PUBLICADO EM 17 de jun de 2024
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Eleições europeias e a extrema direita

Por David Broder

Avanço da Extrema direita na Europa. O partido de Marine Le Pen foi um dos vitoriosos da eleição europeia de junho. Foto Al Jazeera

Avanço da Extrema direita na Europa. O partido de Marine Le Pen foi um dos vitoriosos da eleição europeia de junho. Foto Al Jazeera

As eleições europeias entre 6 e 9 de junho de semana viram uma guinada à direita, incluindo grandes ganhos para partidos anti-imigração. Na maioria dos casos, as forças de extrema direita abandonaram os apelos para sair da UE — mas estão cada vez mais capazes de definir a própria agenda do bloco.

Giorgia Meloni preferiria fazer parceria com o “pró-europeu mainstream” Emmanuel Macron ou com a “outsider de extrema direita” Marine Le Pen? Antes das eleições para o parlamento da União Europeia, muitos analistas especularam sobre os próximos movimentos da primeira-ministra italiana — considerada uma potencial “fazedora de reis” na construção de coalizões em Bruxelas, ou uma parceira em uma nova internacional nacionalista. Candidatos rivais de extrema direita acusaram Meloni de bajular o presidente francês (e a principal autoridade da UE, Ursula von der Leyen); alguns comentaristas mais pró-europeus esperavam que Macron e Meloni pudessem “unir forças para salvar a Europa.” Mas agora, com Macron convocando eleições antecipadas que poderiam facilmente levar o partido de Le Pen ao governo nacional, talvez Meloni não precise escolher um em detrimento do outro.

A veneração internacional de Meloni como uma atriz pragmática na política da UE geralmente se baseia em uma quase indiferença às políticas específicas, desde que o projeto europeu como um todo se mantenha. Seu partido, neste ponto, está comprometido em mudar a UE por dentro, e também está relativamente estável em casa.

Obteve 29% dos votos no domingo, superando sua pontuação nas eleições gerais de 2022, e superando seus frequentemente disruptivos parceiros de coalizão na Lega (8%). Os resultados também confirmam que a proeminência italiana na política da UE reflete a fraqueza do tradicional par central franco-alemão do bloco, e a diminuição do relançamento econômico pós-pandemia. Na França, a lista de Macron obteve 15%, contra 31,5% do Rassemblement National de Le Pen. Na Alemanha, escândalos sobre visões indulgentes ao nazismo no Alternative für Deutschland (que subiu para 16%) não impediram a derrota dos Social-Democratas governantes (14%), cujos parceiros de coalizão (Verdes com 12%, Democratas Livres com 5%) também tiveram resultados péssimos.

Direita aumentou, mas outsiders não se encaixam

De modo geral, a extrema direita aumentou seus números, embora a linguagem de insurgentes outsiders não se encaixe bem no que agora é uma parte estabelecida do cenário político da UE. Na verdade, olhando para a eleição como um todo, a mudança foi bastante incremental. Os totais de assentos sugerem que, no novo parlamento de 720 membros, que cresceu quinze assentos desde 2019, o Partido Popular Europeu de centro-direita ganhou cerca de nove assentos, os Social-Democratas perderam dois, a Esquerda perdeu um, os Verdes e Liberais perderam cerca de vinte cada, e as várias vertentes da extrema direita acrescentaram cerca de trinta, principalmente na França e na Alemanha.

Na Itália, a extrema direita ficou em primeiro lugar, mas isso não foi novidade: os quatorze assentos ganhos pelos Fratelli d’Italia de Meloni foram todos à custa da Lega. A centro-esquerda teve um bom desempenho, enquanto centristas extremos ao estilo Macron, como Matteo Renzi, perderam espaço. Na Espanha, os aliados de Meloni, Vox, ganharam dois assentos, mas os partidos tradicionais também mantiveram seus votos; na Polônia, o Lei e Justiça perdeu espaço, beneficiando tanto a direita mais moderada quanto a duramente nacionalista/libertária de direita Konfederacja.

Na França

Ainda assim, se esses comentários colocam o avanço da extrema direita em termos relativos, os eventos na França parecem ser os mais importantes, pelo menos por enquanto. O governo de Macron já não tinha maioria absoluta no parlamento desde junho de 2022. Agora, atingindo o ponto mais baixo de seu apoio, ele busca mais um duelo com Le Pen, frequentemente sua adversária política escolhida na formação de sua própria coalizão “antipopulista.”

No entanto, críticos também viram isso como um dueto em um sentido diferente. Antes de sua primeira eleição há sete anos, grafites em Paris proclamavam “Macron 2017 = Le Pen 2022,” expressando a crença da esquerda de que — longe de ser uma “barreira contra o populismo” — Macron e suas políticas neoliberais alimentariam o descontentamento social e, assim, ajudariam o Rassemblement National a triunfar eventualmente.

Já o vimos em ação como ministro da economia no desastroso governo de centro-esquerda de François Hollande, e ele prometeu que transformaria a França em uma “nação start-up.” Sua linguagem de dinamismo empreendedor expressava desprezo pelos “preguiçosos”, mas também pelos trabalhadores que esperavam manter um emprego estável e depois obter uma boa aposentadoria.

Nesse sentido, os ataques de Macron ao modelo social francês não foram surpreendentes, assim como o autoritarismo policial contra manifestantes como os gilets jaunes ou opositores de suas “reformas” da previdência. Isso certamente explica parte do crescimento da extrema direita. O partido de Le Pen denuncia as medidas antissociais de Macron, mas também os protestos contra elas — e se beneficia do desespero e cinismo resultantes de sua derrota. Mas há mais do que isso.

