PUBLICADO EM 29 de nov de 2018
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Bolsonaro se inspira em Trump e assemelha-se a Roberto D’Aubuisson

A vitória de Bolsonaro, embora não seja uma surpresa depois de sua forte liderança no primeiro turno, representa uma mudança sísmica no país que foi governado pela esquerda pela maior parte dos últimos quinze anos – e isso ressalta ainda a dramática tendência à direita na política latino-americana.

Poe Jon Lee Anderson

No início da década, muito do hemisfério foi governado por líderes de centro-esquerda como Hugo Chávez, na Venezuela; Cristina Kirchner, na Argentina; e, no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o líder do Partido dos Trabalhadores, ou PT. Hoje, Chávez está morto, substituído pelo infeliz Nicolás Maduro, e a Venezuela está num estado de colapso econômico e social; a ex-Presidente Kirchner está enfrentando um processo por corrupção; e Lula está na prisão, depois de ser condenado por acusações de corrupção.

A exceção a atual tendência é a recente vitória eleitoral do veterano político de esquerda mexicano Andrés Manuel López Obrador, que toma posse em 1º de dezembro – um mês antes do empossamento de Bolsonaro. Assim como Bolsonaro ganhou o cargo por causa de falhas da esquerda política no Brasil – e por imitar com sucesso alguns dos caminhos de Trump para o sucesso – López Obrador ganhou no México porque ele era visto como o antídoto ao sistema político que havia caído, e se tornado subserviente à intimidação e caprichos de Trump.

Globalmente, a iminente ascensão de Bolsonaro a Presidência anexou o Brasil as crescentes fileiras de nações governadas por populistas autoritários, que amplamente defendem visões intolerantes, misóginas, homofóbicas e anti-imigrantes, assim como a violência como um meio de resolver os problemas. Bolsonaro, um extremista de direita que passou anos nas margens da política do Brasil gritando insultos contra mulheres, negros, gays e esquerdistas, louvando o uso da tortura e chamando pelo restabelecimento do governo militar, agora representa a nova corrente principal.

Para o Brasil é uma mudança da maré, na escala da ascensão de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, com algumas diferenças chave: Trump insultou mulheres; Bolsonaro publicamente xingou uma legisladora feminina, empurrando-a, e dizendo a ela que ela era “muito feia para ser estuprada”. Trump assoviou sua aprovação a policiais usando táticas brutas; Bolsonaro advogou a uma política sem luvas a respeito do problema “criminal” do Brasil, na mesma moda mortal que o presidente filipino, Rodrigo Duterte, dizendo recentemente: “esse tipo de pessoas você não pode trata-los como se fossem seres humanos normais, ok? Nós não podemos deixar os policiais morrerem nas mãos desses caras. Se ele mata dez, quinze, ou vinte, com dez ou trinta balas cada, ele precisa receber uma medalha, e não ser processado”.

Depois da eleição brasileira Trump ligou para Bolsonaro para congratula-lo. Ele também disse no Twitter: “Tive uma conversa muito boa com o há pouco eleito presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que ganhou sua corrida por uma margem substancial. Nós concordamos que o Brasil e os Estados Unidos vão trabalhar bem juntos em Comércio, Forças Armadas e todo o resto. Excelente escolha, desejo-lhe parabéns!”. O ultradireitista vice primeiro ministro da Itália, Matteo Salvini, expressou seu deleite no Twitter: “a amizade entre nosso povo e nossos governos vai ser ainda mais forte”, enquanto Marine Le Pen, da França, também desejou a Bolsonaro “Boa sorte”. Steve Bannon disse sobre Bolsonaro: “um brasileiro patriota, e eu acredito que um grande líder para seu país nesse momento histórico”.

Em outros ecos do nacionalismo Trumpista, Bolsonaro prometeu manter a China presa nos setores de energia e infraestrutura do Brasil, e recuar nos acordos multilaterais do Brasil, como no bloco comercial regional conhecido como Mercosul. Ele escoriou as Nações Unidas, chamando-a de “local de encontro para comunistas”, e ameaçou a retirada do Brasil. Bolsonaro promete alinhar o Brasil aos EUA. Ele prometeu mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, encerrar as atividades do escritório palestino em Brasília, e buscar a mudança de regime na vizinha Venezuela.

