Hegel havia partido da tentativa de compreender a evolução da humanidade, e deu a ela a forma abstrata que, na “Fenomenologia do Espírito” (Hegel: 1992), busca mapear os estágios da evolução da consciência.
Apresenta uma concepção da história como autodesenvolvimento, desdobramento e autoconhecimento do espírito absoluto – e foi o último e mais grandioso fruto de uma concepção de influência cristã, como avaliou Marx.
Marx e Engels criticaram a concepção da história de Hegel, e partiram dela para elaborar sua própria concepção materialista da história.
Para Marx, a “concepção hegeliana da história nada mais é do que a expressão especulativa do dogma germano-cristão e a oposição do espírito e da matéria, de Deus e do mundo”.
Essa crítica, registrada num texto de 1844 (“A Sagrada Família”), se orientou no sentido de uma compreensão não especulativa da história, apontando para seu caráter científico, com base nos fatos objetivos e no mundo real, que marca a concepção marxista.
Desde seus primeiros escritos Marx e Engels compreenderam que não há história sem a ação do ser humano, sem a praxis humana. “A história não fez nada, não possui enormes riquezas, não leva a cabo nenhuma luta! (…) não é a história que utiliza o homem para realizar os seus fins – como se fosse uma entidade independente – ela nada mais é do que atividade do homem em busca dos seus fins” (Marx/Engels: 1976).
A concepção materialista dialética da história não nasceu pronta e acabada, mas foi desenvolvida lentamente, elaborada por Marx e Engels em anos de árduos estudo.
A nova concepção apareceu em seus escritos iniciais, considerados da juventude e da transição para a maturidade, e indicam uma visão de história que rompe com duas tradições – a positivista, que se firmava, e as ideias providencialistas de existência de um plano pré-definido que orientaria a história à margem da ação prática do homem.
Só pode haver uma história realmente científica se a crítica àquelas concepções for rigorosa, e este é um dos sentidos da ruptura de Marx e Engels com a ideia tradicional de história, hegemônica no século 19 – ruptura que está presente já em seus primeiros escritos, culminando em “A ideologia alemã” (1845). “Neste particular, para a concepção marxista da história, o processo histórico importa em função do presente, pois, através do método histórico, se chega à compreensão e crítica da realidade social, residindo aí a importância da história como ciência”, escreveu a professora Gizlene Neder (Neder, 1983). Isto é, a história parte do presente para descrever o caminho que a humanidade percorreu desde o passado, e iluminhar o caminho para superar as contradições com que se defronta.
Foi em “A Ideologia Alemã” que Marx e Engels apresentaram pela primeira vez, de forma sistemática, a nova concepção da história. E nunca deixaram de manifestar opiniões profícuas sobre ela, antes e depois da sistematização feita naquela obra de 1845, aprofundando aspectos dela.
Pensadores da experiência humana em sua totalidade, Marx e Engels aprofundaram um aspecto essencial dessa compreensão, aquele que diz respeito à existência material dos homens e seus efeitos na vida e na consciência.
Engels escreveu, quatro décadas mais tarde, em “Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia Clássica Alemã” (1886), que “A Ideologia Alemã”, foi um acerto de contas com nossa (dele e de Marx) consciência filosófica anterior, com a filosofia de Hegel e as concepções dos “hegelianos de esquerda”.
José Carlos Ruy é jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista.
Referências
Hegel, G. W. F. “Fenomenologia do Espírito”. Petrópolis, Vozes, 1992.
Engels, Friedrich. “Ludwig Feuerbach y el fin de la filosofia clasica alemana” (1845). In Marx/Engels. “Obras escogidas”, T. II. Madri, Editorial Ayuso, 1976.
Marx, Karl, e Engels, Friedrich. “A Sagrada Família, ou a crítica da critica crítica” (1844). Lisboa, Presença, 1976
Marx, Karl e Engels, Friedric. “A ideologia alemã”, vol. I. Lisboa / São Paulo, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, 1976
Neder, Gizlene. “Marx e a história – a prática do método”. In Konder, Leandro e outros (orgs). “Por que Marx?”. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1983