“40 milhões! 40 milhões!” – entoavam manifestantes numa das entradas da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (9), a cada parlamentar favorável à reforma da Previdência que passava. Aquele coro foi o autêntico réquiem da propalada “nova política”, alardeada pelo presidente Jair Bolsonaro desde a época em que foi tido como o “mito”, na campanha eleitoral de 2018.
Aqueles manifestantes se referiam à imoral e antiética promessa que o ministro da Casa Civil e articulador político do governo, Onyx Lorenzoni (DEM/RS) teria feito, de liberar emendas no valor de até 40 milhões de reais, até 2022, aos deputados que votassem a favor da draconiana. reacionária e anti-popular reforma da Previdência. Esta informação, escandalosa e muito grave, foi confirmada por líderes de cinco partidos e deputados do DEM, PP, PSD, PR, PRB e Solidariedade.
Bolsonaro, que se elegeu com a promessa de mudar anacrônicos hábitos na relação entre Executivo e Legislativo, rendeu-se ao fisiologismo mais calhorda para aprovar esta traição ao povo e aos trabalhadores e atender aos interesses exclusivos dos especuladores financeiros.
Da mesma maneira como governos anteriores, ele usou deste recurso imoral e antiético para conseguir aprovar medidas rejeitadas pelo povo e pelos trabalhadores e que, de outra maneira, os parlamentares dificilmente aprovariam.
Bolsonaro comprou votos como Fernando Henrique Cardoso, em 1997, para aprovar o direito da reeleição; pagou, como foi revelado na época, pelo menos 200 mil reais a deputados que votaram pela mudança que o beneficiou. Outro que comprou votos foi o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em abril de 2016, para impor o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, como reconheceu mais tarde o operador financeiro Lúcio Funaro, que foi o agente daquela vilania. Bolsonaro repetiu ação idêntica de Michel Temer, em meados de 2017, quando Câmara analisava denúncias graves contra o presidente golpista Michel Temer.
O fisiologismo é apanágio da direita e dos conservadores brasileiros, que desde sempre traduzem suas convicções e consciências em valores financeiros.
Bolsonaro e os deputados da direita que o apoiam são desta estirpe. Não os move convicções ou o espírito público, mas o interesse pessoal. A liberação de emendas ao orçamento, usada como moeda de troca em negócios imorais desta natureza, atende a interesses paroquiais dos deputados envolvidos – a construção de uma ponte, um posto de saúde ou seja lá o que for – que podem posar diante de seu eleitorado como aquele que “conseguiu” dinheiro do governo para aquela obra.
É o “toma-lá-d-cá” mais tradicional e vergonhoso que existe na política brasileira. Que levou, na época do governo José Sarney o deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP) (1927-1996), um dos líderes do Centrão e conhecido fisiológico, a dizer que “é dando que se recebe”. Frase atualizada, no final de junho, pelo deputado federal Herculano Passos (MDB-SP), vice-líder do governo na Câmara, ao dizer que “o governo tem que prestigiar quem apoia. Isso faz parte da política”.
Sob Bolsonaro esta lógica se manifestou amplamente, com as burras do Orçamento, abertas, para aprovar a reforma da Previdência. A imprensa informa que depois da chegada daquele projeto nefasto à Câmara do Deputados, o governo liberou desde março, 4,3 bilhões de reais para atender a emendas parlamentares. Liberação acelerada nos primeiros dias de julho, às vésperas da dotação em plenário daquela emenda. Apenas na terça-feira (10), um dia antes da votação, o valor das emendas ao Orçamento da União chegou a 1,1 bilhão de reais. Segundo a ONG Contas Abertas, que analisa as contas do governo, desde março o valor alcançou 4,3 bilhões de reais. Nos primeiros cinco dias de julho, foram 2,55 bilhões, caracterizando a compra de votos.
A liberação das emendas é prevista em lei. O cientista político Paulo Calmon, da Universidade de Brasília (UnB), explica que o “processo orçamentário brasileiro é repleto de idiossincrasias e há uma série de normas e práticas que favorece a realização dessas transações”. Ele lembra que “o toma lá dá cá tem longa trajetória na política brasileira e foi adotado em várias votações importantes no passado recente.” Mas seu uso com a liberalidade típica de governos que querem aprovar medidas impopulares é fortemente antiético, imoral e beira ao crime quando o objetivo é comprar votos para influir em votações no Congresso.
José Carlos Ruy é jornalista.