemprego também abate desigualmente as diversas regiões do país. É maior nas regiões metropolitanas (13,8%) que fora dos grandes centros urbanos (10,6%). No Nordeste, o desemprego é um flagelo que atinge 14,6% da população. Já na região Sul a taxa chega a 8% puxada por Santa Catarina com “apenas” 6%. Na região Centro Oeste o desemprego também está abaixo da média nacional. A Bahia é o estado com o maior desemprego entre as unidades da federação, com 17,3%. O desemprego também tem sua divisão sexual. Castiga menos os homens (10,3%) e mais as mulheres (14,1%).

Segundo o IBGE, 63,7% das pessoas que se encontravam desempregadas ao final de 2017 eram pretas ou pardas. Essa parcela é também amplamente majoritária (67%) entre os ambulantes do país. O fosso se apresenta, também, na remuneração. Naquele ano, a média salarial entre os brancos era de R$ 2.757 em contraste com a média auferida pelos pretos e pardos (classificação usada pelo Instituto) de R$ 1.531.

A composição da parcela com vínculo formal é de 44 milhões de pessoas. Dessas, 33 milhões estão no setor privado, 1,8 milhões no emprego doméstico com carteira assinada, além de 7,9 milhões de servidores públicos estatutários e militares. Não é incomum encontrar nesse contingente “formalizado” pessoas que ajudam financeiramente filhos adultos, parentes ou amigos desempregados. O mesmo acontece com milhões de pessoas, na maioria idosas, que usam parte do benefício previdenciário ou assistencial para compor o orçamento da família, conformando o colchão que amortece a grave crise social que está instalada em nosso país. Para a parcela ainda empregada no setor privado, o fantasma do desemprego é um espectro a tirar o sono e a causar insegurança e medo da demissão. Para os demais, esse fantasma encarna um cotidiano dramático de carências, restrições, humilhação e dor.

Pleno emprego, ajuste fiscal e golpe
Os três primeiros governos presididos pelo PT lograram significativa redução do desemprego e aumento da formalização do trabalho com o impulso inicial do cenário internacional favorável até à irrupção da crise em 2008. A economia brasileira se beneficiou do forte crescimento econômico internacional, em particular da China, da elevação dos preços e da demanda externa por commodities, com impactos importantes nos indicadores do mercado de trabalho.

Outra variável importante foi o dinamismo do mercado interno fruto das políticas de estímulos à demanda, como a valorização do salário mínimo, a ampliação do crédito, elevação do investimento público e aumento das políticas públicas de transferências de renda. Assim, a taxa média do crescimento do PIB entre 2004 a 2010 foi da ordem de 4,5%, contra uma variação de apenas 1,6% do produto no período de 1998 a 2003.

A crise internacional não tardou a afetar a economia brasileira. Ao final de 2014, o governo optou por um ajuste fiscal que agravou a desaceleração econômica já em curso. Cortes dos gastos públicos, elevação da taxa de juros, aumento das tarifas de energia elétrica, dos preços dos combustíveis, desinvestimentos nos setores de petróleo, gás e construção civil, entre outras medidas restritivas levaram o país à recessão e aumento do desemprego.

Essas medidas teriam alto custo político, pois desarmou o campo popular e facilitou a ofensiva da direita que já articulava as manobras para derrubar o governo da presidenta Dilma.

Se em 2014 a variação do Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,1%, em 2015 o produto desabou 3,8% e a demanda doméstica despencou 6,5%, alterando uma trajetória positiva do mercado interno sobre a variação do PIB desde 2004. Essa situação foi agravada pela crise política instalada pelas manobras da direita e pelos reflexos da operação Lava-Jato sobre os níveis de emprego na construção civil e nas cadeias do petróleo e gás.

Após o golpe de 2016, a aprovação da Emenda Constitucional 95 institucionalizou um torniquete fiscal duradouro com efeitos evidentes sobre a atividade econômica já garroteada.

Discurso surrado
Com o surrado discurso de que o desemprego é consequência do excesso de regulamentação e rigidez do mercado de trabalho, os promotores do golpe aprovaram uma reforma trabalhista que legalizou diversas formas de contratação barata e precária da força de trabalho, institucionalizando o bico e o subemprego. Além das medidas de desregulação do trabalho, a política econômica adotada desde o governo Temer agravou o viés contracionista e recessivo. Ao final de 2016, o PIB marcaria um mergulho de 3,6% que elevou o desemprego ao patamar de 12% e seguiria – como já mencionado – em marcha ascendente até o primeiro trimestre de 2017, quando bateu 13,7%.

