PUBLICADO EM 16 de ago de 2020
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A conta não fecha

Vivemos um momento que não é meramente conjuntural ou circunstancial. Em que pesem os êxitos das experiências socialistas e a resistência nacionalista de algumas nações, a realidade histórica aponta para um amplo domínio do neoliberalismo, acompanhado de um terrível parceiro: o neofascismo.

A crise de 2008 parecia apontar para uma possibilidade de superação definitiva dos ditames neoliberais, acreditavam muitos, embora outros não deixassem de assinalar que a crise seria “longa, extensa, profunda e duradoura” e que o Capital encontraria saídas – por óbvio, radicais – para sua crise mediante sua reorganização estrutural, geopolítica e ideológica.

Eis então 2020. Fora “Os Simpsons”, quem preveria Trump na presidência da maior potência do planeta? Deputados neonazistas no Parlamento alemão? Adoradores da Ditadura Militar brasileira no poder? Fascismo espraiado no Leste Europeu, então? E o Brexit? O fato que a crise de legitimidade da burguesia não foi vencida por forças contrárias ou opostas à ela, nenhuma vaga revolucionária teve vez (a Primavera Árabe resultou na invasão da Líbia, genocídio na Síria, ditadura no Egito, recrudescimento do absolutismo saudita, guerra no Iêmen, protoditadura na Turquia, Estado Islâmico como força beligerante com domínio territorial).

Na América Latina o ciclo progressista entrou em refluxo, menos pelos seus feitos e mais pelos não-feitos, limites e subestimações. Além da resistência heróica e histórica de Cuba resta a Venezuela. No mais, retrocessos mais ou menos agudos, com a Argentina destoando momentaneamente e o México com um processo ainda difícil de certificar como sólido.

Enfim, o cenário político não foge e nem escapa do que fundamenta a nova trilha capitalista: neoliberalismo redivivo, revolução tecnológica intensa e excludente, obscurantismo generalizado. Esse tripé tem desdobramentos ideológicos poderosos e cria um universo mental capaz de fazer com que “o oprimido pense como o opressor”.

Na América Latina o ciclo progressista entrou em refluxo, menos pelos seus feitos e mais pelos não-feitos, limites e subestimações. Além da resistência heróica e histórica de Cuba resta a Venezuela. No mais, retrocessos mais ou menos agudos, com a Argentina destoando momentaneamente e o México com um processo ainda difícil de certificar como sólido.

Enfim, o cenário político não foge e nem escapa do que fundamenta a nova trilha capitalista: neoliberalismo redivivo, revolução tecnológica intensa e excludente, obscurantismo generalizado. Esse tripé tem desdobramentos ideológicos poderosos e cria um universo mental capaz de fazer com que “o oprimido pense como o opressor”.

A conta não fecha: trabalhadores aprovam ou não refutam e nem combatem o fim das legislações trabalhistas protetivas e beneficiárias; população mais vulnerável e empobrecida apóia medidas de contenção fiscal e de redução do gasto público; pessoas dependentes dos serviços públicos essenciais – saúde, educação, moradia, segurança, transporte, emprego – aplaudem a privatização ou criticam veementemente as políticas públicas como ineficientes, ineficazes e onerosas.

Mas cabe perguntar-se “por quê?”. Esse é um desafio nada formal ou simplista de ser resolvido. À crise econômica e sua ofensiva burguesa e capitalista também se soma uma outra crise: a da democracia representativa. Ou talvez se deva incluir a crise das Esquerdas, seja na tática, seja na estratégia, seja na sua organização, mobilização e discurso.

Não existe mágica, nem milagre, nem acaso, a resolução deve nascer de um exame rigoroso e responsável, acompanhado de posturas e atitudes concretas. O povo, os trabalhadores e trabalhadoras, as “minorias”, os excluídos, enfim, aqueles que são explorados, dominados, oprimidos pelo poder do Capital em suas formas políticas, econômicas e culturais precisam ser reencontrados no discurso, programa e prática das organizações de cunho progressista, democrático e emancipador.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra talvez seja um dos que primeiro ou melhor compreendeu a questão. Suas iniciativas de distribuição da produção agrícola aos carentes coloca a ação à frente e articulada com a educação política do povo. A “Pedagogia do Exemplo” e a conexão direta com as necessidades básicas da população surte efeito.

A organização e luta dos trabalhadores precarizados dos aplicativos também computa favoravelmente para criar relações e consciência num segmento exposto às duras e extensas jornadas laborais. Seus “breques” abrem espaço para o debate sobre os direitos trabalhistas e humanos num quadro de deterioração acelerada dos requisitos mínimos de cobertura e garantias.

A proposição de unidade política entre partidos e entidades do campo popular como condição para enfrentar o fascismo e o neoliberalismo também traz consigo dados e perspectivas positivas. Ampla ou não, é com ela que se moldará uma plataforma consequente e exequível, porém é preciso que sejam vencidas indisposições, particularismos e desinteligências, em especial aquelas relacionadas aos objetivos eleitorais e eleitoreiros.

Repito: a conta não fecha! O povo, açoitado pela crise do trabalho, emprego, salário e renda, abandonado à morte pela necropolítica, desprovido de expectativas otimistas, cede facilmente a qualquer aceno demagógico, benemérito e salvacionista. Recuperar as dimensões civilizatórias, humanistas e racionais da existência dos sujeitos se transforma numa tarefa múltipla: objetiva e subjetiva.

Colocar a Vida, o Trabalho, os Direitos, a Democracia, a Liberdade e o Desenvolvimento como elementos estruturantes e diretrizes maiúsculas, está na ordem do dia. Enquanto a conta não fecha, a maioria tateia pelo método de tentativa e erro. Mostremos o que é certo: nas falas que educam e conscientizam, nas práticas que confirmam e autorizam.

Alex Saratt é professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS, vice-diretor do 32º núcleo do Cpers-Sindicato

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