
Hitler e Trump
Por David Cavendish
Recentemente, passamos do marco dos primeiros cem dias do segundo mandato de Donald Trump. Desde 1933, o termo “Primeiros Cem Dias” de uma nova administração tornou-se de uso comum por causa das realizações do presidente Franklin D. Roosevelt e do New Deal. O desempenho de Roosevelt tornou-se o padrão de ouro pelo qual todos os seus sucessores são avaliados.
Muito tem sido dito e escrito sobre o que aconteceu desde 20 de janeiro de 2025, incluindo algumas comparações com o que ocorreu em 1933. Vale a pena avaliar, no entanto, não apenas as diferenças entre os dois presidentes, mas também observar, para fins de comparação, algumas das decisões do contemporâneo de Roosevelt, Adolf Hitler, que se tornou chanceler da Alemanha apenas cinco semanas antes de Roosevelt. Dessa forma, podemos fazer uma avaliação mais abrangente dos Primeiros Cem Dias de Trump.
Roosevelt
Entre 4 de março e 12 de junho de 1933, Roosevelt propôs e o Congresso aprovou pelo menos quinze leis importantes. Aqui está um breve lembrete das quatro que todos aprendemos no ensino médio:
- A Lei de Emergência Bancária (9 de março) — Roosevelt havia ordenado o fechamento de todos os bancos porque muitos estavam prestes a ficar sem dinheiro tentando atender à demanda dos depositantes que, em pânico, queriam retirar seus fundos. A lei forneceu meios para que o Conselho da Reserva Federal emitisse dinheiro a todos os bancos federais para cobrir os saques.
- O Corpo de Conservação Civil (31 de março) — Roosevelt propôs o estabelecimento de um programa, comumente conhecido como CCC, para empregar 250.000 jovens no desenvolvimento e manutenção de parques estaduais e nacionais, florestas e outros locais, bem como em projetos de controle de enchentes, plantio de árvores e outras iniciativas. Em seus nove anos de existência, quase três milhões de jovens trabalharam no CCC.
- A Lei de Ajuste Agrícola (12 de maio) — Em um momento de forte pressão descendente sobre os preços agrícolas, a lei estabeleceu vários programas para aumentar os preços. Entre eles, o mais conhecido foi o programa para reduzir a produção agrícola. (É interessante notar que uma das formas de fazer isso era despejar leite, numa época em que milhões de jovens estavam desnutridos e enfrentavam o risco constante de fome. Só no capitalismo mesmo — vai entender.)
- A Autoridade do Vale do Tennessee (18 de maio) — A lei criou a Tennessee Valley Authority (TVA) naquele estado. Destinada a fornecer controle de enchentes, as barragens também geravam energia hidrelétrica, forneciam controle de inundações e levaram à construção de novos parques e centros de recreação. Entre 1933 e 1944, dezesseis barragens foram construídas.
Os Primeiros Cem Dias de 1933 foram apenas um prelúdio para muitas outras legislações históricas, incluindo a Previdência Social, o salário-mínimo, a jornada de trabalho de quarenta horas semanais, o seguro-desemprego e muito mais.
Trump
Em contraste, os primeiros cem dias do segundo governo de Donald Trump não viram “nenhuma nova legislação de grande consequência”, nas palavras dos estudiosos John T. Woolley e Gerhard Peters, da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. Em vez disso, como todos sabemos, temos assistido a um bombardeio ininterrupto de ordens executivas e outras políticas que realmente tornarão a América pior novamente.
Muitos dos nossos direitos constitucionais estão sendo corroídos, senão diretamente atacados. O ataque contra os trabalhadores, os pobres, as pessoas negras e indígenas, os imigrantes indocumentados e as pessoas transgênero tem como objetivo dividir e desmoralizar a classe trabalhadora, enquanto ao mesmo tempo concede aos bilionários e ao 1% mais rico ainda mais poder e controle.
