A chamada Abolição inconclusa, porque não indenizou as trabalhadoras e trabalhadores escravizados por quase quatro séculos no último país do Ocidente a pôr fim ao escravismo, completa 135 anos neste 13 de maio.
E apesar da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 1888, não contemplar os seres humanos escravizados, a Abolição significa uma das mais importantes mudanças ocorridas no Brasil, marcando a passagem do escravismo direto para o capitalismo.
Mas qual os efeitos da escravidão na sociedade brasileira ainda no século 21? O racismo forjado para justificar a escravização de seres humanos trazidos à força da África permanece como traço marcante da sociedade brasileira, como mostram estudiosos.
Isso é notado em diversas manifestações racistas nas ruas e nas redes, com agressões a negras e negros junto com a aporofobia. A reportagem “3 fatores que explicam repetição de violência contra negros em mercados no Brasil”, da jornalista Julia Braun, publicada na BBC News Brasil, na terça-feira (9), mostra diversas violências a negras e negros.
“Essa ira contra a população negra ainda é resquício dos quatro anos de incitação ao ódio, à violência e ao racismo pelo governo anterior”, diz Lucimara da Silva Cruz, secretária de Promoção de Políticas da Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). “É o racismo estrutural e estruturante que combatemos diariamente”.
Segundo ela, essa “é a raiva dos que perderam” porque “para eles estamos no poder e isso eles não admitem. Essas violências ocorrem em supermercados, que é o local onde a população negra está presente mais comumente”.
Raimunda Leone, secretária-adjunta de Promoção de Políticas da Igualdade Racial da CTB, emenda ao afirmar que “a raiva que sentem da população negra ‘fora do seu lugar’ é dialeticamente o ódio que têm aos mais pobres e à classe trabalhadora”.
De acordo com Raimunda, “em 135 anos de Abolição, a população negra permanece sendo a maior vítima das balas perdidas, da letalidade policial, do desemprego, do trabalho precário, do trabalho escravo contemporâneo” tanto quanto “do assédio moral e sexual nos ambientes de trabalho”.
E para acabar com isso, “precisamos mudar radicalmente o processo educativo, que não se resume à escola”, argumenta Lucimara. “As instituições públicas devem ter um papel radical para atacar a raiz do problema” sem “admitir que essas violências passem impunes”. Acabar “com essa história de antirracismo ser mimimi”.
Sistema Nacional de Segurança Pública
É fundamental discutir um sistema nacional de segurança pública que promova a cultura da paz. “Segurança não é só polícia”, afirma Raimunda, “segurança não é só empresa dita especializada para proteger apenas o patrimônio”. O conceito de segurança pública “deve ser muito mais amplo e envolver toda a sociedade num debate que vise acabar com a insegurança e garantir a paz”.
Combater o racismo significa “lutar por uma sociedade voltada para os valores humanos de liberdade, igualdade e fraternidade”, assinala Lucimara. Porque “temos a lei criminalizando o racismo”, mas “só isso não basta”. Muitos ajustes de conduta “precisam ser feitos para reeducar a sociedade. Os donos das empresas de segurança, as trabalhadoras e trabalhadores e todo o aparato de segurança precisam se reeducar para cumprir a sua função com mais inteligência”.
Raimunda destaca a importância de dar mais efetividade à Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino nas escolas de história das negras e negros brasileiros, do continente africano e da cultura de matriz africana.
“Estudar a história do país com destaque para as lutas contra o escravismo, contra o racismo e em favor da população mais vulnerável, com certeza pode levar a uma maior identificação e, com isso, a um crescimento da autoestima da população marginalizada”, reforça.
O racismo persiste e as violências também. Então, “é importante punir de forma exemplar os racistas e as empresas onde ocorrem as violências”, alega Lucimara. “Além de um processo educativo para toda a sociedade” contra o racismo “é importante manter as políticas afirmativas com cotas em universidades e no mercado de trabalho para dar maior visibilidade às negras e negros”.
Ademais, “não se muda uma nação se não tivermos vida digna para todas as pessoas e muito menos viver bem se temos nossos jovens assassinados todos os dias, se não temos trabalho decente, se as mulheres sofrem todo tipo de violência cotidianamente”, conclui Raimunda.
Porque como disse o escritor Lima Barreto (1881-1922) no início do século 20, “é duro não ser branco no Brasil. A capacidade mental dos negros é discutida a priori e a dos brancos a posteriori”. E continua sendo 135 anos após a Abolição.
Marcos Aurélio Ruy é jornalista
Edileusa maria da silva l
135 anos de uma abolição que só tem nome pois a gente negro continuando sendo escravizado explorado e maltratado pelos senhores brancos onde só morrem mais negros e negras em todo composto geral