PUBLICADO EM 28 de jan de 2021
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Apps de entrega são ‘salvação’ em pandemia, mas futuro de trabalhadores preocupa

Aumento no número de entregadores cadastrados em aplicativos de delivery passa de 500%, mas migração desses profissionais para o mercado de trabalho formal pode ser difícil

São Paulo, SP. 01 de julho de 2020 greve dos entregadores de aplicativos – Av paulista, – Foto: Roberto Parizotti/Fotos Publicas

Durante a pandemia de coronavírus, muitas pessoas perderam parte ou toda a sua renda ou ficaram desempregadas. A saída encontrada por inúmeros trabalhadores foi fazer entregas por meio de aplicativos como o Rappi, James (ligado ao Grupo Pão de Açúcar), Eu Entrego e Box Delivery. Prova disso foi que o número de colaboradores cadastrados nesses apps chegou a crescer mais de 500%.

Foi o que aconteceu na Eu Entrego. A empresa conecta supermercados e lojas a profissionais autônomos que querem trabalhar como entregadores (usando seus próprios carros de passeio para isso). Em 2020, o número de colaboradores cadastrados cresceu 538%. Para se ter uma ideia do tamanho dessa alta, em 2019 ante 2018, o crescimento havia sido de 123%.

A Box Delivery é mais uma empresa que liga estabelecimentos comerciais a entregadores parceiros. Nela, o número de trabalhadores subiu 342% em 2020 ante o ano anterior. Em 2019, a alta foi de 121% na comparação anual. Atualmente, são mais de 50 mil profissionais cadastrados, sendo 13 mil ativos.

A Rappi, talvez o mais popular dentre os serviços de entrega, não abre esses números. No entanto, a empresa destaca que no início da pandemia (de março a junho de 2020), registrou um aumento de 300% no número de pedidos, principalmente nos setores de supermercados, farmácias e restaurantes.

Em meio a um cenário caótico e até mesmo desesperador para muitos trabalhadores, esses apps foram uma saída quase ideal. Afinal de contas, eles possibilitaram que as pessoas tivessem uma renda sem depender da ajuda governamental ou de um contratante. Ao mesmo tempo, a demanda por eles nesse período também cresceu consideravelmente, já que durante o isolamento as pessoas deixaram de sair de casa e optaram por pedir produtos e comida por delivery.

O que virá depois, no entanto, é algo que preocupa especialistas. Isso porque muitos desses profissionais podem ter dificuldades em voltar ou até mesmo ingressar no mercado de trabalho formal no futuro e alguns podem ter problemas financeiros por isso.

Migração para o mercado de trabalho formal
Essa dificuldade acontece por diferentes motivos, segundo Juliana Inhasz, pesquisadora do Insper. O primeiro deles vem do próprio contexto econômico. Em um cenário como o atual (de pandemia e contas públicas fragilizadas), pode demorar muitos anos até que os empresários tenham confiança de que o Brasil voltará a crescer. Por isso, os investimentos no país podem demorar a voltar e, assim, as empresas tendem a contratar menos. Isso significa, então, que essas pessoas tendem a ficar mais tempo de fora do mercado formal.

Um outro fator, segundo a pesquisadora, é a falta de atualização e estudo desses profissionais durante o período em que estão trabalhando com entregas, o que pode torná-los preteridos em relação a outras pessoas que se mantiveram atuando em determinadas áreas ou estudando.

Inhasz lembra que no caso de profissionais que perderam emprego em suas áreas, a volta à procura pode ter mais um agravante para dificultá-la: a concorrência de trabalhadores recém-formados. Esses concorrentes podem ter como vantagem experiências recentes como em estágios ou programas trainees e o custo de mão de obra mais baixo, justamente por serem mais jovens e menos experientes.

“Quem voltar vai ter a concorrência dessas pessoas que também entrarão no mercado e cria-se uma bola de neve. Se esses profissionais não se atualizarem e forem atrás de algum tipo de adequação enquanto tiverem fora de suas áreas, perpetuaremos essa condição de trabalhar com app”, afirma a professora.

Renan Pieri, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda que em casos de profissionais que saíram de suas áreas a situação pode ser mais difícil em uma retomada. Ele ainda destaca que em um momento como esse, onde há muitas transformações tecnológicas (muitas delas, inclusive, motivadas pela pandemia, que forçou uma digitalização mais rápida), a necessidade de atualização se torna ainda maior.

“Muita gente que fica tempos fora de sua área e acaba perdendo habilidades. Temos pesquisas mostrando isso. Então, tem que ter programas mais ativos de treinamento e formação de profissionais, principalmente porque estamos passando por um processo rápido de formação tecnológica”, afirma.

Os especialistas destacam, no entanto, que muitos desses trabalhadores podem optar por continuar no mercado informal, inclusive trabalhando por meio de aplicativos.

“É preciso entender que nem todos vão querer voltar ao mercado formal. Teve gente que se deu bem com isso, se adaptou bem”, afirma Inhasz. Ela destaca, porém, que esses trabalhadores precisam ter em mente um planejamento para não ficarem desamparados caso algo aconteça.

Planejamento financeiro
As relações de trabalho dos entregadores com os aplicativos funciona, na maior parte das vezes, de maneira autônoma. Os trabalhadores não são considerados funcionários das empresas, mas sim parceiros. Desse modo, eles não têm proteções financeiras como Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS) ou contribuição para a Previdência. No caso, por exemplo, de um trabalhador se machucar ou ficar doente, ele também fica sem renda.

Por isso, a necessidade de planejamento financeiro é fundamental, segundo os especialistas. Esses profissionais precisam, por exemplo, fazer uma reserva de emergência e até mesmo contribuir para a Previdência Social por conta própria.

“Educação financeira e planejamento para quem trabalha com isso é fundamental. É importantíssimo que pessoas busquem alternativa. Tem que se planejar porque no fim do dia são pessoas que têm fragilidade econômica financeira maior. Ter consciência disso é um primeiro passo. É importante até que elas procurem ajuda de órgãos que possam auxiliar. Como o Senac e Sebrae que têm cursos e orientação”, afirma Inhasz.

Para Pieri, os profissionais que estão trabalhando de forma autônoma devem se blindar de eventuais problemas, se organizando. “É um conjunto de ações. É interessante buscar, sempre que possível uma regularização da atividade que se está exercendo. Abrir um MEI (certificado de microempreendedor individual, que permite ao profissional prestar serviços e emitir nota fiscal), isso facilita conseguir contrato e até crédito. E é preciso ter planejamento financeiro”, afirma.

Fonte: Valor Investe

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