PUBLICADO EM 28 de abr de 2025

Sindicalismo classista e o antifascismo se unem na Federação Sindical Mundial

Conheça a história da Federação Sindical Mundial (FSM) na luta pelos direitos dos trabalhadores diante do ressurgimento do fascismo.

Congresso da Federação Sindical Mundial (FSM).

Congresso da Federação Sindical Mundial (FSM).

Por Cameron Harrison

A reeleição de Donald Trump e o ressurgimento do fascismo em nível internacional intensificaram as ameaças aos direitos dos trabalhadores, às instituições democráticas e ao progresso social. Movimentos fascistas estão explorando a insegurança econômica e as ansiedades culturais, promovendo a xenofobia, o nacionalismo, o racismo e o sexismo, para avançar os interesses do capital monopolista e de seus bilionários apoiadores.

Neste contexto, a histórica Federação Sindical Mundial (FSM) permanece como uma força vital para a solidariedade internacional da classe trabalhadora, oferecendo um modelo para resistir ao fascismo e defender os direitos dos trabalhadores no século XXI.

Em março a FSM realizou sua reunião do Conselho Presidencial de 2025 em Hanói, Vietnã. Os delegados focaram na situação atual da classe trabalhadora internacional, analisaram a crescente influência do fascismo e enfatizaram a necessidade de uma educação sindical e ideológica mais sólida, fortalecimento dos escritórios setoriais e regionais, além de mais apoio à juventude e às mulheres trabalhadoras.

Oitenta anos após sua fundação, a FSM continua lutando pelos direitos dos trabalhadores ao redor do mundo, incluindo refugiados, migrantes, mulheres e grupos marginalizados. Ela continua a defender a luta contra o racismo, a xenofobia e o fascismo – batalhas que, ao longo de sua longa história, sempre foram centrais à sua identidade.

Trabalhadores contra o fascismo

Na década de 1930, regimes fascistas procuraram eliminar o poder do trabalho organizado, vendo os sindicatos como uma ameaça ao seu governo aberto e terrorista. Ao suprimir greves, proibir a negociação coletiva e substituir sindicatos independentes por organizações controladas pelo Estado ou pelas corporações, os governos fascistas tentaram minar a capacidade dos trabalhadores de defender seus direitos e melhorar suas condições.

Além disso, a ascensão do fascismo representou uma ameaça mais ampla à democracia, com instituições representativas sendo abolidas, a oposição política reprimida e ditaduras dos elementos mais reacionários do capital sendo estabelecidas em diversos países.

O movimento sindical internacional reconheceu a ameaça e clamou por unidade e resistência. O 7º Congresso Mundial da Internacional Comunista, em 1935, liderado por Georgi Dimitrov, enfatizou a necessidade de uma frente unida contra o fascismo, reunindo comunistas, socialistas e liberais em uma luta comum.

Foi essa luta e a subsequente guerra mundial contra o fascismo que lançaram as bases para a formação da FSM em 1945. Seu objetivo era unir trabalhadores através de linhas ideológicas e nacionais, tendo como bandeiras a paz, a democracia e a justiça social.

Fundação da FSM

A conferência inaugural da FSM, realizada em Londres, foi um momento chave na história do movimento sindical global. Participaram 204 delegados, representando 50 milhões de trabalhadores de 40 sindicatos, nacionais e 15 internacionais, reunindo uma coalizão diversa de trabalhadores unidos por um objetivo comum: defender os direitos trabalhistas e impedir o retorno do fascismo.

A federação uniu sindicalistas de diferentes origens políticas e ideológicas, incluindo comunistas, socialistas e democratas de várias correntes, para combater os inimigos comuns do fascismo e do poder corporativo.

O Conselho Central dos Sindicatos da União Soviética (AUCCTU) desempenhou um papel fundamental na fundação da FSM, mas a organização nunca foi exclusivamente comunista. Por exemplo, o Congresso de Organizações Industriais (CIO), dos EUA, e o Trades Union Congress (TUC), do Reino Unido, também foram membros fundadores.

Desde o início, porém, a FSM enfrentou divisões ideológicas, com duas facções principais emergindo. Alguns líderes sindicais dos EUA e de alguns países da Europa Ocidental desejavam continuar o modelo da antiga Internacional de Amsterdã, a Federação Internacional dos Sindicatos (IFTS), ligada aos partidos social-democratas europeus e voltada principalmente para questões salariais e de bem-estar. Outro grupo de trabalhadores, composto por comunistas, socialistas, democratas e progressistas (incluindo representantes da URSS, China e América Latina), queria que a FSM fosse um instrumento da luta de classes e do internacionalismo proletário.

