PUBLICADO EM 08 de maio de 2023
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Harry Belafonte – gigante das artes e da luta por justiça e democracia

O multitalentoso e amplamente admirado performer Harry Belafonte morreu dia 25 de abril, aos 96 anos. Ele nasceu em 1º de março, 1927, na cidade de Nova York, como Harold George Bellanfanti Jr. Sua ascendência é jamaicana e Martinica, e seu avô paterno tinha origens judaicas holandesas. A carreira de Belafonte decolou com o filme Carmen Jones (1954). Logo depois, ele teve vários sucessos, como “The Banana Boat Song (Day-O)” e “Jamaica Farewell”. Junto com sua carreira de ator e cantor, Belafonte trabalhou como um campeão para muitas causas sociais e políticas.

Harry Belafonte, em 2012

Filho mais velho de imigrantes caribenhos, Harry Belafonte passou seus primeiros anos em Nova York. Sua mãe trabalhava como uma costureira e limpadora de casas, e seu pai serviu como cozinheiro na marinha real britânica. Quando Belafonte era criança, seus pais se divorciaram, e ele foi mandado para a Jamaica, o país natal de sua mãe, para viver com parentes. Lá, ele viu em primeira mão a opressão dos negros jamaicanos pelas autoridades coloniais britânicas.

Belafonte retornou ao bairro do Harlem, em Nova York, em 1939, para viver com sua mãe, e foi frequentemente cuidado por outros enquanto ela trabalhava. “A época mais difícil da minha vida foi quando eu era criança,” ele disse uma vez à revista People. “Minha mãe me deu afeição, mas porque eu era deixado sozinho, também muita angústia.”

Desistindo do ensino médio, Belafonte se alistou na marinha dos EUA em 1944, servindo no Pacífico no final da Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, ele retornou a Nova York, trabalhando em uma série de empregos estranhos.

Mas, depois de assistir a uma performance do Teatro Negro Americano, ele encontrou sua inspiração de carreira.

Ele estudou atuação na Oficina Dramática, dirigida pelo famoso diretor emigrado alemão, Erwin Piscator. Seus colegas de classe incluíam Marlon Brando, Walter Matthau, Bea Arthur, Sidney Poitier, e Rod Steiger. Belafonte apareceu em várias produções do Teatro Negro Americano, mas teve seu primeiro grande sucesso cantando para um projeto da classe. Foi oferecido a ele uma chance de se apresentar em um clube de jazz, o Royal Roost, apoiado por músicos como Charlie Parker e Miles Davis, e Belafonte se tornou um ato popular. Em 1949, ele conseguiu seu primeiro contrato de gravação.

Logo, Belafonte mudou seu estilo musical, deixando a música popular em favor do folk. Ele se tornou um ávido estudante de canções folk tradicionais pelo mundo, e começou a aparecer em clubes de folk da cidade de Nova York, como o Village Vanguard.

Estreando na Broadway em 1953, Belafonte ganhou um Prêmio Tony por sua performance em Almanac, de John Murray Anderson, na qual ele apresentou várias de suas próprias canções.

Em filme, Belafonte interpretou um diretor de escola ao lado de Dorothy Dandridge em seu primeiro filme, Bright Road (1953). Eles se reuniram no ano seguinte para Carmen Jones, de Otto Preminger, uma adaptação cinematográfica do contemporâneo de Oscar Hammerstein, versão da ópera Carmen de Bizet da Broadway afro-americana. Belafonte recebeu uma indicação ao Prêmio da Academia por sua interpretação de Joe, um soldado que se apaixona pela personagem título, interpretada por Dandridge.

O sucesso de Carmen Jones tornou Belafonte uma estrela, e logo ele se tornou uma sensação musical. Ele lançou Calypso (1956), pela RCA Victor, um álbum com sua opinião sobre música folk caribenha tradicional. “The Banana Boat Song (Day-O)” se tornou um grande sucesso. Mais do que apenas uma música popular, ela tinha um significado especial para Belafonte. “Essa música é um modo de vida,” Belafonte disse mais tarde ao The New York Times. “É uma canção sobre o meu pai, minha mãe, meus tios os homens e mulheres que labutam nos campos de banana, nos campos de cana da Jamaica.”

