PUBLICADO EM 26 de abr de 2023
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Graças à China e ao Brasil, o poder do dólar dos EUA sobre a economia mundial enfraquece

Xi Jinping e Lula na China, abril de 2023. Foto: Agência Brasil

Por W. T. Whitney Jr.

Os Estados Unidos proclamaram a Doutrina Monroe 200 anos atrás e desde então influenciaram os assuntos da América Latina e Caribe para obter vantagem. Mesmo assim, lutas por independência nacional e regional continuaram, e as classes pobres e marginalizadas resistiram. Eventualmente, houve movimentos indígenas, mobilizações trabalhistas, e governos progressistas e com inclinações socialistas. O governo revolucionário de Cuba, por exemplo, resistiu por 63 anos.

O domínio político dos EUA pode ter enfraquecido, mas seu controle sobre as economias da região permanece forte; depois da Segunda Guerra Mundial, ele se estendeu pelo mundo todo. Mas agora, rachaduras estão aparecendo. Em particular, no papel do dólar dos EUA como moeda dominante da economia mundial pode ter seguido seu curso.

Em 1944, 44 Nações Aliadas determinaram que o valor de suas várias moedas se correlacionaria com o valor do dólar dos EUA, ao invés do valor do ouro. As nações desde então contaram com a moeda dos EUA para suas reservas, para o comércio exterior e em transações bancárias.

Isso parecia ter uma boa razão. Os Estados Unidos foram supremos na produção e comercialização de bens e, então, presumidamente, o valor do dólar continuaria estável e previsível. O dólar seria prontamente acessível para banqueiros e comerciantes, e seu valor seria inequívoco. As nações também poderiam construir suas reservas de moeda através dos dólares que elas acumulassem, na forma de títulos vendidos por um cada vez mais devedor Estados Unidos.

Os Estados Unidos se beneficiaram. Em trocas de moeda envolvendo o dólar, empresas e indivíduos dos EUA experimentaram apenas custos adicionais menores. Os importadores dos EUA sabem que quanto mais que o valor do dólar se fortalece, menos caros serão os produtos que eles compram no exterior. Os custos de empréstimos dos EUA no exterior são relativamente baixos por causa dos títulos dos EUA, e os investimentos que eles representam em dólar são atraentes no exterior, por uma variedade de razões.

A dominância do dólar causou dor no exterior, contudo. Exportadores para os Estados Unidos levam um golpe quando o valor de troca do dólar enfraquece. Importadores de bens dos EUA são prejudicados quando o dólar se fortalece.

Mais importante, o governo dos EUA ganha uma abertura para punir países inimigos através de seu uso do dólar em transações internacionais. Ele impõe sanções econômicas exigindo que dólares não sejam usados em um país alvo em transações internacionais. O Departamento do Tesouro dos EUA penaliza bancos e empresas estrangeiras que desobedecem. Nações que sofreram sanções incluem Cuba, Irã, Coréia do Norte, Síria, Venezuela, Nicarágua, e mais recentemente, China e Rússia.

O frequente recurso do governo dos EUA a sanções econômicas contribuiu grandemente para agitações em nome de um novo sistema de moeda internacional. O confisco de moedas de reserva que pertencem ao Irã, Venezuela e Afeganistão depositadas em bancos dos EUA e europeus da mesma maneira encorajou chamados por mudança.

Brasil e China

Em 29 de março, China e Brasil anunciaram que usariam suas próprias moedas no comércio entre si. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. A moda da China, renminbi, atualmente constitui uma parte importante das moedas de reserva do Brasil.

Mais cedo em 2023, Brasil e Argentina propuseram cooperação em relação a criar uma moeda comum para si. No encontro de janeiro da Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (CELAC), o presidente brasileiro, Lula da Silva, opinou que “se fosse por mim, eu promoveria uma única moeda para a região.” Ele a chamaria de “SUR” (Sul). A aliança regional ALBA propôs em 2009 uma moeda eletrônica chamada “Sucre,” com o objetivo de reduzir a dependência do dólar.

