PUBLICADO EM 20 de fev de 2020
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O Reino dos Absurdos

O modelo econômico ultra liberal proposto pelo governo e que tem sido colocado em prática de forma bastante irresponsável, traz consigo diversas contradições muito perigosas. Em um país como o Brasil com sua história de diversidades e de imensa desigualdade econômica entre as classes sociais, o papel de um Estado que garanta o mínimo de seguridade social para toda sua população e mesmo para o desenvolvimento econômico é fundamental.
Reformas em todas as áreas são necessárias.

O modelo econômico ultra liberal proposto pelo governo e que tem sido colocado em prática de forma bastante irresponsável, traz consigo diversas contradições muito perigosas. Em um país como o Brasil com sua história de diversidades e de imensa desigualdade econômica entre as classes sociais, o papel de um Estado que garanta o mínimo de seguridade social para toda sua população e mesmo para o desenvolvimento econômico é fundamental.

Reformas em todas as áreas são necessárias. Não há como negar tal fato. Mas Reformas feitas sem maiores discussões com todos os setores sociais ou carregadas de questões ideológicas radicais, basicamente no que tange ao desmonte da máquina estatal em suas responsabilidades sociais, certamente trarão prejuízos para a qualidade de vida de nosso povo imensuráveis a médio e longo prazo.

A ideia selvagem de uma economia ultra liberal que busca privatizar e reduzir o tamanho e o papel do Estado irá desigualar ainda mais as possibilidades de aumentar o bem estar da população brasileira. Tem sido assim por todo o mundo, por qual motivo seria diferente aqui? Os exemplos da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista (as únicas até o momento que já possuem linhas claras).

A primeira, ao penalizar apenas os trabalhadores “celetistas”, possui um futuro claro e intrínseco de criação de mais e mais miséria na chamada Terceira Idade. Sim, as pessoas estão vivendo mais e, na teoria, poderiam trabalhar mais e contribuir mais para a Previdência Social. No entanto, com a clara intenção de destruir o modelo de relações de trabalho formal no Brasil, a Reforma Trabalhista compromete totalmente a possibilidade de uma aposentadoria digna. As contradições apontam para uma velhice cada vez mais desamparada e miserável aos trabalhadores.

Defensores do atual modelo argumentam que a privatização da Previdência e de outros setores fundamentais será a solução mágica que o sistema propõe ao problema. Enganam-se e enganam aos outros. Quantos trabalhadores terão condições de comprar e manter um produto do sistema financeiro para acumularem o suficiente na busca de uma velhice com qualidade de vida? Não creio que é preciso fazer muitas contas para sabermos que isso não vai dar certo. Com uma renda cada vez menor, como poderiam aqueles que trabalham garantir sua poupança pensando em aposentadoria?

A segunda Reforma, a Trabalhista, com seu forte apelo de modernização das relações entre capital e trabalho, chega a ser patética em um país que ainda traz números alarmantes sobre trabalho escravo e suas situações análogas (trabalho infantil, doméstico, informal etc). Qualquer pessoa que já sentou para negociar seja lá o que for com seu patrão sabe bem que estará em total desigualdade de condições (particularmente em um momento econômico de depressão, altíssimo desemprego e sem mais poder contar com sua entidade de classe na medida em que a Reforma Trabalhista traz consigo a destruição de negociações coletivas, priorizando em todos os sentidos negociações individuais).

Em toda esta discussão, parece de fato que o “Deus” Mercado, tão cultuado nos últimos anos, pouco tem se importado com a liturgia do próprio sistema capitalista. Vários estudos demonstram que a concentração de riqueza no Brasil e em todo o mundo tem sido o único resultado da mentira de um Estado Mínimo, da livre negociação e até mesmo da livre concorrência. A lógica é quase simplista: miseráveis não consomem, empregados mal remunerados não consomem, desempregados não consomem e assim vai. Como é possível manter o sistema sem consumo?

Parece mesmo que a exclusão social é o futuro e o colapso deste exacerbado liberalismo econômico. Resta-nos saber até quando o tecido da sociedade irá resistir. Até quando o aumento da miséria e da violência causada pela mesma será combatida com muros altos, repressão policial e balas de fuzis? Que tipo de sociedade se pretende criar com tantas mazelas educacionais ou na área de saúde? Longe de mim imaginar que respostas para tudo isso são possíveis no curto prazo. Mais longe ainda, imaginar que o atual governo tenha qualquer sensibilidade ou capacidade para tais questões. Nos dias de hoje, os que estão no poder entendem que a barbárie deve ser combatida com a barbárie.

Aliás, de barbárie em barbárie, de truculência em truculência, vamos caminhando a passos largos para um desastre social de proporções ainda ignoradas (mas já sentidas). O Reino dos Absurdos ainda terá fôlego na promoção desmedida do “salve-se quem puder”. Cabe àqueles que possuem um mínimo de consciência , sejam eles de qualquer classe social existente, entenderem de fato que o caminho trilhado até o momento irá nos levar ao caos social e ao assassinato do pensamento para um bem estar coletivo. Caso contrário, responderemos pelo crime de omissão.

Marco Antonio Mota, sociólogo, assessor da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo da Força Sindical

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