PUBLICADO EM 03 de maio de 2020
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Democracia, Brasil, Senna


Domingo, 03 de maio de 2020 – 40º dia da quarentena em SP – o número oficial de mortos pela Covid 19 atinge 6.761 no Brasil.

A Globo reprisa a corrida de Fórmula 1 do Japão de 1988 em que Ayrton Senna conquistava seu primeiro título mundial. Foi nostálgico. Ouvir o ronco dos motores, a voz de locução de rádio do Galvão e a música da vitória. Creio que muitos brasileiros da minha geração sentiram algo diferente.

Naquela data eu tinha 13 anos. Talvez as gerações seguintes não entendam muito bem o que foi esse dia e por que nos faz reviver emoções que nos mobilizam em um momento tão difícil que estamos atravessando.
Em tempos de disputas políticas tão acirradas e de tanta intolerância com o livre pensar, muitos de diferentes lados podem dizer: mas por que este título foi tão importante?

Realmente. Não era o primeiro título de Fórmula 1, Fittipaldi já tinha-o conquistado em 1972 e em 1987, Nelson Piquet tinha sido tricampeão, logo não estávamos em uma fila, ansiosos por um título de corrida como acontecia no futebol, mas algo muito maior colocava esse momento e Senna na nossa história.

A corrida de Suzuka aconteceu no dia 30 de outubro de 1988, menos de um mês da promulgação da Constituição de 1988 que colocou de fato e de direito um ponto final na ditadura militar no Brasil.

Assim concluiu Dr. Ulysses seu discurso naquele dia: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja o nosso grito. Mudar para vencer. Muda Brasil”.

O título mundial de 1988 na Fórmula 1 carregava consigo essa esperança de mudança, de vitória e de um Brasil melhor.
Este não foi o único episódio em que Senna e a história do Brasil se misturaram.

Em 22 de outubro de 1989, Senna perderia o título mundial para Prost na mesma Suzuka em uma corrida inesquecível. Prost e Senna se chocam na volta 47, Prost sai da corrida e Senna com ajuda dos fiscais japoneses volta à pista com o bico do carro quebrado. Volta muito atrás, mas vence a corrida. Narrativa de uma tragédia grega, ele vence, mas não leva. É desclassificado.

Menos de um mês após essa corrida, no dia 15 de novembro aconteceria a primeira eleição direta para presidente do Brasil. Collor e Lula vão para o segundo turno e Lula perde a eleição após o último debate grosseiramente editado.

Senna morre em um acidente na corrida de San Marino no dia 1º de Maio de 1994. A morte do já tricampeão mobilizou a sociedade brasileira que viu, em julho, o Real ser lançado e a seleção canarinho conquistar a Copa do Mundo. Morria o Cruzeiro, nascia o Real e em outubro FHC vencia as eleições presidenciais. Daí para diante são outras histórias.

Hoje, 32 anos depois, revejo toda essa história que para mim são memórias. Viver a história é muito diferente de contá-la, mas ajuda-nos a entender o que e porque aquele domingo de 1988 ainda mexe com uma geração inteira. Quiçá essa história possa rememorar o caminho de uma conquista muito maior que qualquer título esportivo mundial, a da nossa DEMOCRACIA.

Fausto Augusto Jr, educador e diretor-técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Sócio Econômicos)

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