A ex-Presidente brasileira, Dilma Rousseff, é a recentemente nomeada presidente do Novo Banco de Desenvolvimento que, com sede em Xangai, serve às nações do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O banco representa uma alternativa aos dominados pelos EUA Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.

A mudança em relação à dependência do dólar é evidente em todos os lugares.

Recentemente em um “Fórum de Parceria Estratégica” Rússia-Índia, um oficial russo anunciou que os estados do BRICS criariam uma nova moeda, e que o anúncio formal seria feito no encontro da cúpula do BRICS em Durban, África do Sul, em agosto.

Os países do BRICS contam com “40% da população global e um quarto do PIB mundial.” De acordo com o People’s Dispatch, Irã e Arábia Saudita, tendo recentemente assinado um acordo de paz, vão logo se unir ao BRICS. Egito, Argélia, Emirados Árabes Unidos, México, Argentina e Nigéria aparentemente estão considerando.

Os valores de novas moedas não vão ficar em outras moedas, mas no valor de “produtos, minerais de terras rasas, ou solo.”

Em janeiro, Irã e Rússia acordaram métodos úteis para contornar o sistema bancário SWIFT, a ferramenta dos EUA para a manutenção de sua dominância do dólar. Para escapar das sanções dos EUA, os dois países contam com suas próprias moedas para a maioria das transações.

Em sua cúpula em março, líderes russos e chineses reiteraram sua intenção de expandir o comércio bilateral e utilizar suas próprias moedas. A China está cada vez mais usando sua própria moeda em transações com países asiáticos, africanos e latino-americanos. O yuan “se tornou a quinta maior moeda de pagamento do mundo, a terceira maior moeda em liquidação comercial e a quinta maior moeda de reserva,” de acordo com o Global Times.

A Arábia Saudita está à beira de vender petróleo e gás natural em outras moedas que não o dólar, e a China ocasionalmente paga nações do Golfo Arábico em yuan por esses produtos.

Os ministros das finanças e governadores de bancos centrais dos estados membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) se encontraram na Indonésia em 28 de março. No topo de sua agenda estavam “discussões para reduzir a dependência do dólar dos EUA, euro, yen e libra britânica para transações financeiras e mover para acordos em moedas locais.” As nações da ASEAN, uma aliança de dez nações do Sudeste Asiático, estão desenvolvendo um sistema de pagamento digital para transações dos países membros.

A dominância do dólar pode estar perdendo seu apelo mais perto de casa. O ex-economista chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neill alega: “O dólar dos EUA desempenha um papel muito dominante nas finanças globais. Sempre que o conselho do Federal Reserve embarcou em períodos de aperto monetário, ou o oposto, soltando, as consequências no valor do dólar e os efeitos em cadeia foram dramáticos.”

Gillian Tell, presidente do conselho editorial do Financial Times, observa que “preocupações estão em movimento de que as turbulências bancárias, inflação e a iminente batalha de teto da dívida desse mês dos EUA estejam fazendo ativos baseados em dólares menos atrativos.” Ainda, “um padrão multipolar viria como um choque para os legisladores americanos, dado o quanto financiamento externo os EUA precisam.”

Há implicações mais amplas. O economista argentino Julio Gambina lamenta “a desordem na economia mundial… [e] essa atitude de unilateralismo representada pelas sanções dos EUA.” Entrevistado em 29 de março, Gambina aponta que “a riqueza tem um pai e uma mãe: trabalho e natureza.”

Ele adiciona que “América Latina e o Caribe… onde a desigualdade é o que mais cresce… têm uma classe trabalhadora altamente qualificada, desejando levar adiante a produção de riqueza. Nós temos o recurso de ativos mantidos em comum para o desenvolvimento soberano, através do qual os interesses de nossos povos e a reprodução da natureza, vida e sociedade são defendidas.”

T. Whitney é um jornalista político cujo foco é a América Latina, assistência médica e antirracismo.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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