As questões da autodeterminação dos povos oprimidos e do colonialismo também dividiam as duas facções. Enquanto os comunistas defendiam os direitos dos trabalhadores não apenas nos países industrializados, mas também nas nações colonizadas e semi-colonizadas, os sindicatos mais conservadores estavam focados em ganhos imediatos dentro de suas próprias fronteiras.

No Primeiro Congresso Mundial, em Paris, em 1945, foi decidido fundar a Federação Sindical Mundial como uma organização unificada e inclusiva, capaz de enfrentar os desafios da reconstrução pós-guerra e defender os direitos trabalhistas em escala internacional. A antiga IFTS foi considerada inadequada para atender às novas exigências de um mundo em rápida transformação, especialmente com o aumento da influência dos sindicatos socialistas e comunistas. A Internacional de Amsterdã foi então formalmente dissolvida.

A FSM assumiu imediatamente um papel fundamental na defesa dos direitos dos trabalhadores nas recém-criadas Nações Unidas e suas agências especializadas, notadamente a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A federação defendeu ativamente a inclusão dos direitos dos trabalhadores nos acordos internacionais e usou sua influência para garantir que a classe trabalhadora fosse priorizada nas decisões importantes da ONU.

Unidade do pós-guerra dá lugar à divisão

A Segunda Guerra Mundial devastou a Europa, a Ásia e outras regiões, abandonando infraestruturas, indústrias e economias em ruínas. Reconhecendo a urgência da reconstrução, a FSM priorizou os direitos dos trabalhadores e defendeu uma recuperação econômica justa. A federação também apoiou os movimentos de libertação nacional na Ásia, África e América Latina, enxergando-os como parte integrante da luta contra as forças que haviam fomentado o fascismo.

Entretanto, as pressões internas aumentaram, com figuras como Arthur Deakin, do TUC britânico, pedindo a dissolução da FSM, afirmando que ela era “controlada pelos comunistas”.

O Segundo Congresso Mundial, em 1949, na Itália, reuniu delegados de 61 nações, representando 71 milhões de trabalhadores. O congresso abordou as crescentes tensões da Guerra Fria, celebrou vitórias de movimentos revolucionários na China, Coreia e Vietnã, e reavaliou o panorama global após a derrota do fascismo internacional.

As crescentes tensões entre os EUA e a URSS aprofundaram ainda mais as divisões internas da FSM. A oposição da federação ao Plano Marshall se baseava na visão de que era um instrumento do imperialismo estadunidense que ameaçava os direitos dos trabalhadores e os movimentos socialistas. A FSM argumentava que o plano priorizava os interesses das corporações e impunha medidas de austeridade prejudiciais aos padrões de vida.

A FSM também viu corretamente o plano como uma tentativa de minar movimentos socialistas e comunistas na Europa, especialmente em países como França e Itália, onde esses movimentos eram fortes.

Divisões da Guerra Fria e os expurgos do macartismo

Os expurgos anticomunistas dos anos 1940 e 50, especialmente nos EUA, tiveram um impacto devastador no movimento sindical. Sob o pretexto de combater o comunismo, líderes sindicais militantes foram presos e substituídos por figuras pró-capitalistas alinhadas à política externa dos EUA e à OTAN.

A Doutrina Truman, anunciada em 1947, enquadrou a Guerra Fria como uma luta entre “democracia” e “totalitarismo”, influenciando fortemente a política interna dos EUA. Isso desencadeou perseguições contra a “influência comunista”, especialmente nos sindicatos.

O macartismo e o medo vermelho atingiram seus objetivos: enfraquecer a influência da esquerda e reconfigurar o movimento sindical para alinhar-se à política externa dos EUA. Líderes sindicais foram pressionados a apoiar a OTAN e a se opor aos movimentos socialistas ou comunistas no exterior.

Muitos líderes sindicalistas expulsos – vários deles, mas não todos, ligados ao Partido Comunista dos EUA – haviam sido fundamentais na organização de trabalhadores industriais e na conquista de direitos como o Seguro Social. Sindicatos como o United Electrical Workers (UE) foram particularmente atacados por sua oposição à Guerra Fria.

Entre 1949 e 1950, o CIO expulsou 11 sindicatos de tendência esquerdista, representando mais de um milhão de trabalhadores. Eles foram acusados de serem “dominados por comunistas”, embora muitos fossem simplesmente progressistas e combativos.

A Lei Taft-Hartley de 1947 exigia que líderes sindicais declarassem que não eram membros do Partido Comunista, barrando-os de cargos de liderança. Sindicatos que se recusaram, como o UE, foram expulsos do CIO e perderam apoio.

Esses expurgos custaram ao movimento trabalhista alguns de seus mais talentosos e combativos organizadores.

