PUBLICADO EM 17 de jul de 2018
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Rever a política de preços da Petrobras, antes que seja tarde

Em maio o IBGE registrou uma queda de 10,9% no PIB brasileiro, que já estava mal. Explicou que a causa dessa derrocada foi a “greve dos caminhoneiros”. Mas os problemas que a provocaram não foram enfrentados, mas contornados com medidas paliativas. Nas redes sociais já se fala no recrudescimento do movimento.

Entre 6 e 9 de julho, o Haiti viveu problema semelhante: os preços dos combustíveis subiram mais de 50%, inclusive o do querosene, que ilumina as casas mais pobres de lá. Uma greve parou tudo, houve muita violência e mortes. Os aumentos foram decididos pelo FMI.

Aqui, com a mesma filosofia do FMI, implantou-se em 14 de outubro de 2016, a “nova política de preços da Petrobras”, a Paridade de Preços Internacionais, PPI. Esta política adequa os preços dos combustíveis vendidos no Brasil aos preços internacionais, reajustando-os até diariamente. Os preços subiram assustadoramente. Veio a greve. No sufoco, o governo aceitou alterar a periodicidade dos reajustes, criou subsídios, definiu prazos para acomodar insatisfações, mas proclamou que não alteraria a política. Mexeu no acessório, não no essencial.

A “nova política” ajusta-se a três movimentos em curso na Petrobras: o aumento da exportação do óleo bruto, a redução do refino e o crescimento da importação de derivados.

A exportação do petróleo chegou a 100 milhões de barris em 2005, ultrapassou 350 milhões em 2017. Nossas refinarias, que têm capacidade para refinar 2,5 milhões de barris/dia, estão processando 1,6 milhão. Importamos 15 milhões de barris de óleo diesel em 2005, 80 milhões em 2017; 5 milhões de barris de GLP (o gás de cozinha) em 2005, 20 milhões em 2017. Enquanto no passado exportamos gasolina, importamos 28 milhões de barris em 2017. O etanol, criação brasileira, está sendo em parte importado dos Estados Unidos, que o produz a partir do milho.

Configura-se no setor de combustíveis um sistema neocolonial: exportamos cada vez mais matéria prima, o petróleo; refinamos aquém do possível; e importamos cada vez mais derivados.

Pela PPI, são garantidos preços internacionais a todos os combustíveis e outros derivados vendidos aos brasileiros pela Petrobras, mesmo aos produzidos com óleo local e aqui refinados. Nossos preços internos foram indexados a dois fatores externos, as cotações do petróleo e do dólar. Quando há pouco estes subiram ao mesmo tempo, os preços dos combustíveis dispararam e a greve parou o país. O mercado interno de combustíveis está dolarizado.

Essa política não reflete os interesses do Brasil. Os problemas que cria não são superados com paliativos, como mudanças na periodicidade dos ajustes, nem na taxação maior da gasolina que no diesel, nem com subsídios para alguns setores. A política errada, que já parou o Brasil e que continua a ameaçá-lo, precisa ser mudada.

A mudança necessária deve ser feita sem penalizar a Petrobras, sem cortes de impostos que sacrificariam serviços à população, sem benefícios fiscais a setores favorecidos e sem subsídios que oneram o caixa da República.

Propostas, com naturais variações, já têm sido apresentadas por entidades e estudiosos.

A ideia básica é fazer com que o custo do petróleo extraído no Brasil, mais o custo do refino local, mais os impostos que lhes são cobrados aqui, formem o custo final do combustível no Brasil e seja vendido por esse preço aos brasileiros. Equiparar este custo nacional aos preços internacionais é dolarizá-lo, e é escorchar o povo brasileiro. A conta é simples.

O custo de extração do óleo do pré-sal no Brasil é de US$7/ barril, segundo a Petrobras (DCI 14/06/18). Somando-se outros custos, como depreciação de equipamentos, amortização de investimentos, etc., o custo total de produção do óleo do pré-sal chega a US$20 /barril.

A Petrobras informa que o preço mínimo do barril de petróleo que viabiliza um projeto no pré-sal (o “breakeven”, ou preço de equilíbrio), está “entre US$30 e US$40 o barril” (Valor, 31.10.2017). Para efeito de cálculo tomemos a média, US$35, que cobre o preço de produção no pré-sal, US$20/barril, com 75% de lucro.

Se a esse preço de equilíbrio, US$35 /b, somarmos o preço do refino, que é US$3/b, concluiremos que o preço médio do derivado é de US$38 o barril. Computando as despesas administrativas, de transportes e similares poderemos chegar a US$45 o barril.

Este é que é o preço médio do derivado no Brasil, o que deveria ser cobrado nas refinarias da Petrobras, e que já inclui lucro elevado para a estatal.

Em moeda nacional, com o câmbio dos últimos tempos (R$3,8 por dólar), este custo nacional médio se converteria em R$171/b, ou seja, R$1,06 por litro médio de derivado. Antes da greve, as refinarias cobravam cerca de R$2,35/litro em média pelo derivado, 135% de lucro extra, na porta das refinarias.

Para chegar às bombas, o combustível tem que pagar os impostos, (Cide, Pis/Cofins, ICMS) e tem também que garantir o lucro da revenda. Aceita-se que tudo isto dá em média R$0,90/litro. O preço final médio dos combustíveis nas bombas ficaria, portanto em torno de R$2,00/l, quem sabe R$2,5/l. Contudo, o diesel está ao redor de R$3,82/l, esteve em R$5,2/l há vinte dias.

Então, que se passa com nosso país? O Brasil tem o petróleo, o extrai, transporta-o em seus dutos, refina-o, cobra os impostos devidos e na hora de vender ao brasileiro usa o preço internacional, que é muito maior. Por que?

Argumenta-se com os interesses dos acionistas da Petrobras. Na verdade, desde que FHC vendeu ações da Petrobras na Bolsa de Nova York, mais da metade das ações da empresa está em mãos do capital privado, a parcela mais significativa é estrangeira, e dentro desta a maior parte é americana. Mas o acionista controlador é a União, que tem maioria do capital votante (pequena!) e que também é o maior acionista individual.

O investidor de Nova York quando comprou ações da Petrobras sabia que teria que se ajustar aos interesses do acionista principal da empresa, que era a União brasileira. A estatal não pode apenas estar atrás de lucros extraordinários para esses acionistas, inclusive porque já remete cerca de 40% desses lucros ao exterior, aos EEUU. A estatal tem que olhar para a sociedade que a criou, a mantem e a controla.

Os brasileiros têm direito a pagar o custo nacional pelo produto nacional, sem prejudicar ninguém. Quando aqui for vendido produto importado, naturalmente o preço é o internacional, assim como quando o produto local for vendido lá fora, especialmente o excesso de produção do petróleo. Assim é que ganham muito dinheiro os países que tem grandes jazidas de petróleo, como os do Oriente Médio e outros.

Haroldo Lima  é engenheiro, membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, foi Deputado Federal e Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, ANP.

 

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