PUBLICADO EM 20 de jan de 2021
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A negação da negação (ou “pega na mentira”)

Diante da “nova” tendência dos bolsonaristas em renegarem aquilo que afirmavam taxativamente como verdades até bem pouco tempo atrás, tive a ideia de escrever um texto intitulado “A negação da negação” e fazer uma análise jocosa e debochada da exótica e hipócrita “dialética bolsonariana”.

Mas não! Resolvi simplificar a coisa toda. Em vez de algo rebuscado e cheio de maneirismos, melhor ir direto ao ponto e dar nome aquilo que realmente se passa. Como na música: “pega na mentira!”.

A sucessão de fatos e episódios onde o Presidente – e seus seguidores – usaram e abusaram da mentira deslavada como forma de enganação, confusão e conflito merecia um compêndio ou até um “bolsonarômetro”, com registro de falas, atos, postagens, por data e tema.

Assim seria possível, sem margem para qualquer dúvida ou parcialidade, escancarar o método vil, covarde e rasteiro de podridão que coordena o discurso e a narrativa doentia responsável pela falência do Brasil como Estado e Sociedade.

A crise humanitária desencadeada pela pandemia atravessou quase um ano inteiro sob o manto da desinformação, lançando mão do obscurantismo, da negação das sentenças científicas, da afronta às recomendações médicas e sanitárias, da exaltação da economia em relação à vida, do estímulo à desobediência, da mobilização das falanges digitais para semear medo e ódio.

Agora, ultrapassada a marca das 200 mil mortes e com a questão da vacinação no centro das preocupações da população – agravada pelo quadro trágico de Manaus – o desgoverno adota uma estratégia de negar suas próprias indicações anteriores e com incrível desfaçatez se põe a refutar tudo aquilo que sustentou à revelia da verdade, da ciência e da defesa da vida.

A vacina – outrora rechaçada – passou a ter novo discurso: era questão de cuidado e prevenção com a saúde do povo; o kit cloroquina, induzido pelo Presidente, nunca fora sugerido; o incentivo à aglomeração, abertura e funcionamento de todas as atividades jamais ocorrera, embora Bolsonaro tenha aparecido publicamente sem máscara e reunido com grande número de pessoas; a oposição a qualquer medida preventiva – arrancada a força por governadores e prefeitos – junto ao STF teria impedido a ação do Governo Federal; os altos números de contágio e óbito são resultado do descuido das pessoas.

Enfim, para cada mentira, negligência e omissão, em todos os lances de negacionismo – explícito e militante – surge uma versão também negacionista, disseminada com extraordinária rapidez e massividade pelos meios informáticos e com o apoio fanático dos grupos bolsonaristas.

Trata-se do triunfo do que de pior pode existir em termos de debate público, sinal inequívoco de putrefação do tecido social. A negação da negação é a mentira da mentira. Não basta repetir a mentira mil vezes, é preciso também contar mil mentiras. Para frustração e desespero daqueles que lutam pelo restabelecimento da Democracia no país, a prática tem surtido relativo efeito e sucesso.

Basta para instalar um regime de exceção ter um contingente convicto do golpe de força. Não à toa, o “mito” fez declarações acintosas sobre Democracia e Ditadura, apontando as FFAA como uma espécie de juiz para uma ou outra, num rasgo ameaçador como lhe é de costume.

Enquanto isso, a nova feição do negacionismo, a par das suas evidentes contradições e falsidades, continua a cumprir seu papel de mobilização, polarização e guerra cultural, seja por ingenuidade, credulidade, despolitização ou má-fé.

Pegos na mentira, mas sem rubor, nem pudor, os comandantes e seus comandados seguem a toada que lhes alçou ao poder e lhes dá momentânea hegemonia, com planos para fundar um Reich pra chamar de seu.

Fica a pergunta: a verdade vos libertará?

Alex Saratt é professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS, vice-diretor do 32º núcleo do Cpers-Sindicato

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