O governo Bolsonaro com o ultraliberal Paulo Guedes à frente do Ministério da Fazenda arrochou, ainda mais, o garrote sobre investimentos e gastos estatais nas mais diversas áreas. Aprovou uma reforma da Previdência pela qual o Estado deixará de repassar aos trabalhadores e trabalhadoras cerca de R$ 4,5 trilhões em vinte anos, reduzindo fortemente a renda e o poder de compra das famílias e a atividade econômica do país. Em meio à queda dos rendimentos do trabalho, Bolsonaro patrocina o fim da política de valorização do salário mínimo, que foi fundamental para reduzir desigualdades e ampliar a demanda interna. Se dependesse apenas da correção pela inflação do ano anterior, como acaba fazer Bolsonaro, o valor do salário mínimo seria hoje de apenas R$ 573.

Desemprego como mecanismo de controle social
O desemprego atua quase sempre como disciplinador da rebeldia das forças do trabalho contra o capital, além de ser muito eficiente para pressionar para baixo os salários. A rigor, é um mecanismo efetivo de controle social. O levantamento anual do Dieese sobre negociações salariais e balanço das greves confirma o fenômeno.

Em 2013, o levantamento apontou 1.112 greves no setor privado. Em 2014, os trabalhadores brasileiros cruzaram os braços em 1012 greves. Em 2015 o número caiu para 966 e teve pequena oscilação positiva no ano seguinte, com 1000 paralisações, mas despencou para 748 greves em 2017. O número de movimentos paredistas manteve trajetória de queda em 2018, com 655 paralisações, sendo 369 no primeiro semestre.

Durante os primeiros seis meses de governo Bolsonaro houve apenas 268 greves no setor privado o país. O altíssimo desemprego ajuda a explicar as dificuldades de mobilização da classe trabalhadora, em particular em um momento em que os níveis de desocupação estacionaram em patamar tão elevado.

Necessidades reais das pessoas
A luta para derrotar Bolsonaro e os projetos do capital financeiro em curso exige uma forte conexão das esquerdas com as necessidades mais sentidas pelo povo. Iniciativa que merece apoio é o projeto apresentado pelo nosso bravo deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que institui o Fundo Nacional de Garantia do Emprego.

O projeto visa garantir pleno emprego, redução das desigualdades sociais e regionais, desenvolvimento econômico, social e ambiental, estabelecendo um Estado garantidor de emprego da força de trabalho excedente. Com execução a partir dos municípios, o projeto prevê recursos financeiros orientados ao atendimento das demandas nas áreas de infraestrutura social como moradia, saneamento básico, cultura, esporte, lazer e cuidados aos idosos e demais necessitados, além de recompor o reflorestamento e reparação de danos ambientais.

Com a proposta, o deputado Glauber Braga vai na jugular do discurso que advoga uma falsa crise fiscal para justificar o desmonte do papel social do Estado e orientador do desenvolvimento econômico do país. Num cenário persistente de capacidade ociosa, o projeto vai à raiz do problema e não se intimida em afirmar que “é o gasto do governo que cria moeda e não a disponibilidade de moeda que viabiliza os gastos do governo”.

Merece atenção, também, a iniciativa unitária dos partidos de esquerda no Congresso Nacional, como o PSOL, que apresentaram quinze medidas emergenciais como a reativação do programa Minha Casa Minha Vida e das obras paralisadas, aumento real do salário mínimo, expansão do Bolsa Família, renegociação das dívidas das famílias, correção da tabela de imposto de renda e fim das privatizações, entre outras medidas, com capacidade de criar, no curto e médio prazos, mais de sete milhões de novos postos de trabalho.

Assessoradas pelo Dieese, as centrais sindicais também vêm defendendo um conjunto de medidas de combate ao desemprego e à queda da renda. Combate à informalidade, ampliação das parcelas do seguro-desemprego e das políticas de amparo aos desempregados e promoção de direitos para os trabalhadores de aplicativos compõem as propostas unitárias das centrais sindicais. Num quadro de aceleração da introdução de novas tecnologias poupadoras de trabalho humano, recoloca-se, também, a necessidade da redução da jornada de trabalho, que no Brasil se afigura como uma das mais elevadas do mundo.

Os cálculos realizados pelo Dieese apontam para a geração de mais de 3,5 milhões de novos postos de trabalho com a redução de 44 para 40 horas de trabalho semanal. A diminuição da jornada máxima legal de trabalho se tornou ainda mais urgente após a aprovação da reforma da Previdência que estendeu, em vários anos, o tempo de vida destinado ao trabalho. Muito mais anos de trabalho ao longo da vida requer redução na jornada laboral diária e semanal.

Diante das dificuldades de mobilização neste momento é fundamental obter vitórias parciais. Nesse sentido, é muito importante estimular lutas por medidas emergenciais, como passe livre para pessoas desempregadas, moratória de impostos (como o IPTU), tarifas sociais de água, luz, gás de cozinha, frentes de trabalho, retomada das obras e investimentos públicos. Essas lutas imediatas podem dar musculatura social para enfrentar o desmonte do Estado, as privatizações, as ameaças à soberania nacional e à democracia.

Edson Carneiro Índio é Secretário Geral da Intersindical

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