PUBLICADO EM 06 de mar de 2021
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Os desafios e as possibilidades de construção de uma nova prática sindical

As mudanças na economia global que ao produzirem uma classe trabalhadora mundial também está criando as condições para um movimento sindical com capacidade de agir para além das fronteiras nacionais abrindo novas oportunidades de internacionalização da ação sindical que se propõe a dialogar com a sociedade civil e se aliar com outros movimentos sociais


O Brasil atravessa a mais longa crise recessiva de todos os tempos. Depois de ver o PIB cair fortemente entre o final de 2014 e 2016, a economia brasileira tem registrado uma recuperação bastante lenta e sem perspectivas de retomar o patamar que havia sido alcançado do início de 2014. Em meio a esse processo de recessão e de prolongada estagnação, com alto nível de capacidade ociosa industrial, elevado desemprego e crescimento da informalidade e da precarização do trabalho as condições de vida da população brasileira se deterioram rapidamente com a ampliação da pobreza e da desigualdade. Em 2020 o PIB caiu 4,1% o pior resultado desde o início da série histórica em 1996.

Os dados mostram que entre 2015 e 2020 o Brasil perdeu 36,6 mil estabelecimentos industriais e somente em 2020 foram encerradas 5,5, mil empresas industriais. Entre 2014 e 2020 ocorreu uma queda do emprego na indústria de -2,757 milhões de postos de trabalho. A fragmentação, por outro lado, desmonta as bases nas quais se sustenta a organização sindical por categoria. A terceirização, a contratação de PJ, autônomos promovem fissuras nas formas de contratação da força de trabalho, em que os direitos passam a ser negociados individualmente, processos que também contribuem para esvaziar a função sindical, realidade que se acentuou com a reforma trabalhista.

Esses desafios impõem ações para que se revertam o estilo e as orientações tradicionais do sindicalismo e abra novas margens de escolha estratégica para os atores responderem às mudanças do capitalismo no final do século XX. É, pois, sobre essa capacidade de resposta da agenda sindical que os sindicatos devem estar abertos. É preciso, além de analisar as atuais transformações no capitalismo contemporâneo e seus impactos sobre a regulação das relações de emprego e, principalmente, sobre a capacidade de os atores coletivos responderem a esse contexto, deve-se demonstrar capacidade de renovar seus repertórios de atuação, procurando novas estratégias sem perder a sua identidade e os propósitos e características herdadas de sua própria trajetória de luta e resistência.

As mudanças na economia global que ao produzirem uma classe trabalhadora mundial também está criando as condições para um movimento sindical com capacidade de agir para além das fronteiras nacionais abrindo novas oportunidades de internacionalização da ação sindical que se propõe a dialogar com a sociedade civil e se aliar com outros movimentos sociais que pautam a questão de gênero, da luta por direitos humanos, ecológicos etc., rejeitando a forma hierárquica e subordinada que prevalecia nos sindicatos tradicionais predominantemente industriais.

Complementando esse cenário a queda do peso industrial no conjunto da economia, trata-se de um processo que dificilmente se reverterá a curto ou médio prazos e exige a construção de um novo modelo de desenvolvimento. A indústria que nos anos de 1970 já representou mais de 30% do PIB, atualmente representa 11,2% e o emprego industrial representa em torno de 12,8% do total das ocupações. Esse processo se iniciou nos anos de 1990 com o fenômeno da reestruturação produtiva e se acentuou nas últimas décadas com a saída de empresas, queda dos investimentos e perda de competitividade em segmentos estratégicos da indústria 4.0. Estima-se que desde 2018 ao menos 15 multinacionais já deixaram o país.

No Brasil existem 16.889 sindicatos, 603 federações, 50 confederações e 14 centrais sindicais, embora apenas 11 sejam mais atuantes. Durante o ano são firmados mais de 30 mil instrumentos coletivos isso dá uma ideia do vigor da negociação coletiva. No entanto, uma análise mais crítica das negociações coletivas, nestas duas últimas décadas, evidencia que os elementos flexibilizadores das relações de trabalho introduzidos nos anos 1990 não foram revertidos.

Os temas novos que tendem a se destacar com as mudanças na organização do trabalho estão muito ausentes das negociações coletivas, tais como: as metas, a introdução de novas formas de organização da produção e do trabalho, a rotatividade, a segmentação da classe trabalhadora, teletrabalho, a questão da saúde e segurança do trabalho, a qualificação profissional, entre outros. Além disso, vários temas aprovados na reforma trabalhista já estavam incorporados nos instrumentos coletivos e a reforma apenas legitimou prática já existente, a exemplo do banco de horas, jornadas moduladas, teletrabalho, terceirização, entre outros.

Uma das principais alterações da reforma trabalhista foi a criação de um novo artigo em que o negociado nas convenções coletivas e nos acordos coletivos possa prevalecer sobre o legislado – ou seja, trabalhadores e patrões passam a poder realizar “acordos” que aumentem ou reduzam direitos antes fixados por lei, abrindo espaço para “negociações” em questões que, até a entrada em vigor da reforma, não poderiam ser mexidas – em pelo menos 16 casos.

Além disso, a reforma introduz novas formas de contratação como trabalho intermitente, autônomo exclusivo, tempo parcial, terceirização ampla (Lei nº 13.429/17), enfraquece os sindicatos por meio do fim da contribuição sindical obrigatória, pelo fim da obrigatoriedade de realizar as homologações no sindicato e dificulta o acesso do trabalhador à justiça do trabalho impondo aos trabalhadores honorários pericias e advocatícios, custas processuais e multas inibindo os trabalhadores na busca por seus direitos trabalhistas.

A reforma trabalhista não alterou a estrutura sindical, porém afetou significativamente o sindicalismo e sua capacidade de ação coletiva, introduzindo medidas que enfraquece e esvaziam os sindicatos, a exemplo do fim da obrigatoriedade de as homologações serem realizados no sindicato, as formas de sustentação, a ultratividade e a possibilidade que vários aspectos das relações de trabalho possam ser negociados individualmente.

De 2012 até 2019 houve uma queda da taxa de sindicalização dentre os ocupados no Brasil, de 16,1% para 11,2%. Em números absolutos isso representa uma redução de 3,8 milhões no número de pessoas sindicalizadas, sendo mais acentuada a partir de 2017, predominantemente entre os trabalhadores (as) assalariados com carteira de trabalho assinada (emprego formal. É expressivo o baixo índice de sindicalização entre os mais jovens (4,89%) entre 19 e 24 anos e mesmo para os que estão na faixa entre 25 e 29 anos o percentual (8,21%) estão abaixo da média de 11,20%.

Entre os sindicatos mais estruturados há um entendimento comum sobre os principais problemas e desafios do sindicalismo, contudo, não há consenso em relação aos caminhos para essas mudanças, para alguns as alterações que precisam ser realizadas não dependem de mudanças na estrutura sindical atribuindo o problema a prática política e a cultura sindical. São estratégias que se complementam, aprimorar as práticas sindicais ao mesmo tempo em que se busca construir um novo modelo político e organizativo.

Marilane Oliveira Teixeira, economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, pesquisadora e assessora sindical

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