PUBLICADO EM 03 de jan de 2018
COMPARTILHAR COM:

George Harrison, um beatle salvo pela guitarra!

A história do filho do ex-marinheiro, desempregado e, por fim, motorista de ônibus e de uma eventual balconista de armazém, George Harrison, é uma das demonstrações mais radicais dessa realidade. Oriundo da “baixa Liverpool”, George chegou aos Beatles trazendo tudo o que isso significava, com seu visual ‘teddy boy’, comportamento e linguajar, que levou a tia Mimi, a não considerá-lo boa companhia para o seu John.

Por Fernando Rosa (*)

A primeira geração do rock surgiu dos interiores americanos, pelas mãos de negros (Chuck Berry, Little Richard), brancos pobres (Elvis Presley, Gene Vincent, Buddy Holly) e chicanos (Richie Vallens). Cruzando o Atlântico, a geração seguinte também teve origem nas cidades periféricas e industriais e, novamente, pelas mãos de filhos da tradicional “working class” inglesa.

A história do filho do ex-marinheiro, desempregado e, por fim, motorista de ônibus e de uma eventual balconista de armazém, George Harrison, é uma das demonstrações mais radicais dessa realidade. Oriundo da “baixa Liverpool”, George chegou aos Beatles trazendo tudo o que isso significava, com seu visual ‘teddy boy’, comportamento e linguajar, que levou a tia Mimi, a não considerá-lo boa companhia para o seu John.

Nascido em 24 de fevereiro de 1943, e morto em 29 de novembro de 2001, George cresceu em meio aos destroços e abrigos antiaéreos da Segunda Guerra e às dificuldades impostas pela sua condição de classe. “A nossa casa era muito pequena. Dois cômodos em cima, dois embaixo. Ficávamos todos amontoados na cozinha, onde estava o fogo, a chaleira no fogão, e uma pequena estufa de ferro”, relembra Harrison no livro The Beatles Anthology.

 

As agruras econômicas, no entanto, não impediram que George tivesse uma infância feliz, como ele mesmo descreveu em sua biografia, especialmente pelo estilo de vida extrovertido de seus pais, Harold e Louise – os dois adoravam música, e sempre que podiam, saiam para dançar e se divertir.

Apesar da dureza, Louise não hesitou em gastar 3 libras para comprar o seu primeiro violão e também ficar acordada até tarde para acompanhar o esforço do filho aprendiz do instrumento. Foi ela também quem deu um jeito de arranjar outras 3 libras e 10 xelins – “era muito dinheiro”, segundo Harrison – para comprar de um ex-colega de escola a sua primeira guitarra.

Harrison viveu sua infância e adolescência sob a influência do rádio que supria as dificuldades de acesso à discos – “se já era difícil conseguir uma xícara de açúcar (devido ao racionamento do pós-guerra), imagine um disco de rock”, disse ele anos mais tarde.

“Ouvi pela primeira vez I’m In Love Again, de Fats Domino, quando era adolescente. Esse foi o que eu chamaria de meu primeiro disco de rock. Outro single da época em que ainda era um colegial foi Whispering Bells dos Del-Vikings – ainda me lembro do som da guitarra nele. E depois, claro, Heartbreaker Hotel – simplesmente um dia saiu do rádio de alguém e se alojou para sempre na parte de trás do meu cérebro”, lembra ele, no mesmo livro.

Em 1954, então com 11 anos, George ingressou na Liverpool Institute, a mesma escola onde um ano antes o futuro parceiro Paul McCartney havia se matriculado. A fama de ermitão conquistada na época da beatlemania era antiga. “Ele era um menino muito quieto e introvertido que sentava no canto da sala e nem sequer erguia os olhos. Harrison raramente falava”, constatou o professor do beatle, Arthur Evans, anos depois.

E foi no caminho da escola, dentro de um ônibus, que Harrison, já então com 13 anos, cruzou com o futuro parceiro, que tornou-se imediatamente seu grande amigo e incentivador, a ponto de levá-lo para o Quarrymen, banda então liderada por John Lennon. No contato, George descobriu que Paul tinha um trumpete (!) e este, por sua vez, que o colega de escola tinha um violão.

O sonho de entrar para um grupo de rock ficou mais próximo da realidade quando George foi convidado por Paul para assistir a uma performance dos Quarrymen. Era 6 de fevereiro de 1958, dia em que George conheceu John Lennon. “John era muito sarcástico desde o primeiro dia, mas nunca me intimidei com ele. Sempre que ele me provocava, eu dava um jeito de dar o troco”, afirmou Harrison, confirmando a sua personalidade espirituosa desde o início.

Lennon, a princípio relutante em aceitar um moleque de 14 anos na banda, foi obrigado a render-se ao talento do pequeno suburbano. Na mesma noite, Paul convenceu-o a fazer uma audição informal com Harrison para avaliar se o garoto teria condições de juntar-se ao grupo. A temida audição realizou-se no segundo andar de um ônibus (outra vez!), onde George, nervoso, executou Rauchy, de Bill Justis. Um mês depois, ele já fazia parte do grupo.

“Sempre achei que a vida era experimentar, desenvolver, criar oportunidades, fazer as coisas acontecerem. Nunca achei que, por ser de Liverpool, não poderia viver em uma mansão”, fala George Harrison em The Beatles Anthology. Mais do que um simples comentário sobre seu interesse pela arquitetura, a frase evidencia a determinação de um filho da “working class” inglesa superar a sua condição de classe.

Por várias vezes, o pai de George insistiu para que ele tivesse uma profissão, tornando-se eletricista e seguindo os passos dos irmãos – um mecânico e outro funileiro -, sem conseguir seu intento. Depois de rodar, não propositalmente, segundo ele, em um concurso para a Liverpool Corporation, George chegou a ser aprendiz de eletricista por algum tempo.

“A guitarra era a única coisa que poderia me salvar do tédio. Era único emprego que eu poderia pensar em ter: tocar guitarra e entrar numa banda de rock”.

https://youtu.be/oDs2Bkq6UU4

Fernando Rosa é jornalista, produtor cultura e editor do portal Senhor F.

* Com colaboração de Fernando Brasil.

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

QUENTINHAS