
Na história do capitalismo a violência política moldou a sociedade americana.
Por J.E. Rosenberg
Nas horas imediatamente após o assassinato do ativista de direita Charlie Kirk, nos EUA, a grande imprensa corporativa e as redes sociais foram inundadas por políticos e comentaristas declarando coisas como: “Não é assim que fazemos as coisas nos Estados Unidos” ou, em uma formulação mais chauvinista, “Esse tipo de coisa acontece em países do Terceiro Mundo, não aqui.” O governador de Utah, Spencer Cox, chegou a dizer que rezava para que o atirador fosse estrangeiro, porque não queria acreditar que um cidadão norte-americano pudesse ser o responsável.
Condenar o terrorismo político é correto, mas a negação sobre a prevalência da violência política dentro dos Estados Unidos — e praticada no exterior pelo país —, hoje e ao longo de toda a sua história, é estarrecedora.
Alguns comentaristas apontaram para a onda dos últimos anos. Além do assassinato de Charlie Kirk, em junho deste ano, a deputada estadual Melissa Hortman, de Minnesota, e seu marido foram mortos em um ataque de motivação política. O senador estadual John Hoffman e sua esposa ficaram feridos. O assassino de extrema-direita carregava uma lista com mais democratas que planejava matar.
Antes disso, em abril, a residência oficial do governador da Pensilvânia foi atacada com coquetéis molotov em outro ato de violência política. E, no ano anterior, em julho, um aspirante a assassino tentou matar o então candidato presidencial Donald Trump em um comício de campanha.
Sim, assassinatos direcionados podem ter aumentado recentemente, mas os EUA são um país que sempre viveu episódios frequentes de violência política.
Histórico de violencia política
Quatro presidentes em exercício foram assassinados, e pelo menos outros três sobreviveram a tentativas.
Em 1865, o presidente Abraham Lincoln foi baleado por um simpatizante confederado que via o líder — que acabara de preservar a União e ajudar a pôr fim à escravidão — como um tirano.
Em 1950, um grupo de porto-riquenhos com perspectivas anticoloniais tentou matar o presidente Harry Truman como forma de chamar atenção para a situação de Porto Rico sob domínio norte-americano.
Os presidentes são as vítimas mais famosas, mas estão longe de serem as únicas.
Membros do Congresso, incluindo os senadores Robert F. Kennedy e Huey P. Long, foram assassinados a tiros enquanto exerciam o cargo.
Líderes fora da política institucional também foram alvos: o reverendo Martin Luther King Jr. e Malcolm X, duas das vozes mais importantes do movimento dos direitos civis, foram assassinados.
Violência é mais do que obra de indivíduos
E a violência política nos EUA nunca foi apenas obra de indivíduos isolados. O próprio governo, por muito tempo, tem sido o maior perpetrador. De assassinatos direcionados a massacres, as autoridades norte-americanas usaram a violência como ferramenta política sempre que consideraram conveniente.
Em 1969, o FBI assassinou Fred Hampton, o jovem líder em Chicago do Partido dos Panteras Negras. Drogado por um informante do FBI, Hampton foi morto a tiros em sua cama durante uma operação de madrugada, em que a polícia disparou quase 100 balas.
Em 1985, a polícia da Filadélfia lançou uma bomba de uso militar contra a sede do grupo de libertação negra MOVE, matando 11 pessoas — incluindo cinco crianças. A polícia permitiu que o incêndio se alastrasse, destruindo mais de 60 casas na vizinhança.
Violência contra trabalhadores
O terror de Estado sempre foi usado não apenas contra radicais, mas contra a própria classe trabalhadora.
Dos linchamentos que aterrorizaram comunidades negras e sustentaram o sistema de trabalho barato das leis Jim Crow, ao Massacre do Dia da Memória de 1937, quando a polícia de Chicago abriu fogo contra metalúrgicos em greve, até o Massacre de Ludlow em 1914, quando os guardas privados da família Rockefeller e a Guarda Nacional massacraram mineiros grevistas e suas famílias — o capital sempre respondeu às demandas dos trabalhadores com violência.
A violência é o meio pelo qual a classe dominante mantém os salários baixos, os movimentos fracos e seus lucros assegurados.
EUA promoveu violência pelo mundo
O governo dos EUA não comete violência política apenas em casa; ele também a exporta para o exterior. A CIA apoiou golpes, assassinatos e campanhas de terror em todo o mundo, sempre em defesa dos interesses corporativos e imperialistas.
Em 1961, a CIA orquestrou a derrubada e o assassinato de Patrice Lumumba, o primeiro primeiro-ministro democraticamente eleito do Congo, por ser considerado “amistoso demais” com a União Soviética. O Congo nunca se recuperou, condenado a décadas de instabilidade política e violência.
Entre 1965 e 1966, os EUA ajudaram a viabilizar o genocídio na Indonésia. Com apoio da CIA, o exército indonésio e milícias aliadas massacraram entre 500 mil e 1 milhão de suspeitos de serem comunistas, sindicalistas e militantes de esquerda — exterminando um dos maiores movimentos operários do mundo.
Em 1973, Washington auxiliou generais chilenos em seu golpe contra Salvador Allende, o presidente socialista eleito do Chile, que morreu tentando salvar a democracia em seu país. A derrubada de Allende abriu caminho para uma ditadura fascista de décadas sob o comando do general Augusto Pinochet, que deixou dezenas de milhares de mortos, torturados ou desaparecidos.
Genocídio na Palestina
E neste exato momento, os Estados Unidos estão fornecendo e apoiando níveis genocidas de violência política contra o povo palestino. Pior: declararam que até mesmo questionar esse apoio constitui uma “retórica perigosa”, reprimida com ainda mais violência política patrocinada pelo Estado — como na prisão ilegal de Mahmoud Khalil.
O capitalismo é construído sobre o derramamento de sangue
Estes são apenas alguns exemplos do longo e sangrento histórico de violência política dos Estados Unidos. Que políticos contemporâneos reajam com surpresa ao assassinato de Charlie Kirk — como se tais atos fossem estranhos à realidade dos EUA — mostra o quão desconectados da realidade eles estão.
A violência política não é algo “estrangeiro” nem uma aberração. Não é simplesmente “cultura americana”. Ela é a lógica do próprio capitalismo, um sistema que depende do terror — em casa e no exterior — para defender os lucros e o poder da classe dominante.
Do genocídio das nações indígenas às patrulhas da escravidão, dos fura-greves ao COINTELPRO, dos golpes militares aos ataques com drones, a classe dominante sempre se apoiou na violência para proteger sua riqueza e poder.
A classe dominante dos EUA pratica a violência não porque os norte-americanos sejam um povo particularmente violento, mas porque o capitalismo é construído sobre o derramamento de sangue.
Portanto, quando políticos dos EUA agem com choque diante do assassinato de Kirk, eles não estão dizendo a verdade. Estão praticando negação. Estão tentando apagar a história e esconder o presente sangrento. A violência política não é algo alheio: ela é a linguagem do capital. Enquanto o capital governar, a violência continuará sendo seu instrumento de escolha.
J.E. Rosenberg é jornalista e escreve para o site People´s World.
Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy.
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