A divisão também afetou a FSM, com sindicatos do Reino Unido, Alemanha Ocidental, França, Canadá, Itália e partes da Ásia se retirando. Na França, o governo proibiu os escritórios centrais da FSM, que se mudaram para Viena.

A Federação Americana do Trabalho (AFL) aproveitou a divisão para formar, em 1949, a Confederação Internacional de Sindicatos Livres (ICFTU), com 35 milhões de trabalhadores, principalmente da Europa e América do Norte, se posicionando como uma alternativa “livre” à FSM, rotulada como “controlada pelos comunistas”.

Seguindo em frente

Apesar das divisões e ataques da Guerra Fria, a FSM continuou se posicionando como defensora dos direitos dos trabalhadores, do anti-imperialismo e do socialismo. Embora tenha sido marginalizada em países capitalistas desenvolvidos, permaneceu uma força relevante no mundo em desenvolvimento, apoiando movimentos anticoloniais e promovendo a solidariedade internacional dos trabalhadores.

A FSM também promoveu a igualdade de gênero, defendendo salários iguais, licença maternidade, apoio à creche, e os direitos de trabalhadores migrantes e grupos oprimidos.

A luta pela paz mundial sempre foi marca registrada da FSM. Ela participou do movimento global pela paz, pela não proliferação nuclear e contra alianças militares como a OTAN. Enxergava o militarismo como algo que sacrificava os trabalhadores para que os imperialistas lucrassem.

A FSM foi crítica das intervenções dos EUA na Coreia, Vietnã e Cuba, e dos regimes fascistas apoiados pelos EUA na América Latina.

Seus programas de intercâmbio entre sindicalistas de países capitalistas e socialistas permitiram contato direto entre trabalhadores, fortalecendo o compromisso com a justiça social. Os participantes testemunhavam avanços como pleno emprego, habitação, segurança social e educação gratuita.

Crise e renovação

As contrarrevoluções que derrubaram o socialismo na Europa Oriental e na URSS, entre 1989 e 1991, deixaram o movimento comunista e progressista internacional em desordem. Muitos sindicatos entraram em crise, e a base ideológica do movimento sindical foi abalada.

Algumas federações, como a CGT (França) e a CGIL (Itália), defenderam a dissolução da FSM. Mas sindicatos de Cuba, Índia e África se opuseram fortemente. Apesar da confusão, houve esforços para fortalecer a organização e promover a solidariedade.

A FSM apoiou a luta contra o apartheid na África do Sul, trabalhando com a COSATU e outras forças progressistas. Organizou campanhas de boicote e sanções, contribuindo para o fim do regime racista.

Nos anos 2000, muitos sindicatos dos antigos países socialistas deixaram a FSM e se juntaram à ICFTU. A sede da FSM foi transferida para a Grécia. Em 2001, a ICFTU apoiou a invasão do Iraque pelos EUA, o que enfraqueceu sua já frágil unidade.

Em 2006, a ICFTU se dissolveu e deu lugar à Confederação Sindical Internacional (ITUC), após fusão com a Confederação Mundial do Trabalho (WCL). A ITUC tentou focar em questões práticas dos trabalhadores, como salários e segurança no trabalho.

Hoje, muitos sindicatos são filiados tanto à FSM quanto à ITUC. Mas essa dupla filiação é desafiadora, já que a FSM enfatiza a luta de classes e o anti-imperialismo, enquanto a ITUC tem um foco mais limitado.

A FSM no século XXI

Apesar dos desafios, a FSM permanece uma força formidável. Sua dedicação à solidariedade da classe trabalhadora internacional e ao antifascismo continua tão relevante quanto em sua fundação.

Desde o 15º Congresso em Havana, em 2005, a federação tem se concentrado em revitalização, mantendo vivas as tradições de sindicalismo classista, democracia sindical, luta contra a exploração, pela paz mundial e solidariedade internacional.

A FSM é uma firme defensora do movimento sindical cubano, sobretudo diante do bloqueio econômico dos EUA. Também é uma voz ativa em defesa dos trabalhadores palestinos, apoiando a organização sindical na Cisjordânia e Gaza, condenando a ocupação e incentivando boicotes a empresas cúmplices da ocupação israelense.

A história da FSM reflete as lutas políticas e ideológicas mais amplas do movimento sindical internacional. Mas não está presa ao passado. Desde suas raízes antifascistas até sua resiliência na Guerra Fria e além, a FSM tem sido uma campeã dos direitos dos trabalhadores e dos oprimidos. Apesar dos desafios, seu legado como força progressista e militante no sindicalismo internacional continua vivo.

Cameron Harrison é ativista sindical e organizador da Comissão Trabalhista do Partido Comunista dos EUA (CPUSA).

Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy

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