Por David Nasaw (Time)
2020 marca o 75º aniversário de uma das mais notórias leis de exclusão, uma lei que foi quase apagada da memória histórica: a decisão de evitar que sobreviventes do Holocausto Judeu e vítimas não judias da Segunda Guerra Mundial imigrassem para os Estados Unidos. No final da Guerra, em 1945, na Europa, milhões de mal vestidos, desnutridos, e desorientados sobreviventes de campos de concentração, morte e trabalho, trabalhadores forçados e trabalhadores escravos, prisioneiros de guerra e prisioneiros políticos foram deixados para vagar pelas estradas e assombrar as praças da cidade e os mercados em busca de comida e abrigo. As forças militares americanas assumiram a liderança em cerca-los, transporta-los para centros de reunião, e então repatriar milhões para suas antigas casas na Europa Ocidental, Itália e União Soviética. No final do verão, contudo, havia ficado para trás na Alemanha um milhão de refugiados, que não puderam ou não quiseram voltar para casa ou, como os sobreviventes judeus, não tinham casas para retornar. A Agência de Socorro e Reabilitação das Nações Unidas, amplamente financiada pelos Estados Unidos, foi organizada para abrigar, alimentar e prover esses últimos milhões de vítimas da Guerra com cuidados médicos, em recém criados campos de refugiados. Eles continuariam lá pelos próximos três a cinco anos, enquanto os vencedores da Guerra debatiam o que fazer com eles.
Para os judeus que sobreviveram aos campos de concentração e morte, ou se escondendo ao longo da Europa, ou nos recessos profundos da União Soviética, assim como os europeus orientais que foram violentamente arrancados de suas casas para servir como escravos e trabalhadores forçados na Europa, a violência e brutalidade da Guerra não tinha sido magicamente apagadas com a cessação das hostilidades.
A União Soviética e as nações do bloco oriental exigiram que os últimos milhões de refugiados na Alemanha, com exceção dos judeus, fossem devolvidos à suas antigas pátrias. Aqueles que haviam cometido crimes de guerra ou colaborado com os nazistas, seriam levados à justiça; aqueles que tinham sido deportados para a Alemanha como trabalhadores forçados, ou prisioneiros de guerra, ajudariam na reconstrução de suas nações destruídas. Os Estados Unidos discordaram. Como Eleanor Roosevelt, uma delegada americana nas Nações Unidas, declarou inequivocamente, refugiados que não haviam cometido crimes tinham todo o direito de recusar a repatriação para suas terras natais dominadas pelos Soviéticos.
Sob objeções soviéticas, os Estados Unidos e seus aliados organizaram e financiaram a Organização Internacional de Refugiados para reassentar aqueles que se recusaram a ir para casa de novo. Enquanto representantes americanos encorajavam as nações do mundo a aceitar, reassentar e colocar refugiados europeus orientais para trabalhar, o Congresso recusou até considerar permitir a eles imigrar para os Estados Unidos. A única exceção feita foi para vários milhares de colaboradores nazistas e cientistas, que foram escolhidos a dedo pelo governo e oficiais militares e clandestinamente transportados para os Estados Unidos, para usar sua expertise e conhecimento para ajudar a lutar a Guerra Fria.
Para os judeus sobreviventes, a recusa da América de abrir os seus portões foi particularmente cruel. Impedidos pelos britânicos de imigrar para a Palestina, e tendo o reassentamento negado pelas nações da Organização Internacional de Refugiados, cujos governos os consideravam muito danificados, muito de clãs, muito perigosos e também incapazes ou relutantes para fazer o trabalho duro exigido deles, a América ficou como a melhor e última esperança dos judeus sobreviventes de escapar do quase cativeiro dos campos de refugiados alemães.
Por três anos inteiros, o Congresso americano ignorou a situação dos Últimos Milhões. Apenas em junho de 1948 o Congresso passou uma lei autorizando a admissão de 200.000 refugiados, mas impedindo a imigração de 90% dos judeus sobreviventes que, tendo passado os anos de Guerra na União Soviética, e/ou os primeiros meses do período pós-Guerra na Polônia, foram acusados de serem simpatizantes ou operativos comunistas. Nenhuma dessas medidas de “segurança” foi incluída na lei para proteção contra a entrada de milhares de colaboradores nazistas ou criminosos de guerra, que mentiram para entrar nos campos de refugiados. O clamor contra a natureza discriminatória da primeira Lei de Refugiados foi tal, que ela foi alterada, dois anos depois, para remover as restrições à imigração judia, mas, por esta altura, depois de três a cinco anos em campos na Alemanha, a vasta maioria dos sobreviventes, não querendo passar mais um dia na Alemanha, tinham imigrado para Israel, ilegalmente, antes de maio de 1948 e então legalmente, depois que Israel declarou, e o Presidente Truman reconheceu, sua independência.
Setenta e cinco anos depois que o governo americano recusou a admitir os judeus sobreviventes e os não judeus vítimas da Segunda Guerra Mundial, a atual administração está travando outra batalha contra aqueles que necessitam de refúgio ou asilo. O presidente, cujo avô, mãe, e primeira e terceira esposas eram imigrantes, aconselhado por seu genro, neto de sobreviventes do Holocausto, e Stephen Miller, bisneto de imigrantes, propôs e exigiu duras e novas restrições para aqueles procurando admissão nos Estados Unidos como requerentes de asilo, imigrantes, refugiados, trabalhadores convidados, estudantes, visitantes ou para se reunir com membros da família já aqui. Uma nova Seção de Desnaturalização foi organizada no Departamento de Justiça para facilitar a deportação de antigos imigrantes que foram naturalizados e são agora cidadãos. Agentes da Imigração e Fiscalização Alfandegária deportaram milhares de requerentes de asilo, incluindo alguns doentes com o Coronavírus. O Departamento de Serviços Nacionais e o Departamento de Justiça propuseram novas regras abrangentes para severamente restringir os direitos legais e as proteções oferecidas aos requerentes de asilo. E tudo isso, porque a atual administração reivindica, sem evidência, que esses homens, mulheres e crianças representam perigos distintos e presentes para os americanos e seu estilo de vida.
Mais uma vez, falsidades estão sendo usadas para alimentar o medo dos imigrantes. Os judeus sobreviventes que procuraram entrar nessa nação depois da Segunda Guerra Mundial, incluindo os avós de Jared Kushner, não eram antiamericanos, antidemocráticos, ou simpatizantes e operativos comunistas, embora muitos foram impedidos de entrar sob falsas acusações de que fossem. Os trabalhadores chineses que foram proibidos de entrar no País de 1882 até 1943 não representavam ameaça às mulheres, valores, prosperidade econômica ou democracia americanos. Aqueles que procuram entrar em 2020 não são membros de gangs, criminosos ou terroristas; eles não vão tirar os empregos daqueles que já residem nesse País; e não há evidência de que, uma vez admitidos, eles vão infectar a população americana com o Coronavírus.
O que nós precisávamos, como nação e povo, setenta e cinco anos atrás, no fim da Segunda Guerra Mundial, e o que nós exigimos hoje é uma política de imigração abrangente, baseada não em conveniência política ou falsidades, mas em preocupações humanitárias e o reconhecimento de que essa é, foi, e deve para sempre continuar uma nação de imigrantes.
Fonte: time.com
Tradução: Luciana Cristina Ruy