A administração Trump não apenas está consolidando a posição dos ultra-ricos em nossa sociedade, mas está fazendo isso de maneiras que se assemelham, em certos aspectos, àquelas usadas pelos fascistas nos anos 1930.
Hitler e Trump
Para mostrar como isso está sendo feito, é necessário observar as ações e políticas de Adolf Hitler e do partido nazista na Alemanha em 1933, período que, aliás, coincide com o início do New Deal.
Muito do que se segue vem do trabalho de Werner Lange, pastor aposentado, professor universitário e ativista antifascista nascido na Alemanha logo após a Segunda Guerra Mundial. Ele escreve que os períodos em que Hitler e Trump chegaram ao poder “exibiram muitas semelhanças sinistras, mas também diferenças claras durante seus respectivos primeiros 100 dias de governo repressivo.” Hitler conseguiu implementar uma série de políticas e decretos que desmontaram as instituições democráticas da República de Weimar em um período relativamente curto.
Hitler
Em 27 de fevereiro, um incêndio destruiu e danificou seriamente o edifício do parlamento (o Reichstag) em Berlim. Em resposta, Hitler emitiu uma série de decretos, sendo o principal deles o “Decreto do Incêndio do Reichstag para a Proteção do Povo e do Estado”.
Supostamente criado para capturar “criminosos”, o decreto aboliu muitas liberdades civis e foi usado para prender aqueles considerados inimigos do nazismo. Ele proibiu publicações que fossem declaradas inimigas do Estado nazista e, além disso, “suspendeu o habeas corpus, a privacidade do correio e do telefone, a liberdade de expressão e de imprensa, o direito à reunião pública e as proteções contra buscas e apreensões em residências e propriedades.” Leis adicionais, como a “Lei de Práticas Maliciosas”, reforçaram ainda mais a repressão.
Seis dias após um boicote nacional às empresas judaicas, Hitler promulgou a “Lei para a Restauração do Serviço Público Profissional”, que removeu judeus e qualquer outra pessoa considerada desleal ao regime do serviço público e de cargos docentes. Em 2 de maio, um dia após o feriado internacional dos trabalhadores, Hitler dissolveu todos os sindicatos livres. Posteriormente, os nazistas criaram a Frente Alemã do Trabalho, à qual todos os trabalhadores eram obrigados a se filiar. Greves, negociações coletivas e quaisquer outras ações iniciadas pelos trabalhadores foram proibidas.
Rapidamente, leis foram aprovadas contra o que hoje chamamos de comunidade LGBTQ+, restringiram quem podia ser admitido em instituições de ensino superior, reescreveram livros didáticos para refletir a visão racista nazista da história e da cultura, e iniciaram o rearmamento da Alemanha. Em 1935, os nazistas promulgaram as “Leis de Nuremberg”, que negavam sistematicamente ao povo judeu uma posição igualitária na sociedade. É interessante notar que essas leis foram inspiradas nos códigos escravistas criados no sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil.
Semelhanças inquietantes
Ninguém está dizendo que Donald Trump é a reencarnação de Adolf Hitler. O que estamos dizendo é que há semelhanças inquietantes entre algumas das ações do governo Trump em 2025 e o governo nazista em 1933.
A grande diferença entre os dois países é que, na Alemanha, o “blitzkrieg” político nazista destruiu qualquer oposição organizada. Já nos Estados Unidos, como Lange e muitos outros apontam, ainda há resistência. O povo americano está, cada vez mais, se levantando, se unindo e reagindo contra todos os abusos do regime Trump. Somente lutando é que o povo tem chance de tirar Donald Trump da Casa Branca e derrotar o fascismo de uma vez por todas.
David Cavendish é um professor aposentado, ativo no movimento sindical, no movimento pela paz (com muitos anos em uma vigília contra as guerras do Iraque e do Afeganistão), e em outras atividades políticas progressistas.
Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy
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