O valor do dólar e o mercado de ações do Brasil subiram na ascensão de Bolsonaro, estimulados, pelo menos em parte, por suas promessas de suspender controles ambientais e abrir partes do país – incluindo áreas protegidas na região selvagem da Amazônia e reservas indígenas – para desenvolver por larga escala mineração e interesses do agronegócio. Refletindo o entusiasmo do grande capital, Rupert Murdoch, do Wall Street Journal, recentemente saudou Bolsonaro em um editorial intitulado “Brazilian Swamp Drainer” (escorredor do pântano brasileiro), com uma linha de abertura que ri às gargalhadas dos “progressistas globais tendo um ataque de ansiedade”, sobre a sua eminente vitória. O editorial continua afirmando que “o senhor Bolsonaro, que passou 27 anos no Congresso, é melhor entendido como um populista conservador, que promete fazer o Brasil grande pela primeira vez”.

Talvez a personalidade a quem Bolsonaro mais assemelha-se é Roberto D’Aubuisson, o falecido político salvadorenho e ex-major da Guarda Nacional que, em conluio com as forças de segurança e proprietários de terras conservadores, comandou os esquadrões da morte que capturaram e mataram milhares de suspeitos esquerdistas, em uma campanha de terror destinada a “purificar a pátria” (A vítima mais proeminente de D’Aubuisson foi o arcebispo Oscar Arnulfo Romero, recentemente canonizado pelo Papa Francisco).

No início dos anos oitenta muito da América Latina estava nas garras de ditadores anticomunistas, que formaram uma cabala para matar e fazer desaparecer os esquerdistas do hemisfério. Entre 1964 a 1985, o Brasil foi parte dessa cabala, liderado por uma ditadura militar, que reivindicou as vidas de várias centenas de seus cidadãos, enquanto infligindo tortura e aprisionando muitos milhares mais. Até a ex-presidente Dilma Rousseff foi uma jovem guerrilheira, durante o período, capturada, torturada e aprisionada pelos militares. E, durante a votação de seu impeachment, em 2016, Bolsonaro, então deputado dedicou seu voto ao oficial militar responsável pela tortura de Rousseff.

Desde a restauração da democracia, no entanto, o Brasil, ao contrário de seus vizinhos, absteve-se de processar alguém pela tarefa dos abusos dos direitos humanos daquela era. Como resultado, poucos brasileiros vivos hoje têm memória, ou mesmo uma opinião sobre a ditadura que Bolsonaro aplaude. Sua vice-presidente, Hamilton Mourão, um ex-general do exército, é um impenitente companheiro, mais conhecido por suas observações justificando a intervenção militar na política do Brasil, se necessário, para salvar o Brasil da “anarquia”.

O próprio Bolsonaro prometeu retribuição contra seus inimigos políticos, praguejando que ele vai ver Lula “apodrecer” na prisão, e vai eventualmente por Haddad atrás das grades também. Ele também prometeu ir atrás dos ativistas da reforma agrária do MST – Movimento Sem Terra – o movimento dos trabalhadores sem-terra, a quem ele se refere como “terroristas”.

Em um discurso de posse, Bolsonaro chamou os esquerdistas do Brasil de “foras da lei vermelhos”, e disse que eles precisavam deixar o país, se não ir para a cadeia. “Esses fora da lei vermelhos serão banidos da nossa pátria”, ele disse. “Vai ser uma limpeza como nunca foi vista na história do Brasil”. Mais tarde, se referindo a seus apoiadores, ele disse, “Nós somos a maioria. Nós somos o verdadeiro Brasil. Juntos com esse povo brasileiro, nós vamos fazer uma nova nação.”

Texto publicado no site da Revista Time time.com em 30/10/2018

Traduzido por Luciana Cristina Ruy

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  • rita de cassia vianna gava

    Só que não, não são a maioria são uma facção criminosa que não tem respeito à vida. São contra democracia e submetem se povo. Pelo menos é o que está se configurando
    Mas vamos ver.só que nem começou e já faz estragos

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