Desde que Geraldo Alckmin compareceu a um evento do grupo Esquerda Pra Valer, do PSDB, no dia 20 de outubro, e sustentou ideias caras ao pensamento progressista como: “o liberalismo completo, é a incivilização, porque é o grande comer o pequeno, o forte massacrar o fraco”, o nome de Fernando Guimarães começou a aparecer na mídia. Formado em ciências sociais e pós-graduado em gestão pública e teoria política, no Chile, o Líder do Esquerda Pra Valer filiou-se ao partido quando era muito jovem, movido, principalmente, por uma grande admiração ao ex-governador de São Paulo, Franco Montoro. Fernando chegou a ser diretor da UNE na gestão do Ricardo Capelli, depois de disputar e ganhar a vaga de representante da faculdade de ciências sociais da USP na UNE, em 1997.
Para ele ser tucano é muito mais do que ser filiado ao PSDB. Tucano é aquele que defende o parlamentarismo, a sustentabilidade, a democracia e os direitos humanos. Por isso ele afirma que João Dória, por exemplo, filiou-se ao partido muito mais por um sentimento anti petista do que por identidade ideológica. “Ele é de direita e chegou com uma agenda própria”, me disse Fernando na tarde de quarta feira na lanchonete da Assembleia Legislativa, onde trabalha com o deputado estadual Carlos Bezerra Junior. Antes de ir embora eu ainda perguntei: o que acha de uma chapa Geraldo Alckmin e Aldo Rebelo? “Acho ótimo”, respondeu.
Leia aqui toda a entrevista.
Por Carolina Maria Ruy
Rádio Peão Brasil: Por que o PSDB?
Fernando Guimarães: Isso veio de DNA. Antes de surgir o PSDB eu admirava muito o Franco Montoro. Quando ele foi candidato a governador, eu tinha lá meus oitos anos de idade, depois veio a campanha pelas Diretas Já! e eu acompanhei tudo aquilo. Aquele processo me emocionou tanto que falei: é isso que quero fazer da vida. Quando surgiu o PSDB, com Montoro sendo um dos fundadores, pensei “já tenho um partido”. Eu ainda tinha treze anos, mesmo assim fui procurar a partido e me falaram para procurar o “clube dos tucaninhos”, até os 16. Aí eu militei no diretório de Santana, participei das campanhas do Serra, em 1988, do Covas para presidência em 1989, e do Covas para governador em 1990. Em 1991, como eu já tinha 16 anos, comecei a participar mais ativamente da juventude do partido, já como filiado.
RPB: Como surgiu a ideia de criar o grupo “Esquerda Pra Valer”?
Fernando: O movimento tem duas fases. A primeira começou em 1993, em um Congresso Nacional do PSDB em São Paulo, no qual a principal discussão era uma possível aproximação com o PFL, porque não estava se viabilizando uma aliança com o PT.
Um grupo da Bahia iniciou então um movimento, com faixas, camisetas e adesivos com os dizeres: “Movimento 25 de junho, PSDB esquerda pra valer”. O nome “25 de junho” se refere à data de fundação do partido, e a carta programática é desta data. Então o slogan cobrava compromisso com a carta. O movimento foi um sucesso e deu início a uma tradição da militância tucana mais progressista, durante os congressos, se colocar do lado esquerdo do palco entoando o grito “PSDB Esquerda Pra Valer”.
O “Movimento 25 de junho” teve muito influencia na formação dos quadros da juventude do partido. Até 2003 o comando da juventude nacional e na maioria dos estados, foi liderado por esse grupo. Por volta de 2003, como boa parte dos quadros do Movimento deixaram o partido, aqueles que ficaram, inclusive eu, demos continuidade através do “Esquerda Pra Valer”.
RPB: Qual é a expressão desse grupo dentro do partido?
Fernando: Nós nunca tivemos uma ambição quantitativa. Valorizamos a discussão política, o debate qualificado. Temos lideranças, dirigentes partidários e parlamentares importantes e uma presença forte principalmente nas épocas dos congressos. Temos muita influencia no debate e na produção das teses. Por exemplo, no congresso estadual de 2007, em São Paulo, realizado na Praia Grande, das 45 teses que levamos, 42 foram aprovadas.
O movimento abrange lideranças de diversos segmentos, como do Tucanafro, do PSDB Mulher, da JPSDB, da Diversidade Tucana, e quando precisamos articular um projeto maior ganhamos uma dimensão importante.