Calypso introduziu a América um novo gênero de música, vendendo mais de um milhão de cópias. Como o “Rei do Calypso,” Belafonte trabalhou com outros artistas folk, como Bob Dylan e Odetta.

Belafonte também abriu terreno como o primeiro produtor de televisão afro-americano, trabalhando em vários shows musicais. No início dos anos de 1970, ele se juntou a cantora Lena Horne para um especial de uma hora.

No meio dos anos de 1970, Belafonte não estava mais com sucesso nas paradas, mas continuou sua carreira no cinema com Um por Deus, Outro pelo Diabo, de 1972, e Aconteceu num Sábado, de 1974. Filmes de mais tarde incluem A Cor da Fúria (1995), com John Travolta, e Kansas City (1996), de Robert Altman. Ele também apareceu em Bobby, de 2006, um filme sobre o assassinato de Robert F. Kennedy. Na televisão, ele apareceu no The Muppet Show e com Marlo Thomas, no especial infantil de 1974, Free to Be… You and Me.

O ativista social

Sempre sincero, Belafonte encontrou inspiração para seu ativismo em figuras como o cantor Paul Robeson, e o escritor e ativista W. E. B. Du Bois, e o líder dos direitos civis Martin Luther King Jr., de quem Belafonte se tornou amigo próximo.

Harry Belafonte, Martin Luther King Jr., Hillard Elkins e Sammy Davis em 1965. Foto: reprodução Twitter

Belafonte emergiu como uma voz forte para o movimento dos direitos civis. Ele forneceu apoio financeiro para o Comitê de Coordenação Estudantil Não Violenta e participou de vários comícios e protestos. Belafonte estava com King para o discurso de 1963, “Eu Tenho um Sonho,” em Washington, D.C., e visitou com ele dias antes de King ser assassinado em 1968.

Durante o meio dos anos de 1960, quando o movimento contra o colonialismo expandiu ao redor do globo, Belafonte começou a apoiar novos artistas africanos. Ele encontrou primeiro a artista sul-africana exilada Miriam Makeba, conhecida como “Mama África”, em Londres, em 1958, e juntos eles ganharam um Grammy por Melhor Gravação Folk, em 1966. Ele ajudou a apresenta-la para audiências internacionais e americanas, chamando assim atenção para a vida sob o Apartheid da África do Sul.

Nos anos de 1980, Belafonte liderou um esforço para ajudar o povo da África, com a ideia de gravar uma canção com outras celebridades, para ser vendida para levantar fundos para o alívio da fome na Etiópia. Escrita por Michael Jackson e Lionel Ritchie, “We Are the World” apresentou vocais de grandes músicos como Ray Charles, Diana Ross, Bruce Springsteen, e Smokey Robinson. Lançada em 1985, ela levantou milhões de dólares e se tornou uma sensação internacional.

Belafonte foi um crítico de longa data da política estrangeira dos EUA. Várias vezes através das décadas, ele fez declarações se opondo ao bloqueio dos EUA de Cuba, elogiando iniciativas de paz soviéticas, atacando a invasão dos EUA de Granada, elogiando a Brigada Abraham Lincoln, honrando Ethel e Julius Rosenberg, e elogiando o líder revolucionário cubano Fidel Castro.

A visita de Belafonte a Cuba ajudou a assegurar o lugar da cultura Hip Hop na sociedade cubana. Em 1999, ele se encontrou com rappers cubanos, logo antes de um encontro com Castro. Subsequentemente, o governo cubano aprovou fundos para ajudar a integrar a música rap na cultura musical do país. Os rappers ganharam reconhecimento oficial, e adquiriram seu próprio estúdio de gravação.

