PUBLICADO EM 04 de maio de 2024
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A crise de representatividade é um problema de todas as instituições democráticas

Para o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto, a crise dos sindicatos no Brasil tem sido agravada pela falta de regulamentação das redes sociais

Trabalhadores da Construção Civil em Sauipe-PE/Foto: J Goncalves

Trabalhadores da Construção Civil em Sauipe-PE/Foto: J Goncalves

Por Jaqueline Deister na Agência Pulsar

Na última quarta-feira (1°), como em todos os anos, foi comemorado o Dia do Trabalhador. Além de celebrar a luta dos homens e mulheres que histórica e cotidianamente constroem o mundo à nossa volta, a data serve também para refletir sobre as condições de trabalho – e, portanto, de vida – a que milhões de pessoas são submetidas todos os dias em diversas partes do país e do planeta.

No Brasil, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, atualmente, mais de 100 milhões de pessoas estão trabalhando no país, o que equivale a 58% da população de 14 anos ou mais de idade. O índice é o mais alto registrado desde 2014 e confirma o movimento de recuperação do emprego do país após os anos sob a pandemia de Covid-19. Além disso, nos últimos anos os trabalhadores brasileiros puderam comemorar algumas conquistas como, por exemplo, a retomada da política de valorização do salário mínimo, a publicação da Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023) entre mulheres e homens e a retomada das políticas de apoio à agricultura familiar.

Tais conquistas, contudo, só foram possíveis através da organização dos trabalhadores em entidades representativas como os já tão conhecidos sindicatos. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a atuação dos sindicatos em negociações coletivas foi responsável por garantir, em 2023, que 77% dos reajustes salariais no Brasil tivessem ganhos reais, ou seja, acima da inflação. Segundo o Departamento, 17% dos reajustes alcançaram o índice inflacionário e apenas 6% tiveram perdas.

Todavia, apesar da importância, nas últimas décadas – e sobretudo nos últimos anos, após a aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017 – os sindicatos têm sofrido com sucessivos ataques e enfrentado um processo de esvaziamento contínuo. De acordo com o IBGE, de 2012 a 2022 os sindicatos brasileiros perderam cerca de 5,3 milhões de trabalhadores filiados. A última pesquisa sobre o tema registra que, em 2022, das 99,6 milhões de pessoas ocupadas no país, apenas 9,1 milhões eram associadas a sindicatos.

 

 

Fausto Augusto Jr, Diretor Técnico do DIEESE/Foto: Roberto Parizotti

Fausto Augusto Jr, Diretor Técnico do DIEESE/Foto: Roberto Parizotti

De acordo com o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior, tal queda se deve a uma “crise geral de representação” enfrentada por diversas sociedades no mundo e pela dificuldade das organizações e movimentos dos trabalhadores para lidar com os problemas atuais colocados, sobretudo, pelo intenso avanço e desenvolvimento das tecnologias digitais.

Representação

Segundo o pesquisador, a desconfiança crescente, nos últimos anos, em relação aos sindicatos não é um problema apenas das organizações dos trabalhadores, mas das instituições políticas como um todo. Uma questão que, conforme ele, está diretamente ligada ao modo como as redes sociais têm influenciado e até mesmo reorganizado o debate público.

“O que a gente tem assistido, em todas as avaliações, é uma análise separada. Você tem uma matéria dizendo que os partidos estão em crise, outra que o Congresso é mal avaliado, outra que o Judiciário é isso, outra ainda que o sindicato é aquilo. Na verdade, o que nós vivemos hoje é, sim, uma crise geral das instituições da democracia liberal da qual o sindicato faz parte”, explicou

“O sindicato é um sujeito desse processo de representação coletiva que, de alguma forma, tem sido afetado pelas relações das pessoas cada vez mais mediadas pela tecnologia. As redes sociais, em geral, têm afetado a própria ideia da representação coletiva. Eu acho que é por aí que a gente deveria olhar com mais atenção”, pontuou.

Engajamento

Para Fausto, além de aprofundar um processo de pulverização da opinião pública – como o experimentado nas manifestações de 2013, no Brasil – as redes sociais têm enfraquecido as representações coletivas ao privilegiarem a promoção de conflitos ao invés da construção de consensos.

“É a questão do ‘termo do meio’. Qualquer acordo é um termo do meio. Você está pegando conflitos diferenciados, visões diferentes e você tem que chegar em um consenso. Não vai ser tudo o que eu quero, e nem vai ser tudo o que o outro quer. Vai ser o meio do caminho. Este meio do caminho não mobiliza as pessoas no mundo virtual. O engajamento se dá pelo conflito, pela visão mais radicalizada, pela fala mais contundente. Esse movimento pode levar à mobilização, a um golpe de Estado, a muitas coisas. Mas dificilmente vai levar a um acordo”, analisou.

Ferramentas

Sobre as vias e estratégias para reverter este quadro, o diretor técnico do Dieese elenca três pontos principais: compreender a realidade que se apresenta; atualizar os mecanismos de luta; e desenvolver dispositivos legais que “acomodem” e regulem essas novas formas de representação. Tarefas que, segundo Fausto, demandam tempo e, principalmente, um grande esforço coletivo e integrado de diversos setores da sociedade.

“Eu tenho chamado atenção que nós temos usado as ferramentas do século XX para tentar resolver os problemas do século XXI. Eu brinco sempre com a ideia de que é como se estivéssemos apertando uma porca com um alicate. Eu posso apertar, mas ela come as laterais, o aperto não fica perfeito, e de certo modo é isso que nós estamos fazendo. Nós, hoje, não temos ferramentas nem teóricas nem de organização para dar conta deste novo mundo que surgiu”, reconhece o pesquisador.

“Nós não estamos falando só de uma crise como a gente falava há 10 ou 15 anos do movimento sindical, que era um problema muitas vezes interno, de financiamento, de renovação de lideranças. Tudo isso o movimento sindical tem e precisa resolver esses problemas passados que não foram resolvidos. O problema é que eles foram somados a um conjunto novo de problemas futuros que, de fato, não é um problema só dele, mas é um problema social geral”, concluiu.

Fonte: Por Jaqueline Deister na Agência Pulsar

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