Me atacaram na rua. Aqui no Extremo Sul do Brasil, terra de outros extremos, inclusive os climáticos e os políticos, a expressão “atacar” tem variedade de usos e entendimentos. Nem sempre denota ação ofensiva, mas uma forma de intervir ou abordar e no futebol não serve apenas para definir o jogador na posição centroavante, também designa aquele que assume a guarda-metas, a goleira. “Ataca no gol”, dizem e indicam os atletas da linha de jogo ao indivíduo encarregado de cuidar da última barreira de defesa futebolística.
Pois então, dada a polissemia da palavra, “atacar” cabe num sem número de situações. Eu, por exemplo, fui atacado – ou seja, interpelado, por uma jovem mulher à entrada de um supermercado (apenas passava em frente ao estabelecimento, não pretendia naquele momento fazer compras), cuja abordagem não se limitou as palavras. Me segurou pelo antebraço e proferiu uma frase que me apertou o coração: “moço, pelo amor de Deus, compra uma comida pra mim, não tenho nada para comer em casa”.
Na terra onde desde 1500 “em se plantando, tudo dá” e que ocupa a liderança mundial na produção de alimentos, tendo no dito agronegócio um dos pilares da economia, metade da população vive em condição de insegurança alimentar e parte dela passa fome e vive subnutrida, consumindo não só abaixo daquilo recomendado pela OMS, mas tendo que recorrer ao osso e ao lixo para saciar o rombo que lhe corrói o estômago, lhe atabalhoa o pensamento, fraqueja o corpo e, no limite, leva ao óbito – principalmente crianças e idosos.
Aquela frase, aquela imagem, aquela situação, ainda retumbam em minha memória e até me atormentam em sonhos ruins e vívidos. É a expressão maior da desgraça política, econômica e social que se abate sobre um país cujas potencialidades garantiriam um sistema de bem estar e bonança se fosse administrado com o propósito e objetivo de produzir e distribuir em conformidade com as capacidades e necessidades de cada sujeito, comunidade ou mesmo da própria sociedade.
Nada disso! A primazia da propriedade sobre a vida, do lucro sobre o direito, da força sobre a lógica, do egoísmo sobre a solidariedade e do acúmulo sobre a divisão criou um país onde a tríade posse, riqueza e poder foi elevada a enésima potência e, consequência inevitável, a assimetria e distância entre ricos e pobres provoca uma desigualdade única e ímpar.
As ruas estão tomadas de gente que nem mesmo nas periferias mais pobres e miseráveis encontra lugar para morar. A fome se faz epidêmica no país em que outra epidemia ceifou milhares de vidas, especialmente as mais vulneráveis e excluídas. A violência ganha contornos dramáticos enquanto o aparato estatal omite e negligencia seu papel. A degradação humana encontra-se no ápice, mas se sabe que ainda pode piorar mais.
Ao ataque! Não no sentido de se postar diante do outro para lhe interferir a caminhada trôpega e alheia, mas para reagir enquanto ainda resta uma ponta de humanidade em nossos corações e mentes. Se não podemos dizer que nunca antes se viu tamanho descalabro, também não estamos longe dos piores momentos já vivenciados, fruto de uma tendência política, social e ideológica indiferente ao sofrimento e tributária da injustiça como se ambos fossem qualidades ou virtudes.
Que sejamos então atacados pelo espírito de luta tenaz, incansável, decidida, resiliente, convicta, pois o contrário de nossas utopias é essa distópica realidade que a todos consome.
Alex Saratt é Professor das redes públicas municipal e estadual em Taquara (RS), 1° vice-presidente estadual do Cpers, Secretário de Comunicação da CTB RS e Secretário Adjunto da CNTE