RPB: O grupo dá um tom mais ideológico?
Fernando: Sim. Temos um grupo chamado “Líderes do PSDB Esquerda Pra Valer” com 160 lideranças, de 14 estados. Nos comunicamos 24 horas por dia pelo Whatsapp, temos uma reunião orgânica por mês e realizamos anualmente um congresso nacional. Isso tudo para chegar em uma sintonia fina sobre o que representa o movimento. No Facebook temos um grupo ampliado, com cerca de 5.500 pessoas, para todos os militantes do partido que queiram participar do movimento.
RPB: A que tipo de resolução vocês chegam?
Fernando: Temos um manifesto do movimento, atualizado anualmente nos congressos. Também a cada congresso lançamos uma carta com a nossa visão sobre o quadro político, além de um caderno de teses com 45 propostas do movimento, onde se percebe o caráter progressista do grupo. Vou dar um exemplo: conseguimos aprovar no congresso estadual do partido, em 2013, a tese do financiamento público exclusivo de campanha. Temos desde teses sobre a reforma política até posições sobre interesses da sociedade.
RPB: E sobre questões morais, muito em pauta hoje através de exposições de arte e debates. A chamada ideologia de gênero, a liberdade dos artistas etc. Vocês tem posição fechada sobre o assunto?
Fernando: O PSDB tem história nesse campo. Temos posições muito progressistas. Lideranças da diversidade tucana são muito fortes no movimento. E os governos do Serra e do Alckmin foram exemplares com relação à política LGBT.
RPB: Como você avalia os anos de governo FHC?
Fernando: Tenho uma avaliação positiva. Em 1993, 1994, durante o governo Itamar Franco, chegou a haver uma conversa sobre construir uma chapa entre PT e PSDB. Mas quando eles (PT) perceberam que o Plano Real projetaria o Fernando Henrique, pularam fora desse diálogo. E, ao não apoiar o Plano Real, forçou o PSDB, para ter governabilidade, a se aliar com o PFL. Aquela situação que citei a pouco. E o Fernando foi muito cuidadoso em, após construir o Plano de governo, elaborado pelo ministro Paulo Renato, imprimi-lo em 500 mil livros para distribuir nas bibliotecas brasileiras e, assim, para amarrar o PFL.
E o governo teve um avanço social muito grande. Conseguimos realizar a maior reforma agrária da história, fato reconhecido pelo próprio Fidel Castro, que disse que era a maior do ocidente. Foi uma reforma agrária muito mais significativa que a do Lula, muito maior, e com a diferença que foi em cima de latifúndios, enquanto a do Lula foi sobre terras estatais. Além disso, houve a universalização do ensino fundamental, chegando a 98% de matrícula. Sem falar dos enormes avanços na área dos direitos humanos. Foi um governo muito progressista, dentro do possível.
RPB: Como você avalia as privatizações, como a da Telebrás e a da Vale do Rio Doce?
Fernando: As privatizações precisam ser avaliadas caso a caso. Hoje a socialdemocracia entende que em alguns momentos é positivo privatizar e em outros é necessário estatizar. Naquele momento FHC optou por privatizar alguns setores para viabilizar políticas sociais. E conseguiu bons valores. Mas ele não privatizou serviços como o João Dória faz aqui na capital paulista.
Por exemplo, a Telebrás, que você citou, ele passou o primeiro mandato inteiro fazendo gestão pública na empresa para que ela chegasse ao seu melhor patamar e aí privatizar. É diferente de querer vender a São Paulo Turismo no primeiro ano de mandato.
RPB: O João Dória tem sido criticado dentro do próprio partido. Como você e o grupo “Esquerda Pra Valer” avaliam o desempenho do prefeito?
Fernando: O Dória é de direita. Apesar de ele não assumir, o que acho estranho, porque isso é evidente. Não conheço nenhum analista político que tenha coragem de dizer ao contrário. A posição dele é neoliberal. E o neoliberalismo é a posição da direita. Ele, na verdade, está muito longe do ideário do PSDB, do ideário socialdemocrata. Ele ganhou as prévias, sem que houvesse nenhum debate de teses do partido. Ele nunca ouviu o que o partido pensa sobre gestão pública e já chegou com uma agenda pronta. Colocou o projeto de privatizar tudo, sem discutir, sem nenhuma análise, como um rolo compressor, rejeitando, por exemplo, a proposta de uma vereadora do PSDB, a Patrícia Bezerra, de que houvesse um plebiscito sobre o tema.
