PUBLICADO EM 10 de out de 2018
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Quem está disposto a chancelar nas urnas o seu próprio algoz?

Uma parcela significativa do eleitorado, decepcionado com a recessão, a queda da qualidade de vida, o desemprego e o volume crescente de denúncias de corrupção no País, passou a ver na candidatura do deputado Jair Bolsonaro uma solução. Seria alguém com disposição para enfrentar, com firmeza, essa suposta degradação moral.

O fenômeno é extremamente preocupante porque essas pessoas podem estar comprando gato por lebre, ao tomar tal decisão sem antes examinar as causas da sensação de degradação moral e sem refletir sobre o que representa a candidatura de Bolsonaro.

Um cidadão nunca deve eleger alguém, muito menos um presidente da República, apenas pela retórica de pretenso combate à corrupção, ou por sua postura “linha dura”. É preciso que o eleitor, além de saber se o postulante será realmente capaz de resolver os graves problemas do País, esteja de posse de informações seguras para tomar uma decisão consciente e que expresse sua real manifestação de vontade.

Desgraçadamente, no Brasil, a corrupção sempre existiu, sempre permaneceu encoberta e, até há pouco tempo, impune. E continuará existindo. Antes não era possível mensurar sua extensão. Somente nos últimos 20 anos é que a relação do Estado com a sociedade e com o mercado passou a ser mais transparente, resultado, de um lado, de um conjunto de leis que jogou luzes sobre os agentes públicos e suas relações com o setor privado (lei de compra de votos, lei de acesso à informação, lei de transparência, lei de responsabilização da pessoa jurídica, atualização da lei de lavagem de dinheiro, lei de combate ao crime organizado e da delação premiada, entre outras). De outro, do empoderamento dos órgãos de fiscalização e controle, que passaram a atuar como instituições de Estado e não mais de governo, inclusive transferindo a eles prerrogativas que antes eram exclusivas de CPI – comissões parlamentares de inquérito.

É preciso, ainda, ter presente que o Poder Executivo, cujo titular é o presidente da República, dispõe de muito poder e é o principal operador dos monopólios de Estado, entre os quais: (1) impor conduta e punir seu descumprimento – o poder coercitivo; (2) garantir a aplicação da lei; e (3) tributar, mediante a cobrança compulsória de taxas, contribuições e impostos de toda a sociedade.

Não é razoável, portanto, eleger um presidente da República, com os poderes de Chefe de Governo e Chefe de Estado, como preconiza a Constituição do Brasil, pensando apenas no (pretenso) combate à corrupção. A tarefa deve ser predominantemente função dos órgãos de controle, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e do Poder Judiciário e não do principal mandatário da nação.

É preciso analisar outros aspectos, principalmente o que pensa e o que representa o candidato, como empregará os monopólios do Estado, se os preservará, quais suas propostas e quais as consequências da implementação delas, qual será sua equipe de ministros e o que esse ministério pensa em relação aos graves problemas do País, para tomar uma decisão consciente e responsável.

Sem essa análise acurada, o voto pode representar apenas um instrumento de desopilação momentânea, de protesto, de ressentimento ou até de ódio que, em lugar de resolver, poderá criar mais problemas e novas dificuldades.

Quem é, então, Jair Bolsonaro? Qual é sua visão de mundo? Que solução apresenta para os principais problemas do País? Quem é e o que pensa sua equipe econômica? São perguntas que passamos a responder e que dão pistas sobre um eventual governo Bolsonaro.

Jair Bolsonaro é um ex-capitão do Exército brasileiro, que foi para a reserva precocemente para virar político profissional. Elegeu-se inicialmente vereador do Rio de Janeiro e depois deputado federal, estando atualmente no seu sétimo mandato. Juntamente com três de seus filhos (Eduardo, deputado federal, Flávio, deputado estadual, e Carlos, vereador), vive exclusivamente da política.

O deputado Jair Bolsonaro – defensor da ditadura militar – tem uma visão de mundo associada ao Estado punitivo, que advoga a prevalência da penalização, da disciplina, da repressão e da criminalização da pobreza sobre as políticas sociais, sobre a tolerância, sobre a paz, sobre a dignidade da pessoa humana. É defensor do Estado policial em detrimento do Estado social.

Para ele, antes do Estado provedor, prestador de serviços públicos, que combata desigualdades, regionais e de renda, e garanta oportunidades e acesso a bens e serviços gratuitamente a todos, especialmente aos mais pobres e necessitados, vem o Estado repressor, voltado para o aumento do encarceramento e da repressão criminal, para o preconceito e para a intolerância.

Sabedor de que a sociedade não tolera a violência urbana e rural nem os pequenos roubos e furtos, utiliza, por exemplo, a retórica de que “bandido bom é bandido morto” e que eventual invasão de propriedade privada – independentemente de ela ser improdutiva ou de não cumprir sua função social – por movimentos como o dos trabalhadores rurais sem terra ou o dos sem teto deve ser combatida com lança chamas (labaredas de fogo), como forma de alimentar seu exército de fundamentalistas.

Sem o menor respeito pela diversidade, disse preferir um filho morto a um filho gay, declarou que uma deputada não merecia ser estuprada por ser feia, afirmou ter ido a uma comunidade quilombola, na qual só viu obesos que não servem nem para procriação, além de ter homenageado um torturador ao declarar voto a favor do impeachment da presidenta Dilma.

Na marcha dos prefeitos de 2018 demonstrou seu total despreparo para ser presidente, quando afirmou que a solução do problema da falta de saneamento básico passa pelo controle da natalidade, além de ter citado um colégio militar de Goiânia como exemplo do seu modelo de educação para o País.

Não bastasse seu despreparo para governar o Brasil e sua visão ditatorial, ainda escolheu como coordenador de seu programa de governo o economista e banqueiro Paulo Guedes, um fundamentalista liberal e fiscal que defende o Estado mínimo. “Cabeça de planilha”, o responsável pelo programa é daqueles neoliberais capazes de considerar o aumento da mortalidade infantil como benéfica ao controle das contas públicas.

O discurso do deputado se vale da ignorância, do ódio e da sede de vingança das pessoas para apontar culpados e sugerir soluções, numa narrativa rasa e infantil, mas que denota uma relação de causa e efeito, como forma de disparar o gatilho mental dos revoltados. A fórmula consiste sempre em identificar culpados e promover o julgamento moral, supostamente usando um “problema” e uma “solução”. É o raciocínio pronto, que atende aos descontentes, sem requerer nenhum esforço adicional.

Até mesmo sob o prisma da probidade, é questionável a sinceridade do deputado Jair Bolsonaro. Em 19 de janeiro de 2018, a “Folha de S.Paulo” publicou extensa matéria, apontado 32 perguntas não respondidas sobre o patrimônio do deputado e seus familiares, com fortes indícios de enriquecimento ilícito, como recebimento indevido de auxílio moradia e a propriedade de imóveis com valor de mais de R$ 16,5 milhões.

O eleitor pode votar em quem quiser, mas esse ato deve expressar sua real manifestação de vontade, o que pressupõe ter conhecimento sobre o candidato e o que ele representa. Se tiver essas informações e mesmo assim resolver votar, estará, conscientemente, disposto a chancelar na urna seu potencial algoz. Entretanto, votar sem conhecimento sobre quem é o candidato e o que pensa, pode levar à frustração e ao desencanto. Não existe ética sem verdade.

EU NÃO VOTAREI EM BOLSONARO!

Celso Napolitano é presidente da Fepesp (Federação dos Professores do Estado de São Paulo) e do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar)

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