Os esforços dos ministros de Macron para capturar parte da agenda de Le Pen — condenando “islamo-esquerdistas” e imigrantes aproveitadores do bem-estar social, ou acusando a líder de extrema direita de ser “branda com o Islã” — certamente foram além do esperado de um governo nominalmente liberal em promover os pontos de discussão da extrema direita e facilitar seu caminho para o mainstream. As eleições antecipadas que Macron convocou na noite passada poderiam muito bem produzir uma chamada coabitação, uma situação frequentemente conflituosa, em que o presidente da França e o primeiro-ministro pertencem a campos políticos diferentes. Mas em termos de políticas — incluindo um projeto de lei de imigração aprovado em dezembro graças aos votos de Le Pen — tal coexistência já estava em andamento há muito tempo.

Se a extrema direita realmente crescer, provavelmente veremos um empurra-empurra entre um chefe de estado enfraquecido e um Rassemblement National buscando dominar a agenda doméstica.

Aprendendo a Conviver

Na França, admiradores de Meloni do centro-direita do establishment frequentemente a contrastaram positivamente com Le Pen. Estes incluem empresários como Alain Minc, que afirma que, enquanto a primeira-ministra italiana “entrou no círculo da razão” e “se alinhou” com os princípios de apoio à OTAN e respeito ao equilíbrio orçamentário monitorado pela UE, a líder de extrema direita francesa permanece menos contida.

Certamente, alguns no Rassemblement National, notavelmente o principal candidato europeu Jordan Bardella, responderam a isso buscando colocar o partido em um curso mais respeitável e atlantista; o partido, em qualquer caso, está hoje longe do tipo de sentimento anti-euro que promoveu em meados da década de 2010, na era do conselheiro Florian Philippot, e nos últimos dez anos recrutou alguns candidatos da historicamente mais mainstream direita gaullista. Servidores públicos e líderes empresariais certamente esperam preparar uma “aterrissagem suave”, enquanto o partido de Le Pen se aproxima do poder, e a eleição convocada por Macron — talvez levando o Rassemblement National ao governo bem antes da eleição presidencial de 2027 — poderia ajudar a lubrificar as engrenagens.

Parece que o partido de Le Pen está com o vento em suas velas. Cada vez menos anatematizado, atrai uma parcela crescente do eleitorado de direita mais ampla, à medida que também se expande para partes mais de classe média do eleitorado, especialmente na França provinciana. Sua vitória na eleição antecipada de 30 de junho/7 de julho está longe de ser certa: também há forças contrárias na esquerda, e o sistema eleitoral de dois turnos continua a erguer barreiras para Le Pen ganhar maiorias absolutas. Mas na França, como em toda a Europa, não há um cordão sanitário firme entre a direita burguesa e os partidos que até alguns anos atrás eram rotulados como uma ameaça à própria democracia. Ao convocar esta eleição, Macron está, bastante obviamente, sem medo de deixar Le Pen vencer. Sem um projeto claro para a UE além de um retorno à austeridade, incapaz de traçar um curso independente em política externa e assustado com a possibilidade de uma vitória de Trump em novembro, o establishment europeu está encontrando maneiras de integrar partes da extrema direita, primeiro com Meloni, aparentemente depois com o Rassemblement National. Esse processo tem momentos de conflito — como qualquer coabitação entre Macron e um primeiro-ministro de extrema direita, ou algum “independente” escolhido por Le Pen. Mas o enquadramento de “liberais pró-UE vs. populistas nacionais” é claramente cada vez mais vazio.

Perguntado em um debate televisivo pré-eleitoral por que seu partido costumava querer um referendo para sair da UE, mas agora abandonou esse objetivo, Jordan Bardella, do Rassemblement National, respondeu: “Você não sai da mesa de negociação quando está prestes a vencer.” O mesmo pode ser dito da extrema direita em outros países e do declínio geral das forças de “saída da eurozona” nas eleições da UE de 2024. Apesar de suas muitas diferenças, esses partidos também podem achar seus próprios caminhos de falar sobre a Europa, compatível com as instituições da UE. Em um anúncio de campanha, o Sweden Democrats elogiou as diferentes partes da cultura europeia vistas como sob ameaça pela imigração. Era uma homenagem a um continente de carros, cervejas geladas e saias curtas, todas em perigo por guerras de gangues e protestos pró-Palestina trazidos pelos muçulmanos. O vídeo, de um partido que uma vez foi a favor de deixar a UE, era uma carta de amor ao estilo de vida europeu – e terminava proclamando “Minha Europa constrói muros”. Isso é o continente como um modo de vida, uma civilização sob ameaça, talvez um pouco como e chefe de assuntos estrangeiros da UE, Josep Borrell, chamou um “jardim” que precisa proteção da “selva” do mundo exterior.

A experiência de Meloni no governo mostrou que a extrema direita pode na verdade encontrar seu lugar dentro desse “jardim”, realmente como um de seus mais ardentes defensores. Nos anos recentes há muitos escritos sobre nacionais populistas que ameaçaram romper com a UE, seja por projeto ou através de mal custeados planos de gastos. Mas, depois dessa campanha, parece cada vez mais que essas forças vão se acomodar a isso – e que o establishment vai descobrir que elas têm modos de trabalhar juntas.

Traduzido do Portal Jacobin por Luciana Cristina Ruy

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