Claro que ele tem legitimidade para propor essa agenda, afinal ele ganhou a eleição. No entanto existe também um poder legislativo, além da questão da democracia participativa, que pressupõe que em questões vitais, como propor a privatização de todo o patrimônio da cidade, a sociedade seja consultada. E, neste ponto o prefeito se contradiz porque em seu programa de governo está expressa a defesa de mecanismos para ampliar a democracia.
Em resumo, eu vejo o Dória muito mais como um antipetista do que como um tucano.
É muito diferente ser “tucano” e ser apenas “filiado ao PSDB”. Tucano é aquele que tem compromissos doutrinários com nossos valores. O PSDB tem como bases quatro doutrinas, expressas no nosso programa: o socialismo democrático, a social democracia, a democracia cristã e o social liberalismo. Nenhuma destas correntes dialoga com o neoliberalismo. Talvez a mais próxima seja o social liberalismo que sempre foi um campo minoritário e pouco expressivo dentro do partido. Portanto quando alguém se filia por defender o parlamentarismo, a sustentabilidade, democracia e direitos humanos, é alguém que tem identidade com o partido. É um tucano. Agora, quando alguém simplesmente se filia por interesse eleitoral ou apenas preenche a ficha de filiação na internet, sem conhecer nosso programa e nossas ideias, eles não têm essa identidade. Acontece que boa parte dos nossos filiados vieram com um sentimento de “anti-petismo”.
RPB: Como você avalia os governos do PT?
Fernando: O PT e o PSDB ocupam o mesmo espaço no campo ideológico. São partidos de centro-esquerda. Há muita convergência. Se você olhar os programas dos dois partidos e os planos de governo dos candidatos você encontrará muito mais convergências do que divergências. Tudo o que o PT criticou no governo FHC, de fazer a aliança com o PFL, etc, foi exatamente o que eles reproduziram em 2002, em suas alianças e na Carta aos Brasileiros para obter apoio do empresariado e ser mais palatável para a mídia.
O governo Lula deu continuidade à política econômica do governo FHC, às políticas sociais, modificando e ampliando alguns programas, cortando outros. Mas, dá para dizer que ambos os governos tiveram compromisso social.
Agora vamos ao que difere. O PSDB sempre teve uma visão mais desprendida do poder. Tanto que após oito anos de governo FHC o processo de transferência para o governo Lula foi feito com muita tranquilidade.
É claro que todo mundo que está no governo busca a reeleição. Mas existem limites éticos nesse jogo. E me parece que o PT claramente ultrapassou esses limites construindo uma engenharia de poder. Para negociar como Congresso criou-se o mensalão, que é um descompromisso total com a democracia. Além disso, houve um inchaço da máquina do estado, escândalos com as estatais, com desvio de recursos. Sem falar no uso eleitoral de políticas sociais. O projeto de poder do PT me lembra muito o que ocorreu no México ou o Paraguai, que teve governos por 70 anos no poder.
Penso que no campo social houve muita coisa positiva, com relação aos direitos humanos e mesmo com relação às políticas econômicas. Mas acho que o PT precisa fazer uma profunda autocrítica sobre sua relação com a democracia.
RPB: E sobre o impeachment, você acha que foi golpe?
Fernando: No primeiro momento, no congresso do “Esquerda Pra Valer” de 2016, a gente se manifestou dizendo que o impeachment não deveria ser uma bandeira do PSDB. Demos esse alerta para o partido. Penso que houve posicionamentos precoces neste processo. A Dilma foi condenada pelas pedaladas no Tribunal de Contas da União. No entanto esta condenação veio depois do ingresso da proposta do impeachment. Naquele momento o TCU não tinha julgado nem a conta do ano anterior, quanto mais a de 2016. Isso mostra que foi um movimento muito afoito. Mas eu não diria que foi golpe. Houve uma nítida convergência de setores empresariais, de mídia, uma costura de uma elite interessada na queda da Dilma. O filósofo americano Noam Chomsky definiu esse episódio como golpe brando, não “branco”, mas “brando”. Não um golpe de estado. Eu penso que essa discussão exigiria mais responsabilidade. Porque vivemos sob um sistema presidencialista. Um governo ruim não pode simplesmente ser trocado à gosto. É um compromisso para quatro anos. E o impeachment deveria ser o último dos recursos.
