PUBLICADO EM 26 de set de 2018
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“O reconhecimento internacional do exemplo de minha filha cresce”, afirma mãe de Marielle Franco

“Minha filha era uma política em ascensão no Brasil. Seis meses após seu assassinato, porque seus assassinos ainda estão livres?”, pergunta-se Marinete da Silva, advogada e mãe de Marielle Franco, vereadora da cidade do Rio de Janeiro, assassinada em 14 de março de 2018.

Papa Francisco recebe a mae de Marielle Franco/ 03/08/2018 /Foto: Arquivo pessoal

Leia aqui seu depoimento publicado na revista Time em 14 de setembro de 2018:

Seis meses atrás, nós levamos uma facada no coração. O assassinato de minha filha, Marielle Franco, no centro do Rio de Janeiro, em 14 de março, deixou um imenso vazio – do tamanho da presença de Marielle em nossas vidas. Minha família nunca mais foi a mesma desde aquela noite, nem a de seu motorista Anderson Gomes, que também foi assassinado. Ninguém pode se preparar para a perda de uma filha. Todos os dias eu pergunto a mim mesma o que uma vereadora eleita pela cidade e conhecida defensora dos direitos humanos pode ter feito para gerar tanta violência. Ainda não tenho respostas.

Desde cedo, Marielle se destacou da multidão. Ela era uma líder natural na escola, na igreja e nos projetos dos quais participou. Ela estava envolvida nas hortas comunitárias, cursos preparatórios para faculdade para os desprivilegiados e movimentos contra a violência, sempre com o objetivo de ajudar os outros. Acreditava que a organização coletiva baseada na solidariedade podia mudar o mundo. Fazer coisas para os outros fazia com que ela se sentisse bem. Seu senso de responsabilidade era tão grande e ela sonhava tão grande que, em 2016, decidiu se candidatar a um cargo público, vereadora da cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do Brasil.

Sua campanha foi uma das experiências mais bonitas na história política da cidade. Envolveu mulheres negras, feministas, jovens e moradores de favela. Ela recebeu a quinta maior votação, e a segunda maior em seu partido. Marielle era única no modo como defendia, não apenas as minorias, mas todos. Ela teve sucesso em levar o movimento dos direitos humanos ao parlamento, num tempo em que a população brasileira havia perdido sua fé nas instituições políticas. Foi o começo de um processo transformador.

A vida da minha filha foi cortada cedo. Era claro que ela estava destinada a crescer para outro nível na vida pública. Muitos acreditavam que seu futuro seria na capital, Brasília – o caminho político necessário para ir além nos interesses coletivos que ela acreditava, e representava tão coerentemente. Mas desde seu assassinato, Marielle cresceu ainda mais além, sua influência se alargou para o mundo mais amplo. Milhares de pessoas tomaram as ruas em diferentes capitais, falando através de vários canais e em várias línguas. Por causa da tragédia, minha filha se tornou muito mais largamente conhecida do que qualquer um poderia esperar.

Seis meses se passaram desde o crime brutal que levou a vida da minha filha, e nós ainda não temos repostas. Fui à Itália me encontrar com o Papa Francisco, para contar a ele a história de Marielle, e pedir-lhe para reiterar nosso chamado por justiça. Cada mês nós apelamos para as diferentes autoridades responsáveis pela investigação para resolver o crime. Enquanto isso, nas ruas, as pessoas expressam afeição e me abraçam. São garotas para quem Marielle é um modelo; elas usam o retrato de minha filha em seus peitos como distintivos ou adesivos, em qualquer lugar que elas vão. Apesar de que todo apoio no Brasil e ao redor do mundo não vai levar embora nossa dor, ele nos motiva a continuar buscando justiça.

Apoiar aqueles mais necessitados foi a linha central da história da minha filha. Marielle dedicou parte de sua existência dando apoio a mães no momento mais difícil de suas vidas, quando elas estavam sentindo a dor de perder seus filhos de maneira violenta – muitos deles assassinados por agentes do Estado, que deviam estar protegendo-os. Ela estava lutando contra uma danificada política de segurança pública, que mata milhares de jovens negros todos os dias. Hoje, aquelas mães estão compartilhando esse sentimento comigo. Mães me visitam e ligam todos os dias, querendo saber como estou, e me encorajam a manter a cabeça erguida. Minha filha fez isso por elas e agora elas estão fazendo por mim.

Eu nunca vou esquecer o calor que eu recebi. Eu sinto a presença de Marielle em todos os gestos de solidariedade – solidariedade que leva para a esperança de esclarecer o que motivou alguém a cometer tamanha atrocidade naquela noite. Marielle trabalhou para responsabilizar o sistema, e incomodava algumas pessoas por ser uma mulher negra, da favela, que ousava estar num espaço que não estava historicamente ocupado por pessoas como ela.

Hoje, sinto que estamos vencendo porque estamos resistindo e nos mobilizando com a Anistia Internacional e ativistas ao redor do mundo. A cada dia que passa, o reconhecimento internacional do exemplo estabelecido por minha filha está crescendo, e se transformando numa luta por justiça para responsabilizar o Estado brasileiro. Marielle era uma mulher gentil, um exemplo de como a luta podia ser realizada com amor. Ela inspirava onde quer que ela fosse. Ela era uma defensora dos direitos humanos, que dedicou sua vida para fazer o bem. Nós precisamos saber quem matou minha filha, e quem ordenou seu assassinato. Minha família não vai descansar, até que nós tenhamos respostas sobre esse crime.

Marinete da Silva é advogada e a mãe de Marielle Franco.

Fonte: time.com

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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