Através dos anos, Belafonte apoiou muitas outras causas de solidariedade internacional, também. Em adição a seu papel como embaixador da boa vontade para a Unicef, ele fez campanha para o fim do apartheid na África do Sul, e falou contra as ações militares dos EUA no Iraque. Ele se encontrou várias vezes com o Presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Ele também atuou como embaixador celebridade para questões de justiça juvenil para a União Americana das Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês).

Belafonte ganhou censura em alguns quartéis por suas opiniões sinceras. Em 2006, ele se referiu ao Presidente George W. Bush como “o maior terrorista do mundo,” por lançar a Guerra do Iraque. Ele também insultou membros afro-americanos da administração Bush, o Gen. Colin Powell e Condoleezza Rice, referindo-se a eles como “escravos da casa.” Rejeitando a pressão da mídia, ele recusou-se firmemente a se desculpar por suas observações. Em relação a Powell e Rice, Belafonte disse, “vocês estão servindo aqueles que continuam a projetar nossa opressão.”

Lembrado que ele podia esperar críticas por suas observações sobre política, Belafonte respondeu: “Pode vir. A divergência é central para qualquer democracia.”

Uma força para o progresso

Harry Belafonte apareceu durante sua décima década. Em 2016, ele apoiou Bernie Sanders para as primárias Democratas, dizendo, “eu acho que ele representa oportunidade, eu acho que ele representa um imperativo moral, eu acho que ele representa um certo tipo de verdade que não está frequentemente em evidência no curso da política.”

Ele produziu um novo álbum promovendo a harmonia racial, em 2017, When Colors Come Together: The Legacy of Harry Belafonte. Ele incluía uma nova versão de “Island in the Sun” com um coro de crianças, que ele co-escreveu para o filme de 1957 do mesmo nome. “As diferenças que existem entre nós podem ser coisas que nos atraem uns aos outros, não que nos alienam entre nós,” Belafonte disse quando o álbum foi lançado.

Harry Belafonte e Bernie Sanders. Foto: Twitter Bernie Sanders

Belafonte foi presidente honorário da Marcha das Mulheres, em Washington, em 21 de janeiro de 2017.

Em fevereiro daquele ano, ele se juntou a vários grupos palestinos e figuras renomadas como Angela Davis, Alice Walker, e Danny Glover, assim como atletas ativistas como John Carlos, Craig Hodges, e Mahmoud Abdul-Rauf, assinando uma carta aberta pedindo aos jogadores da NFL para reconsiderar um convite para Israel como um esforço para torna-los “embaixadores da boa vontade para Israel.”

Na preparação para a eleição de 2020, Belafonte foi um franco oponente a Donald Trump. Ele escreveu um artigo poderoso no The New York Times, pouco antes da votação de 2020, no qual ele pediu aos eleitores negros para prestarem bastante atenção ao que Trump “diz quando ele está ‘sozinho na sala’ com seus apoiadores brancos, prometendo a eles em seus comícios que se ele for reeleito, as pessoas de cor não vão invadir seus ‘subúrbios bonitos’ de nossas ‘cidades nojentas.’”

Respondendo a afirmações Republicanas de que Trump podia ganhar votos negros, Belafonte disse que os afro-americanos “não iriam ser comprados por promessas vazias do homem enganador.”

Entre suas várias conquistas e reconhecimentos, Belafonte ganhou três Prêmios Grammy, incluindo um Prêmio Grammy pelo Conjunto da Obra, um Prêmio Emmy, e um Prêmio Tony. Em 1989, ele recebeu o Kennedy Center Honors. Ele foi premiado com uma Medalha Nacional de Artes, em 1994.

“A arte,” disse Belafonte: “Não há nada mais poderoso no universo do que ela, porque ela é o gravador da verdade.” Falando por ele mesmo, Belafonte disse que ele era “um ativista que se tornou um artista: eu não fui um artista que se tornou um ativista.”

Traduzido do People’s World por Luciana Cristina Ruy

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  • Ana Maria Gonçalves Bacchi

    Maravilhoso!!! Completo!!! Inteligente!! Lindíssimo!! Competente!!

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