
Entenda a transformação histórica em curso no cenário global e a nova ascensão do bloco BRICS.
Por Diógenes Sandim Martins
Os ventos da mudança no cenário geopolítico global não sopram mais — eles rugem em uma velocidade vertiginosa. Para o observador atento, o que se desenrola no palco mundial transcende a rotina diplomática ou a flutuação econômica. Estamos, inegavelmente, imersos em um momento de transformação histórica, em que a decadência de uma hegemonia se choca com a projeção audaciosa de um novo bloco de poder: o BRICS.
A sensação de que a decadência do império ocidental, liderado pelos Estados Unidos, está mais acelerada do que qualquer previsão otimista — ou pessimista — sugira é palpável. Indicadores econômicos e estratégicos apontam para um enfraquecimento das estruturas que sustentaram a ordem mundial pós-Guerra Fria. O peso econômico global do BRICS (agora BRICS+, após sua expansão) já ultrapassou o do G7 em termos de Paridade de Poder de Compra, e a agenda de desdolarização avança com passos firmes, por meio de iniciativas como o uso de moedas locais em transações comerciais e a criação de mecanismos financeiros próprios, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e propostas como o “BRICS Pay” e o “BRICS Clear”.
A Ontogenia da Desordem e o Nascimento do Plural
A rapidez dessa transição pode ser compreendida pela lente da complexidade, tal como postulada por Edgar Morin. O mundo, como um sistema complexo, não evolui linearmente. Em momentos de crise (desordem), as antigas estruturas (ordem) se decompõem — mas essa mesma desordem é o combustível necessário para uma reorganização em um nível superior de complexidade.
O que se observa é a crise do multilateralismo clássico, dominado pelas instituições criadas no pós-Segunda Guerra Mundial (ONU, FMI, Banco Mundial). O Ocidente, em crise de influência moral e enfrentando desafios econômicos internos, parece reagir de forma simplificada a um mundo que se tornou fundamentalmente plural e interconectado.
É nesse vácuo de liderança e na erosão da simetria que o bloco BRICS emerge como um ator sólido e propositivo. Longe de ser uma aliança monolítica ou puramente “anti-Ocidente” — como afirmam seus diplomatas ao defender o equilíbrio geopolítico —, o grupo se consolida em torno de valores como soberania, independência e busca por um sistema internacional multipolar e mais justo. A recente expansão do bloco, com a inclusão de novos membros importantes como Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, cimenta sua representatividade, abrangendo uma parcela gigantesca da população mundial e da produção energética e de commodities globais.
O Custo da Percepção Simplificada na Europa
A leitura sobre a Europa toca em um ponto crucial da crise de percepção. A instabilidade europeia, exacerbada por conflitos em seu entorno e pela busca desenfreada por armamentos, pode ser vista como a manifestação da desorganização de um subsistema que se via protegido pela ordem hegemônica. A retórica da segurança, muitas vezes alimentada pela mídia formal, tende a simplificar o cenário global em uma dicotomia “nós contra eles”, fomentando a desconfiança em vez da compreensão da complexidade das relações internacionais.
A reflexão filosófica da política social nos lembra do risco de sermos tragados por uma cegueira diante do real (Morin) — um autoengano coletivo. Se a mídia formal, em sua busca por velocidade ou alinhamento ideológico, nos priva de uma análise imparcial, perdemos a capacidade de discernir as forças profundas que movem o jogo geopolítico. A compra massiva de armamentos, por exemplo, pode ser menos uma defesa contra um “inimigo fabricado” e mais o sintoma da perda de autonomia e da busca desesperada por manter a ilusão de ordem.
O Desafio da Autopoiese no Sistema-Mundo
Aqui, o pensamento de Humberto Maturana sobre a autopoiese torna-se relevante, ainda que por analogia: um sistema vivo — ou, neste caso, o sistema-mundo — gera e mantém sua própria organização. O sistema capitalista-ocidental, ao atingir seus limites, já não consegue gerar as condições para sua própria reprodução hegemônica de forma saudável. A ascensão do BRICS é, em parte, a resposta do sistema global (o ambiente, o homem incluído) a essa incapacidade, buscando uma reorganização em um novo patamar.
Em suma, a transição que testemunhamos não é apenas um evento político-econômico, mas uma metamorfose civilizacional em ritmo acelerado. Perceber essa aceleração exige um pensamento complexo, capaz de ligar a crise do dólar à corrida armamentista na Europa, a expansão do BRICS à crise do multilateralismo atual e a polarização midiática à dificuldade de reconhecer a unidade na diversidade do novo sistema multipolar.
O desafio, para o cidadão e para o analista, é justamente sair do paradigma da simplificação e reconhecer que a desordem atual é, paradoxalmente, a matéria-prima da nova ordem que está nascendo — em um tempo muito mais célere do que a história recente nos acostumou.
Hoje, ainda na era da hipermodernidade, tudo anda acelerado; devemos participar e aguardar transformações qualitativas na ordem mundial em um tempo cada vez mais breve.
Diógenes Sandim Martins é médico, diretor do Sindnapi e secretário-geral do CMI/SP




