E o que a gente tem hoje? Hoje a gente tem o custo do impeachment, que é o governo de Michel Temer. Esse custo se expressa em reformas que não foram pactuadas com a sociedade. Do ponto de vista democrático, uma vez que o Temer assume, seu compromisso é o de dar continuidade ao programa com o qual ele foi eleito.
No entanto, o que aconteceu foi que logo que assumiu ele apresentou um programa que não passou pelas urnas. Um programa que foi negociado em jantares com a Fiesp e elites econômicas. E usa o poder do Executivo para costurar uma maioria parlamentar, em um momento em que o congresso nacional passa por um momento, diria até constrangedor, e trazer enormes retrocessos para os trabalhadores e para todo o país.
Portanto nossa análise é de que as consequências do impeachment não foram positivas. Não que o governo Dilma fosse bom. Mas, do ponto de vista republicano, o pior dos mundos é um governo impor uma pauta que não foi pactuada com a sociedade.
RPB: Você acha possível para 2018, tendo em vista a ascensão da extrema direita, expressa em políticos como Jair Bolsonaro, um diálogo entre PT e PSDB? Estou pensando em algo como o que houve em 1984, na campanha pelas Diretas, com FHC, Lula Brizola, contra a ditadura militar.
Fernando: Lembrando que, mesmo naquela época, o diálogo já não era fácil. O PT teve dificuldade em votar a favor da Constituição de 1988. E, em 1993, o parlamentarismo era uma tese forte no PT, mas, por eles acharem que o Lula tinha condições de se tornar presidente eles optaram pelo presidencialismo, o Plano Real o PT também não acompanhou. Sempre foi muito difícil o diálogo com eles. Mas é necessário.
Acho muito pouco provável um segundo turno com a presença do Bolsonaro. A medida que se aproxima o pleito as convergências de interesses vão se definindo. Os eleitores começam a ter mais informações e penso que a tendência é que candidaturas extremistas se esvaziem no processo. No entanto, não é algo que se possa descartar. Vivemos tempos turbulentos.
Acho importante que todo o campo democrático tenha uma interlocução no sentido de que, se houver essa terrível hipótese de uma candidatura sem compromisso com a democracia como é a do Bolsonaro, haja no segundo turno um pacto de enfrentamento conjunto. Não dá para lavar as mãos. Se for PSDB e Bolsonaro, espero que o PT apoie o PSDB. Do mesmo jeito que se for PT e Bolsonaro, acredito que faríamos campanha para o PT. Mantidas as críticas necessárias, mas pelo bem da sociedade.
Não dá para o PT votar contra um projeto só porque é do PSDB e vice-versa. O ideal seria haver uma agenda mínima para o país.
RPB: Por fim, como você se sente sendo da esquerda do PSDB? As pessoas cobram que você seja de algum partido “vermelho”? No Brasil a esquerda é muito radical ou há espaço para uma esquerda mais moderada?
Fernando: Primeiro acho que temos um problema de educação política. Não há uma discussão mais aprofundada e há um grande desconhecimento sobre o que é ser de esquerda e de direita. E esses conceitos são muito manipulados. No campo da esquerda existe um forte clima de acusações mútuas, de um grupo querer ser mais autêntico, mais esquerda que o outro. Se perguntar para um militante petista ele vai dizer que o PSDB é de direita. Mas não é. Ao mesmo tempo, um militante do PSOL tende a afirmar que o PT é centro ou até direita. Mais direita que eles. Há uma necessidade demarcar território, o que é péssimo porque realça as divergências e não constrói convergências. E qual o preço disso? O povo vota no PT e acaba tendo um governo com partidos conservadores, que são realmente de direita. O mesmo com o PSDB. Seria muito mais racional a esquerda minimizar as diferenças e compor. Claro que quando falo de esquerda estou falando de uma esquerda progressista, não da esquerda do início do século passado. Hoje o mundo tem outros paradigmas. Segundo filósofo italiano Norberto Bobbio é de esquerda quem entende que a desigualdade é produzida socialmente e cabe à política corrigir essa distorção, e de direita é quem acha que a desigualdade é natural e, portanto, não cabe ser corrigida. Nós somos compromissados com a correção dessa desigualdade.